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3.2 Atuação do Ministério Público na tutela dos direitos de grupo

3.2.1 Instrumentos de atuação extrajudicial como instrumentos

3.2.1.1 Inquérito civil

O inquérito civil (IC) foi criado pela Lei nº 7.347/85 (BRASIL, 1985). Posteriormente, foi previsto na Constituição da República entre as funções institucionais do Ministério Público (art. 129, III) (BRASIL, 1988), e também na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei nº 7.625/93), de aplicação subsidiária ao Ministério Público dos Estados, indicado, inclusive, para a defesa de interesses individuais homogêneos (art. 6º, VII, d) (BRASIL, 1993).

Mazzilli (2001, p. 403) conceituou-o nos seguintes termos:

O inquérito civil é um procedimento administrativo investigatório a cargo do Ministério Público: seu objeto é a coleta de elementos de convicção que sirvam de base à propositura de uma ação civil pública para a defesa de interesses metaindividuais – ou seja, destina-se a colher elementos de convicção para que, à sua vista, o Ministério Público possa identificar ou

não a hipótese em que a lei exige sua iniciativa na propositura de alguma

ação civil pública.

O inquérito civil constitui procedimento administrativo utilizado exclusivamente pelo Ministério Público como instrumento de tutela dos direitos coletivos em sentido lato. Nesse procedimento, o parquet pode requisitar documentos às pessoas de direito privado e de direito público, colher depoimentos de pessoas, requisitar a realização de perícias, assim como desenvolver outras atividades. O IC pode ser utilizado com o fim de instruir o feito como meio de colheita de provas para a propositura de futura ação civil pública ou, também, como instrumento de resolutividade do Ministério Público, propiciando a resolução das questões no próprio procedimento.

Nos termos da Lei Federal nº 7.347/85, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações e as associações civis podem propor ação civil pública, no entanto, não podem valer-se do inquérito civil, devendo recolher elementos para propositura da ação de outra forma.

Apesar da exclusividade quanto à instauração e ao desenvolvimento desse procedimento administrativo pelo parquet, o IC não é instrumento único de investigação, configurando-se também em instrumento a ser utilizado para a resolução das questões pelo próprio Ministério Público.

Idealizado inicialmente como um instrumento similar ao inquérito policial no âmbito criminal, o inquérito civil foi criado para ser utilizado pelo parquet com o fim de colher provas no âmbito dos direitos difusos e coletivos. Esse procedimento foi sugerido por Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior em anteprojeto que serviu de base à Lei nº 7.347/85, prevendo o inquérito civil como instrumento de colheita de elementos para propositura de eventual ação civil pública (MAZZILLI, 2001, p. 402-403). Todavia, a práxis institucional impingiu-lhe também

caráter resolutivo. Por isso, muitos TACs são celebrados no âmbito do IC, conforme será visto a seguir.

Insta salientar que Mazzilli (2013, p. 51) aperfeiçoou seu entendimento acerca do inquérito civil, afastando-se da ideia inicial de instrumento exclusivo de investigação, para atribuir ao IC, entre outras finalidades, a possibilidade de servir de base para ações a cargo do Ministério Público que não a propositura de ação civil pública. No mesmo sentido, é o entendimento de Ribeiro (2015, p. 79):

Se em uma fase primeira, o inquérito civil público prestava à colheita de elementos de convencimento para o ajuizamento de ações civis públicas, outros instrumentos foram sendo agregados ao ferramental do Ministério Público, convertendo o inquérito em uma primeira etapa de um iter de atuação extrajudicial na tutela de interesses de metaindividuais.

Entre outros doutrinadores, Botrel (2010, p. 240) partilha do entendimento de que o inquérito civil objetiva servir de lastro probatório para propositura de ação civil pública (ACP), como também, para a adoção de medidas extrajudiciais pelo parquet. Referido autor afirma, ainda, que “incumbe ao Parquet promover o inquérito civil para a proteção, prevenção e reparação de danos a interesses individuais indisponíveis homogêneos e individuais homogêneos, dentre outros” (BOTREL, 2010, p. 248).

Na atualidade, portanto, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, o inquérito civil é aceito como instrumento de resolução extrajudicial e não apenas como procedimento apuratório. Além disso, não está limitado à tutela dos direitos difusos ou coletivos, podendo ser utilizado, inclusive, com o fim de tutelar os interesses individuais homogêneos e indisponíveis.

Machado (1999, p. 162) salienta, aliás, que “tal prática vem conferindo ao Ministério Público, na área dos direitos difusos, um certo caráter de instância resolutiva, ele que sempre fora tido como a magistratura requerente”.

Para a instauração do inquérito civil não se exige fato típico. Havendo meras atividades perigosas, independentemente de dano específico, pode-se iniciar o IC,

ainda mais porque admissível propositura de ação civil pública para evitar danos (MAZZILLI, 2001, p. 411).

Para Mazzilli (2001, p. 413), não há que se falar em contraditório no inquérito civil.2

Já para Silva Júnior (in SILVA JÚNIOR; PEREIRA, 2010, p. 12), “não se pode conceber a ideia de que o órgão ministerial é dotado da plenitude da verdade incontestável”.

Diddier Jr. e Zaneti Jr. (2008, p. 247) afirmam que:

Em verdade o que importa observar no curso do procedimento são as garantias constitucionais atinentes ao Estado Democrático de Direito, se existe risco de malferir essas garantias e existe interesse público em preservá-las, o Ministério Público deverá zelar por esse interesse também no inquérito civil. Obviamente, a função investigatória do inquérito civil público atenua a garantia do contraditório, mas não a elimina.

Conforme o texto constitucional de 1988, o contraditório é uma garantia e, portanto, deve ser observado em todos os procedimentos administrados, tais como o IC, salvo raras exceções. Entende-se que o inquérito civil deve obedecer ao contraditório e ser amplamente participativo. Sob o escólio de Cappelletti e Garth (1988, p. 164), “uma mudança na direção de um significado mais ‘social’ da justiça não quer dizer que o conjunto de valores do procedimento tradicional deva ser sacrificado”.

O inquérito civil é um procedimento administrativo organizado e metódico, estando sujeito a normas específicas quanto à prorrogação do prazo. Já no que tange ao prazo de duração desse procedimento, o Conselho Superior do Ministério Público editou a Resolução nº 23, de 17 de setembro de 2007, com alterações promovidas pela Resolução nº 35, de 23 de março de 2009, que disciplina a instauração e tramitação do inquérito civil. A Resolução nº 23/07 estabeleceu no art. 9º que o IC deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2007).

2 Entendimento balizado por Mazzilli em Nelson Nery Jr., Rodrigues Fiorillo, Rosa Nery e Antônio

Encontram-se críticas doutrinárias quanto à ausência de prazo para encerramento do inquérito civil, principalmente após a nova disposição constitucional inserida pela Emenda Constitucional nº 45/04, no inciso LXXVIII do art. 5º da CR/88, segundo a qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Nessa linha, Silva Júnior (in SILVA JÚNIOR; PEREIRA, 2010, p. 28) salienta que:

Outra questão tormentosa no âmbito do debate acerca dos inquéritos civis instaurados pelo Ministério Público está no prazo de duração desses procedimentos. Não é difícil encontrarmos inquéritos civis públicos que se estendam por um período extravagante [...].

É verdade que em muitas Promotorias de Justiça acumulam-se inquéritos civis devido a inúmeros fatores que impedem a resolutividade em tempo razoável, tais como elaboração de perícias técnicas, colaboração de órgãos administrativos e outros. Na prática, o Promotor realiza um trabalho de tentar resolver os procedimentos administrativos conforme estejam dispostos nas pilhas das Promotorias, independentemente de qualquer meta ou racionalidade quanto à priorização de determinados direitos, se é que isso seria possível.

Insta salientar quanto ao Ministério Público de Minas Gerais que a Procuradoria- Geral de Justiça editou resoluções determinando a priorização da atuação do parquet em procedimentos administrativos datados de anos anteriores. Essa normatização interna simboliza grande avanço institucional, devido ao “direcionamento” do parquet para priorizar a resolução de questões que lhe foram postas há tempo considerável e que ainda não encontraram solução.

Embora não se possa desprezar a obrigatoriedade de duração razoável dos procedimentos, com lastro no texto constitucional de 1988, é imprescindível destacar que os inquéritos civis, em sua maioria, tratam de assuntos complexos e de interesse de número considerável de pessoas. Tal conteúdo dificulta sobremaneira a resolução em tempo exíguo, ainda mais se o Ministério Público, sob o viés resolutivo, objetivar resolver efetivamente as questões apuradas no procedimento.

Mais importante que encerrar o inquérito civil num curto prazo, é atuar com eficácia e efetividade na resolução das questões primordiais para uma boa vida em sociedade. Ao contrário do inquérito policial, cabe ao Promotor de Justiça determinar o arquivamento do inquérito civil. Todavia, independentemente de provocação ou requerimento, a determinação do arquivamento deve ser analisada pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).

Não há que se aventar inconstitucionalidade, porque o arquivamento do IC ocorre no próprio âmbito do Ministério Público caso não for ele o único legitimado à propositura de ação civil pública (MAZZILLI, 2001, p. 421). Havendo discordância do arquivamento, pode propor ação qualquer dos colegitimados, desde que se valendo de outras provas e não do procedimento de titularidade exclusiva do Ministério Público.

Ademais, é importante ressaltar que a análise de determinação do arquivamento do IC não é puramente formal. O CSMP poderá homologar o arquivamento ou convertê-lo em diligência, a ser cumprida pelo próprio membro do Ministério Público presidente do procedimento, de forma a obter efetiva resolução das questões aventadas no inquérito civil.

Além de ser muito útil no desenvolvimento das atividades ministeriais, principalmente quanto à resolutividade, o inquérito civil mostra-se eficaz também quanto à possibilidade de continuidade da investigação iniciada porque, em havendo substituições ou afastamentos do Promotor de Justiça atuante no IC, as informações estarão armazenadas no procedimento.

Em Minas Gerais, o Ministério Público instituiu o Sistema de Registro Único (SRU), por intermédio da Resolução PGJ CGMP nº 03/07, estabelecendo como procedimentos administrativos a cargo dos órgãos de execução o inquérito civil, procedimento preparatório e notícia de fato (COSTA in ALMEIDA; SOARES JÚNIOR, 2013, p. 512). Referido sistema simbolizou avanço institucional no âmbito do Estado, porque procedimentos inominados foram abolidos, assim como a possibilidade de não formalização de investigação ou denúncia apresentada ao

Ministério Público quanto aos direitos da coletividade, do interesse público e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.