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2.1 Novo perfil do Ministério Público

2.1.3 O cerne do Ministério Público resolutivo

Ultrapassadas as explicações quanto à função essencial da justiça, à função jurisdicional do Estado e à permanência do Ministério Público na Constituição da República de 1988, avança-se para a análise conjunta das principais incumbências constitucionais da instituição: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Encontra-se aqui o cerne do Ministério Público resolutivo.

O Ministério Público resolutivo originou-se de sua separação doutrinária em dois modelos: o demandista e o resolutivo (GOULART, 1998). O uso dessa expressão pressupõe o Ministério Público como uma instituição que “consiga efetivamente resolver as questões que lhe são postas pela sociedade” (GOULART, 1998, p. 112), como instância preferencial para a tutela dos direitos de grupo.

Para Sadek (2009b), os dois modelos de Ministério Público são separados no tipo “tradicional” – voltado para a prioridade da atuação penal, o qual não exige maiores descrições – e no tipo “novo”, que, “ao contrário, é mais difícil de ser caracterizado, exatamente por encontrar-se em processo de construção, ou mais precisamente de expansão” (SADEK, 2009b, p. 8).

Apoiando-se em Sadek (2009b), considera-se, nesta pesquisa, que o Ministério Público encontra-se em processo de construção (grifo nosso). Decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição da República de 1988, pode-se afirmar que o Ministério Público resolutivo ainda está em processo de consolidação na ordem jurídica nacional.

A expressão democrática para qualificar o Estado necessita que todos os valores da democracia, tais como igualdade e dignidade da pessoa humana, se propaguem para os elementos constitutivos do Estado e também para a ordem jurídica (JATAHY, 2006, p. 67). Por isso, o Ministério Público assume importância indiscutível quanto à incumbência de defesa do regime democrático e da ordem jurídica.

Ao assumir tais incumbências, a instituição aproxima-se da sociedade e afasta-se definitivamente da representação dos interesses do Poder Executivo. Mesmo permanecendo vinculado ao Poder Executivo em termos estruturais de carreira, almeja atingir, a partir da CR/88, os fins sociais do Estado, deslocando-se da sociedade política para a sociedade civil.

O Ministério Público passou a ocupar lugar de destaque não só na ordem jurídica como no cenário nacional, passando os membros a atuarem como atores políticos relevantes. “Poucas vezes – se alguma – presenciou-se, em tão curto espaço de tempo, uma instituição sair da obscuridade alçando-se para o centro dos refletores” (SADEK, 2009b, p. 3).

Nessa linha, salienta Machado (1999, p. 160):

[...] notadamente a Constituição de 1988, a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, impulsionaram, por assim dizer, uma espécie de “libertação institucional” do Ministério Público brasileiro, que se

desvincula assim, e cada vez mais, do arcabouço repressivo do Estado para assumir plenamente sua destinação constitucional de agente político dos interesses da sociedade civil organizada.

Os membros do Ministério Público devem exercer suas atribuições como verdadeiros trabalhadores sociais, visando resgatar a cidadania e efetivar os valores democráticos fundamentais. Nesse sentido, o Ministério Público resolutivo representa um canal fundamental para o acesso da sociedade a uma ordem jurídica realmente mais legítima e justa (ALMEIDA; PARISE in ALMEIDA; SOARES JÚNIOR, 2013, p. 263).

As defesas do regime democrático e da ordem jurídica são, pois, incumbências constitucionais indissociáveis para o Ministério Público resolutivo. Sob o plano de fundo da democracia, a atuação ministerial passa a visar à igualdade social, à proporcionalidade e aos princípios de justiça desconsiderados pelo Estado Liberal de Direito, não intervencionista e eminentemente individualista; por outro lado, não se restringe à entrega de prestações positivas aos indivíduos, característica predominante no Estado Social de Direito.

Indissociável, também, do cerne do Ministério Público resolutivo, é a tutela dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Referidos interesses alcançaram importância indiscutível no texto constitucional de 1988 e, ao contrário do que ocorreu em outros momentos históricos do país, não permaneceram como letra fria da lei, mas infiltraram-se nas instituições promovendo mudanças estruturais.

Afirma-se que o cerne do Ministério Público resolutivo está umbilicalmente ligado a estas incumbências constitucionais, porque a defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais, por sua própria complexidade, impõe uma práxis diferenciada no seio da instituição.

A própria CR/88, objetivando uma atuação diferenciada do parquet, enumera entre as funções do Ministério Público: promover as medidas necessárias ao zelo pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública, promover o inquérito civil, expedir notificações, requisitar informações e documentos assim como exercer outras funções compatíveis com sua finalidade (art. 129, II, III, VI, VIII e IX) (BRASIL, 1988), não se vislumbrando aí cunho exclusivamente jurisdicional.

Nessa linha salienta Rodrigues (in LOPES; JATAHY, 2012, p. 93):

A fatia de atribuições extrajudiciais (um rol sempre crescente) tem obrigado a instituição a adotar uma postura assumidamente pró-ativa e resolutiva, em que passa a concentrar seus recursos e esforços na busca de respostas preventivas para os problemas comunitários. Ao invés de reagir contra incidentes ou fatos consumados (que em boa parte das vezes não encontram uma solução adequada com a submissão judicial), o MP passa a trabalhar para a solução dos próprios problemas em conjunto com a comunidade.

Obviamente que referida práxis demanda aperfeiçoamento, sobretudo considerando- se que, em termos de evolução de práticas institucionais, passou-se um tempo relativamente curto desde a promulgação do texto constitucional e o redesenho do Ministério Público. Todavia, não se pode negar que a própria Constituição de 1988, entre outros êxitos, possibilitou o nascer do Ministério Público resolutivo, que já vinha sendo desenhado em alguns textos infraconstitucionais e no próprio sentir dos membros da instituição.

O trabalho desempenhado pelo Ministério Público na tutela dos direitos de grupo ocorreu, inicialmente, no âmbito judicial, com a propositura de ações civis públicas. Mas, com o decorrer do tempo, a tutela desses direitos passou a ser vista pelos próprios membros como mecanismo de promoção e inclusão social e estes passaram a atuar na própria instância institucional com considerável efetividade, mediante a utilização de instrumentos alternativos à judicialização.

Sadek (2009b, p. 12) salienta que:

As atividades “fora do gabinete” implicam um envolvimento de natureza diversa por parte dos integrantes do Ministério Público e da própria instituição. [...] Neste sentido, promotores e procuradores passam a atuar como agentes da cidadania no sentido mais amplo do termo. Isto é, eles buscam atender solicitações variadas, independentemente de sua pertinência, guiando-se pelo princípio de que quaisquer demandas merecem algum tipo de resposta. Neste caso, a instituição transforma-se em um espaço público para a solução de demandas e para a conversão de problemas em demandas.

Concomitantemente, o Ministério Público aproximou-se ainda mais da sociedade e passou a valorizar e almejar a participação dos próprios cidadãos, os quais devem atuar, per si, com o fim de transformar continuamente a ordem estabelecida, conforme o caráter democrático. Inegável, pois, o cerne do Ministério Público resolutivo.

Novamente, vale destacar as palavras de Sadek (2009b, p. 17):

Nesta aproximação com a comunidade, o integrante do Ministério Público deixa de ser o promotor ou o procurador no sentido formal do termo. [...] E o morador local, por seu lado, deixa de ser um anônimo, passando a ser um indivíduo e um sujeito de direitos.

Fomentar o envolvimento das comunidades na vida pública e na persecução de seus direitos individuais, sociais e difusos – o que perpassa por efetivar os direitos básicos dos indivíduos – é uma das tarefas – senão “a” tarefa – de maior relevo dentre as novas atribuições ministeriais (OLIVEIRA in ALMEIDA; SOARES JÚNIOR, 2013, p. 243).

É inegável para a sociedade a importância da atuação ministerial em favor de concretizar direitos e fomentar a participação cidadã nas questões comunitárias dando voz àqueles que nunca tiveram narrativa num Brasil desigual e, por que não?, desumano. Mas para isso, será necessária uma nova transformação no seio interno do Ministério Público. No âmbito de Minas Gerais, os membros precisam alinhar suas ações à missão, visão e valores institucionais. Apesar do desafio que essa transformação representa, entende-se que a instituição tem capacidade para enfrentá-lo; conforme demonstra a história, o Ministério Público definitivamente não é estático.