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Cf última nota deste Capítulo, dedicada ao contexto das revistas.

39 Entrevista concedida a Jacques Henric de Les Lettres Françaises em abril de 1967, e reproduzida como carro- chefe da Théorie d ’ensemble, logo após Foucault, Barthes e Derrida, fazendo as vezes de um editorial, vale dizer: autopropaganda. Cf. Théorie d ’ensemble. Paris: Seuil, 1968, p. 69-70 (o último grifo é meu).

Ao contrário de hispano-falantes, que são leitores extremamente precoces da Teoria de

conjunto,40 a “massa” de leitores de língua inglesa teria de esperar até o final da década de 90,

quando se faz publicar The Tel Quel Reader, incluindo textos teóricos (a grande maioria) que permaneciam espantosamente inéditos na língua hoje hegemônica, segundo os organizadores, ffrench e Lack.41 Indicadores como estes são, é claro, insuficientes para medir o seu verdadeiro impacto em um ou outro lugar e, no entanto, servem para manifestar tempo e intensidade de interesse em um ou outro mercado editorial. Mas, enquanto a psicanálise lacaniana, por exemplo, vai surgir na Espanha por intermédio de psicanalistas argentinos no exílio durante a última ditadura militar - cumprindo um esquisito itinerário -, o telquelismo rapidamente esteve à disposição de hispanos desde a Catalunha.

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Ao mesmo tempo dedicada e desconfiada em relação àqueles que se apresentam como “à la fois un groupe, une revue, une collection”, Mary Ann Caws descobre com a ajuda de Henri Meschonnic (nos Cahiers du Chemin, em abril de 72) que a epistemologia de seu “materialismo semântico-semiótico” é falha e que seu recentemente assumido engajamento resulta no que chama de “repetitive sloganism” e seu vocabulário em um “emotional manicheanism”: quem não for maoísta, será revisionista dogmático, conforme se pode 1er entre um e outro parêntese de Caws, em que toca nas grandes feridas telquelianas, da sua “mistificação tautológica” - “satirized as a ‘metalinguistic process linked to the émission of a neo-pseudo-intra-linguistic-referent”- à megalómana homologia “texte/Sollers”,42 pretextada a partir da construção de sua China. Para um exemplo do maniqueísmo maoesco-telqueliano, informa-se que

40 A tradução da Editora Seix Barrai, de Barcelona, feita por Salvador Oliva, Narcís Comadira e Dolors Oller, aparece já em 1971.

41 ffrench, P. e Lack, R.-F.. The Tel Quel Reader. London/New York: Routledge, 1998. Apesar dos nomes “suspeitos”, trata-se de dois dedicados pesquisadores, em grande parte responsáveis pela sobrevivência do

telquelismo em língua inglesa hoje. Patrick ffrench é autor de The time o f theory (cf. nota 23), uma variante inglesa e menos laudatória da mesma história contada por Forest em Histoire de Tel Quel. Ambas foram publicadas em 95, ano da realização dos “Colloques de Londres et de Paris” sobre o tema “De Tel Quel à L Infini. L’avant-garde et après”, cuja antologia foi coordenada precisamente por Forest, na parte francesa, e fírench, na inglesa (Nantes: Pleins Feux, 1999).

42 Nombres pode ser o outro nome desse texto nominado (dominado?) por seu próprio sujeito, que assim se anuncia em sonhador paratexto a este verdadeiro ideal de livro anti-idealista: “Un tel théâtre, sans scène ni salle, où les mots deviennent les acteurs et les spectateurs d’une nouvelle communauté de jeu, doit donc aussi permettre de capter, dans ses croisements de surfaces, notre ‘temps’: arrivée du dialogue entre Occident et Orient, question du passage

such terms as the dogmatic revisionist intellectuals, the old backward renegades at the service of the rotten bourgeois capitalists, accusations which apply, of course, to the French Communist Party, disparagingly referred to in lower-case: the “p c f a s opposed to the Great Leader, the brilliant doctrine, and the Specific Work of the avant-garde.43

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Tel Quel, pressupondo-se sempre pós-estruturalista, condena o movimento estruturalista

como a-histórico, embora faça da China “a dream of exotic science, a mistaken and idealized interpretation of a distant phenomenon”, conforme Meschonic reportado por Caws, a qual, como disse, responde de maneira crítica e por outro lado se confessa aderente ao jogo de auto-exame que impregna o colóquio de que participou, assim como o próprio ar do tempo (“The present essay concerns itself with Tel Quel at the moment of this writing”; “This objection [on an idealized China] seems far less answerable to me, but that no doubt betrays my aesthetico/liberal/capitalist viewpoint”) 44

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Versão esquerda da operação (defendida, aliás, por seu próprio timoneiro): a revista Tel

Quel responde desde sua fundação a uma demanda da indústria cultural francesa no pós-guerra. É

fruto de uma aposta de uma editora, du Seuil, que vê perspectiva clara de lucro em um certo nome e em um certo grupo de escritores emergentes, a fim de disputar novos nichos de mercado com as vizinhas e concorrentes parisienses Minuit e Gallimard.45 Trocando em miúdos (e reenviando ao

d’une écriture aliénée à une écriture traçante, à travers la guerre, le sexe, le travail muet et caché des

transformations. Le roman imprimé ici n ’est pas un roman imprimé. Il renvoie au milieu mythique en train de vous irriguer, de se glisser en vous, hors de vous, partout, depuis toujours, pour demain. Il tente de dégager une

profondeur mouvante, celle d’après les livres, celle d’une pensée de masses ébranlant dans ses fondations le vieux monde mentaliste et expressionniste dont s ’annonce, pour qui veut risquer sa lecture, la fin”. Cf. contracapa de Sollers, P. Nombres. Paris: Seuil, 1968.

43 Caws, M. A., op. cit., p. 4. 44 Idem, p. 4.

45 “7W Quel’s formation had an economic motive. The promise of Sollers’s Une curieuse solitude was ostensibly the reason why Seuil agreed to the formation of a literary review around Sollers, as a good investment. Seuil sought to establish a literary review o f the same form and status as the NRF, from its own stable of writers. (...) the formation o f the review is not initially determined by any kind of will to innovate or to create a new literaiy movement. In

primeiro Barthes): a editora é a “burguesia” e a nova revista recebe a procuração para se trajar com rigor vanguardeiro.

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Nova intervenção crítica reportada por Caws provém da revista de Maurice Nadeau, La

Quinzaine Littéraire de julho de 72, em artigo de Jean Chesneaux, “De Mao aux Maos”, no quai a

palavra “movimento”, a exemplo do Movimento de Junho de 1971, é referida em chinês a um movimento (“yundong”) de massas do qual os intelectuais recebem seu impulso inicial.

A pergunta é: pode esta direção ser invertida?

That particular question with the implied and obsessive sub-questions about the actual relationship between textual work and revolution o f classes was the persistent undercurrent for much o f the Cerisy meeting in both its formal manifestation, that is the transcribed papers and debates, and its informal and unrecorded political discussions, where a certain heat was generated along with certain ill-feelings, acknowledged and then recanted in standard auto- critical fashion.46

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“Sollers est moins ‘révolutionnaire’ qu’il ne le paraît et, là encore, il ne fait qu’aménager des positions depuis longtemps conquises. Son effort de synthèse n’en est pas moins brillant, d’autant qu’il a tiré profit, chemin faisant, du travail des linguistes, des sémiologistes, des structuralistes et qu’exploitant inteligemment ses sources, il y trouve les arguments décisifs à l’appui de sa thèse: peu importe qu’on appelle roman, poème ou essai l’ensemble de signes que trace un écrivain, peu importe même l’homme qui les produit et peu importe son ‘oeuvre’; ce qui compte c’est le texte.

“Il faut attendre qu’ils [les écrivains de Tel Quel] soient admis par des cercles plus larges de critiques et de lecteurs, avant de s’aventurer à porter quelque appréciation que ce soit sur des productions dont le sens et le but n’apparaissent point à la lecture des textes eux-mêmes. Peut-être

terms of the review’s orientation and the history o f ideas, it is an accident”. Cf. ffrench, P. The time o f theory, p. 46- 7.

s’apercevra-t-on alors que les limites du roman - oeuvre de fiction, en prose, qui possède en elle- même sa propre signification - sont en effet largement transgressées, au profit d’un genre - ou d’un non-genre - qu’actuellement on ne peut désigner que par le terme vague et labile de ‘texte ’. A quelles lois de production obéiront ces textes? Quelles fonctions seront-ils appelés à remplir? Toute réponse à ces questions ne peut s’appuyer aujourd’hui que sur des théories, c ’est-à-dire des

déclarations d'intentions”.

Maurice Nadeau47

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Versão direita da operação: o telquelismo é uma chaga crítico-teórica disseminada a partir dos anos 60 que atinge seu êxtase e seu paroxismo no início dos 70.

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E, no entanto, um trabalho cooperativo, como pretende ser o telqueliano, deveria estar situado no outro lado das relações de propriedade definidas, tradicionalmente, pelas idéias de autoria e de indivíduo, entendidas como o foram no calor do texto e da trans ou intertextualidade, através de uma crença ingênua em seu jogo surrealista de “engendramento e destruição mútuos”. A escritura plural do scriptor devida a Roland Barthes, assim como a Isidore Ducasse ou Julia Kristeva, na tradução chinesa, em nome de um pensamento coletivo, conforme blefa o indivíduo, o autor por trás da Théorie d ’ensemble, ao deixar-se entrevistar por Jacques Henric, nos termos de Caws:

Any staking o f personal claim s, any delimiting o f the origin o f ideas is held to b e a concession to market value. W ithin the continuing dialectical process, the text always open and unfinished is the property o f all and the result o f a productivity including in itself its annihilation. At the other pole from the tendency to linearity and unequivocal speech characteristic o f bourgeois ideologies stands the plurivocality o f this constantly renewed Théorie d ’ensem ble, literally a theory developed together, in which the group or the set

47 No calor da hora, o editor de La Quinzaine faz sua leitura ponderada do telquelismo em expansão. Cf. “Tel Q u e r. Le roman français depuis la guerre. Nantes: LePasseur, 1992 (Ia ed. Gallimard, 1970), p. 170 e 174 (grifos meus).

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provides a body o f texts, each acting on the others, and in which all are directed toward a transformative end: “a text has the exact value o f its action in integrating and destroying other texts” (Théorie, p. 75).

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Tel Quel acredita que a necessária interreferencialidade não pode ser uma representação de

uma autoridade mas o sinal de uma situação anônima de protesto coletivo, de vontade de revolução e produto de um claro posicionamento político com finalidade abertamente transgressiva contra os pesados códigos de propriedade social ou lingüística. A fórmula básica é transgressão com autocrítica permanentes, conforme este relato americano de viagem à França, em seu último e agônico reduto vanguardista: “Corresponding to the desired intertextuality (...), the following discussion is intended as the ‘intersection of several codes’ (Semiotiké) rather than the explicitation at length of any one of them” 48

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“Théorie doit être pris ici, dans le sens que lui donne, de façon décisive, Althusser: c’est

‘une forme spécifique de la pratique’”.

Philippe Sollers49

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De qualquer modo, coexistiriam em todo coquetel telqueliano ao menos os seguintes elementos, conforme levantados por Caws: o formalismo e o futurismo russos, uma fundamental filosofia das desconstruções - em especial as noções de trace, espacement e dijférance - , a homologia escritura/revolução. Mais do que os ensaios inaugurais da Théorie d ’ensemble, de Foucault e de Barthes, “La différance” e Derrida, que os sucedem no volume, marcam o foco do desejo de transgressão manifestado por Tel Quel. É um pensamento que se superporia e simultaneamente se oporia às estruturas sincrônicas, estáticas e a-históricas da maioria dos

48 Caws, M. A., op. cit., p. 4-5 (as duas últimas citações). 49 Théorie d ’ensemble, op. cit., p. 72.

pensadores cientificistas rotulados como estruturalistas. O passo além vai consistir na fusão, entre outras coisas, do conceito de texto com o de transformação (de outros textos), que também significaria processo, produtividade, diferença.

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Glossário'.

“A interpretação, para Derrida, consiste em ‘tecer um tecido com os fios extraídos de outros tecidos-textos’. É assim que em ‘La Pharmacie de Platon’, Derrida trabalha o texto platônico. A interpretação é um tipo de leitura que supletiva um texto, no momento em que, penetrando no seu corpo, desconstrói-o e revela aquilo que estava recalcado.

“A filosofia da presença é posta em questão na crítica nietzschiana da metafísica. O conceito de jogo propõe o aleatório, abalando o centro (origem e fim). Sem centro, o texto é uma estrutura que deve ser pensada na sua estruturalidade, e essa natureza dinâmica é que possibilitará a polissemia.

“Se o texto se apresenta como enigma, o desfazer da sua trama, isto é, a interpretação, se constituirá de movimentos de leitura sucessivos, e o deciframento do texto se efetivará por um sistema interpretativo próprio”.50

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“Peut-on comprendre cette attitude [d’“explorer ça qui produit le cercle invisible et féroce, ça qui est boulonné par une syntaxe”, nos termos de Genet] comme une réaction contre le terrorisme ‘théoriste’ d’un autre groupe, celui qui a brandi haut le drapeau du Texte durant la période creuse entre la grande guerre coloniale et la grande année mondiale, et qui en a fait ensuite le signe caractéristique du reflux politique de l’Après-Mai? Oui, sans doute... Mais réaction inutile, car cet hyperthéorisme n’était de toute façon qu’un faux-semblant, et cette théorie, dite d’ensemble, qu’un tas de phraséologies inconséquentes et tournantes. Où la haine (derridienne) de la dialectique et l’affirmation dogmatique du ‘matérialisme dialectique’, d’une page à l’autre, voisinaient sans même sembler se voir. En cet endroit, les théories? On s’habille avec, et on les enlève comme un

50 Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 51. “Trabalho realizado [em 1974] pelo Departamento de Letras da PUC/RJ. Supervisão geral de Silviano Santiago”.

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chapeau. Un hénaurme bavardage ‘théorique’ débouchait dans l’anodine trivialité (l’écriture comme texte et réciproquement) ou le risible non-sens (l’accouplement homérique entre ‘le théorème de l’existence’ et ‘le morphème phallus’). Liée à ce théorisme textuel, une inflation idéologique sans limite, s’est livrée à la délation tournante sur toutes les forces du mouvement ouvrier successivement: depois la Gauche prolétarienne jusqu’au P.C.F., depuis les groupes trotskystes jusqu’à la social-démocratie, depuis la C.G.T. jusqu’au parti socialiste unifié. Ceux-là même qui déclenchaient finalement un mini-culte de la personnalité neuf mois après l’entretien ironique et grave où Mao Tsé-toung, en octobre 70, déclarait à Snow que la campagne autour de son nom n’était plus qu’une stratégie centralisatrice désormais entièrement dépassée - ceux-là n’avaient jamais fait qu’arriver après la bataille: ils découvraient leur anticolonialisme longtemps après la guerre d’Algérie. Plus exactement, ils accusaient soudain le principal responsable de leur publication, en ces années-là, d’avoir eu des ‘tendances fascistes’: ce qui ne faisait sans doute que désigner sur quel terrain ils se déployaient en rase campagne, en de tels moments”.

Jean Pierre Faye51

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Quintuplicando a média de comercialização de Tel Quel, a edição dedicada à China (n° 59, outono de 1974) vendeu vinte e cinco mil exemplares.52

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Uma teoria para uma nova história e um novo homem significa a criação de códigos próprios: - Se existe intenção da consumação do ato produtor de uma escrita que é uma

arquiescritura, escreve-se a partir de um discurso material porque ele é, ou existe... - A cópia desta

teoria desconstrutiva da escritura poderia ser levada ao infinito a partir de suas próprias idéias-força - a começar pela idéia de revolução permanente - , uma vez que se trata de combater diferentes

51 Faye, J. P. “Le trèfle”. Change [.Mondiale] n° 20, Paris, set. 1974, p. 26-7. Em sua edição de n° 7 (1970), a revista publicara o artigo “De ‘Contre-attaque’ à ‘Acéphale’”, de Pierre Klossowski, sobre as revistas em que Breton e Bataille se encontram e se desencontram. Aqui, entre Contre-attaque e Acéphale, Change contra-ataca, a partir de uma citação de um artigo de Jean Genet em L'Humanité (13 mai 1974). O panfleto “mudancista” antitelqueliano, que caricaturiza e sumariza sozinho todos os discursos em jogo, será retomado no início do terceiro capítulo (p...).

52 Cf. Dosse, F. História do Estruturalismo vol. II, op. cit., p. 187.