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Chamada ao Arrependimento

No documento O Evangelho Segundo Jesus (páginas 177-189)

Tendo examinado como Jesus lidou individualmente com pessoas, e as parábolas que proferiu para ilustrar a verdade aos discípulos, concentremo-nos agora no rico conteúdo doutrinário da mensagem que Ele proclamou às multidões. Iremos explorar os temas principais dos seus discursos, comparando o evangelho popularizado em nossos dias com o ensino do próprio Salvador. Nisto procuraremos obter uma compreensão mais clara da terminologia utilizada por Jesus. A maior parte da atual controvérsia sobre o evangelho está ligada à definição de algumas palavras- chaves, tais como, arrependimento, fé, discipulado e Senhor. Nesta última parte iremos estudar estas palavras e ver como Jesus as empregou.

Começaremos com um capítulo sobre arrependimento, porque foi por aí que o Salvador começou. Mateus 4.17 registra o alvorecer do ministério público de Jesus: ―Daí por diante [depois da prisão de João Batista] passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus‖. Já disse, no capítulo 4, que a palavra inicial daquele primeiro sermão definiu o tema de todo o ministério terreno de Jesus. E vimos também que Ele definiu o seu objetivo como sendo o de chamar pecadores ao arrependimento (Lc 5.31). O arrependimento foi um tema constante em todos os seus sermões públicos. Punha-se Ele corajosamente diante das multidões endurecidas e proclamava: ―Se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis‖ (Lc 13.3,5).

A Nota Ausente

Quando foi a última vez que você ouviu o evangelho sendo apresentado nestes termos? No século XX é deselegante pregar um evangelho que exige o arrependimento. Como foi que a mensageira de hoje tornou-se tão diferente do evangelho segundo Jesus? Já em 1937, o Dr. H. A. Ironside observou que a doutrina bíblica do arrependimento estava sendo diluída por aqueles que desejavam excluí-la da mensagem do

evangelho. Ele escreveu que ―a doutrina do arrependimento é a nota ausente em muitos círculos de hoje que, sob outros aspectos, são ortodoxos e fundamentalmente sadios‖.1 Falou de ―professos pregadores da graça que, como os antinomianos do passado, depreciam a necessidade do arrependimento, a fim de que não pareça invalidar a gratuidade da graça‖.2 O Dr. Ironside, ele mesmo um dispensacionalista, denunciou o ensino de alguns dispensacionalistas extremados que afirmavam que o arrependimento era para outra época. ―As solenes palavras de nosso Senhor — ‗se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis‘ — são tão importantes hoje quanto o foram ao serem ditas pela primeira vez‖, escreveu ele. ―Nenhuma das distinções dispensacionalistas, mesmo sendo tão importantes para a compreensão e interpretação dos caminhos de Deus com o homem, pode alterar esta verdade‖.3

Mesmo nos seus dias, Ironside reconheceu os perigos de uma incipiente fé fácil. Disse que ―uma pregação superficial, que não ataca o terrível fato do pecado e da culpa do homem, e que não incita a ‗todos que em toda a parte se convertam‘, resulta em conversões superficiais; e assim, tem-se miríades de convertidos falastrões, hoje em dia, que não manifestam qualquer evidência de regeneração. Tagarelando sobre a salvação pela graça, eles não demonstram em suas vidas qualquer sinal da graça. Declarando em alta voz que estão justificados tão--somente pela fé, esquecem-se de que a ‗fé sem obras é morta‘, e que diante dos homens, a justificação pelas obras não deve ser ignorada, pois não está em contradição com a justificação pela fé diante de Deus‖.4

Ainda assim, alguns dispensacionalistas continuaram a expandir a noção de que pregar o arrependimento para o incrédulo é violar o espírito e o conteúdo da mensagem do evangelho. A Teologia Sistemática de Chafer enumera o arrependimento como uma das ―características mais comuns da responsabilidade humana que com muita freqüência são erroneamente acrescentadas à condição única de/é ou crer‖.5 Chafer observa que a palavra arrependimento não é encontrada no evangelho de João e ocorre apenas uma vez em Romanos. Aponta, ainda, para o fato de que em Atos 16.31 Paulo não disse ao carcereiro de Filipos que se arrependesse. Chafer vê um tal silêncio como uma ―massa esmagadora de evidência irrefutável [tomando] clara que o Novo Testamento não impõe o arrependimento como condição de salvação para o perdido‖.6

O Descarte do Arrependimento

Vozes de hoje continuam a promulgar as mesmas idéias. A Bíblia Anotada, de Ryrie, inclui uma sinopse de doutrina que apresenta o arrependimento como ―um acréscimo falso à fé‖ quando visto como condição para a salvação, exceto ―quando [o arrependimento é] compreendido como sinônimo da fé‖ .7 Outro professor influente afirma, em essência, a mesma coisa: ―A Bíblia exige o arrependimento para a salvação, mas arrependimento imo quer dizer abandonar o pecado, nem mudança de conduta... O arrependimento bíblico é uma mudança de mente ou de atitude para com Deus, Cristo, obras mortas e pecado‖.8 Até mesmo um professor de seminário escreve que ―arrependimento significa mudança de mente; não significa mudança de vida‖.9

Estes e outros autores têm, portanto, redefinido o arrependimento de modo que suas implicações morais ficam esvaziadas. À maneira como escrevem, o arrependimento consiste numa simples mudança de mente a respeito do que seja a Pessoa de Cristo.10 Esse tipo de arrependimento nada tem a ver com o abandono do pecado ou a negação de si mesmo. E totalmente destituído do reconhecimento de qualquer culpa pessoal, de qualquer intenção de obedecer a Deus, qualquer anseio pela verdadeira retidão.

Não é esse o tipo de arrependimento pregado por Jesus. Como vimos repetidamente, o evangelho de Jesus é tanto um chamado para se abandonar o pecado quanto uma intimação à fé. De sua primeira mensagem à última, o tema do Salvador foi chamar pecadores ao arrependimento — e isto significa não só que ganhavam uma nova visão da sua Pessoa, mas também que abandonavam o pecado e o ego para segui-Lo. A mensagem que Ele nos ordena que preguemos é a mesma: ―arrependimento para remissão de pecados‖ (Lc 24.47).11

Que é Arrependimento?

O arrependimento é um elemento vital da fé salvadora,12 mas nunca se deve considerá-lo como se fosse meramente um sinônimo de fé. A palavra grega para arrependimento é metanoia, que é derivada de meta, ―depois‖, e noeõ, ―compreender‖. Significa, literalmente, ―reflexão posterior‖ ou ―mudança de mente‖; todavia, o seu sentido bíblico não se restringe a isso.13 Como é usado no Novo Testamento, metanoia fala

sempre de uma mudança de propósito e, especificamente, de abandono do pecado.14 No sentido usado por Jesus, o arrependimento é um chamado a repudiar a velha vida e voltar para Deus para ser salvo.15

Essa mudança de propósito é o que Paulo tinha em mente quando descreveu o arrependimento dos tessalonicenses. ―Deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro‖ (1 Ts 1.9). Observe os três elementos do arrependimento: voltar-se para Deus; abandonar o erro; propor-se a servir a Deus. Nenhuma mudança de mente pode ser tida como verdadeiro arrependimento se não inclui todos estes três elementos. O fato simples, mas geralmente esquecido, é que a verdadeira mudança de mente irá necessariamente resultar numa mudança de comportamento.

Arrepender-se não é simplesmente sentir-se envergonhado ou triste por causa do pecado, apesar de o arrependimento verdadeiro sempre envolver um elemento de remorso.16 Trata-se de um redirecionamento da vontade humana, uma decisão propositada de abandonar toda injustiça e em seu lugar buscar a retidão.

O arrependimento também não é mera obra humana. Como todo elemento da redenção, é um dom de Deus, que nos é soberanamente concedido. A igreja primitiva, reconhecendo a autenticidade da conversão de Comélio, concluiu: ―Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida‖ (At 11.18, cf. At 5.31). Paulo escreveu a Timóteo que devia disciplinar com mansidão os que se opunham à fé, [na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez‖ (2 Tm 2.25,26). Se é Deus quem concede o arrependimento, este não pode ser tido como obra humana.

Acima de tudo, o arrependimento não é um esforço para consertar a vida em preparo para a salvação. A chamada ao arrependimento não é uma ordem para se consertar o pecado antes de ir a Jesus pela fé. Na verdade, é uma ordem para se reconhecer o próprio pecado e odiá-lo, para dar-lhe as costas e correr para Cristo, abraçando-0 em devoção completa. Como escreveu J. I. Packer, ―o arrependimento que Cristo requer do seu povo consiste numa recusa em se estabelecer quaisquer limites às exigências que Ele possa fazer em nossas vidas‖.17

O arrependimento também não é simples atividade mental; o arrependimento genuíno envolve o intelecto, as emoções e a vontade.18 Geerhardus Vos escreveu que ―a idéia do Senhor sobre arrependimento é tão profunda e abrangente quanto o seu conceito de justiça. Das três palavras gregas usadas nos evangelhos para descrever o processo, uma salienta o elemento emocional de pesar, de tristeza por causa do antigo curso de vida pecaminoso: metamélomai (Mt 21.29-32); a segunda, exprime a reversão de toda a atitude mental: metanoéõ (Mt 12.41; Lc 11.32; 15.7,10); a terceira, denota uma mudança na direção da vida, a substituição de um objetivo por outro: epistréphomai (Mt 13.15 e paralelos; Lucas 17.4; 22.32). O arrependimento não está limitado a uma única faculdade da mente; engloba o homem como um todo, intelecto, vontade e sentimentos... De fato, na nova vida que se segue ao arrependimento, o princípio controlador é a absoluta supremacia de Deus. Quem se arrepende deixa de servir a Mamon e a si mesmo e passa a servir a Deus‖.19

Intelectualmente, o arrependimento começa com o reconhecimento do pecado, com a compreensão de que somos pecadores, de que o nosso pecado é uma afronta ao Deus Santo, e, mais precisamente, que somos pessoalmente responsáveis por nossas próprias culpas. O arrependimento que leva à salvação deve incluir também o reconhecimento de quem Cristo é, juntamente com alguma compreensão do seu direito de governar a vida da pessoa.

Emocionalmente, o arrependimento genuíno geralmente é acompanhado por uma profunda tristeza. A tristeza em si e por si mesma não é arrependimento; uma pessoa pode entristecer--se ou envergonhar-se e não estar realmente arrependida. Judas, por exemplo, sentiu remorso (Mt 27.3), mas não se arrependeu. O jovem rico foi embora triste (Mt 19.22), mas não se arrependeu. Entretanto, a tristeza pode levar-nos ao arrependimento genuíno. 2 Coríntios 7.10 afirma: ―Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação que a ninguém traz pesar‖. É difícil imaginar arrependimento verdadeiro sem que este inclua ao menos uma parcela de tristeza — não a tristeza por se ter sido descoberto, nem tristeza por causa das conseqüências, mas uma angústia por se haver pecado contra Deus. No Velho Testamento o arrependimento era geralmente exteriorizado por meio de pano de saco e cinza, símbolos de luto (cf. Jó 42.6: Jn 3.5-6).

Volitivamente, o arrependimento inclui mudança de direção, transformação da vontade. Longe de ser uma simples mudança de mente, constitui-se no desejo — ou, mais precisamente, na decisão firme — de abandonar a obstinada desobediência e submeter a vontade a Cristo. Assim, o verdadeiro arrependimento irá resultar inevitavelmente numa mudança de comportamento. A mudança de comportamento não é em si mesma arrependimento, mas é o seu fruto inevitável. Onde não há mudança visível de conduta, não se pode confiar que haja ocorrido arrependimento (Mt 3.8; cf. 1 Jo 2.3-6; 3.17).

O arrependimento genuíno altera o caráter do homem em seu todo. Como disse D. Martyn Lloyd-Jones: ―O arrependimento indica que você percebeu que é pecaminoso, culpado e vil, na presença mesma de Deus, que merece somente a ira e a punição imposta pelo Senhor Deus, que está se encaminhando diretamente para o inferno. Significa que você começou a perceber que algo denominado ―pecado‖ está em você, e que você anela por livrar-se dele, e que você volta as costas ao pecado em todas as suas formas e variedades. Você renuncia ao mundo a qualquer custo; ao mundo em sua mentalidade e perspectivas, bem como em suas práticas; e você também nega-se a si mesmo, toma a sua cruz e põe-se a seguir a Cristo. Os entes mais queridos e íntimos poderão chamá-lo, juntamente com o mundo, de um homem insensato, ou poderão dizer que você é um maníaco religioso. Talvez você até tenha de sofrer financeiramente. Mas, não faz diferença, nenhuma diferença. Isso é arrependimento‖.20

O arrependimento não é um ato único. O arrependimento que ocorre na conversão, dá início a um processo vitalício e progressivo de confissão (1 Jo 1.9). Essa atitude ativa e contínua de arrependimento produz a humildade de espírito, o choro e a mansidão sobre a qual Jesus falou nas bem-aventuranças (Mt 5.3-6). Este é a marca de um verdadeiro cristão.

O Fruto do Arrependimento

Quando Jesus pregou, ―Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus‖ (Mt 4.17), os que O ouviram compreenderam a mensagem. Com sua rica herança em ensinos do Velho Testamento e dos rabinos, seus ouvintes não deveriam ter ficado confusos quanto ao significado do arrependimento. Eles sabiam que Jesus os conclamava a muito mais que simples mudança de mente ou uma nova visão de quem Ele era. O

arrependimento para eles significava submissão completa da vontade e inevitável mudança de comportamento — um novo estilo de vida, e, não apenas uma opinião diferente. Eles compreenderam que Jesus os chamava a que admitissem seus pecados e os abandonassem, que se convertessem, que dessem meia-volta, que abandonassem o seu pecado e egocentrismo e O seguissem.

Afinal, o conceito judaico de arrependimento estava bem desenvolvido. Os rabinos diziam que Isaías 1.16,17 enumerava nove atividades relacionadas ao arrependimento: ―Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos: cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas‖. Observe cuidadosamente a progressão: iniciando com a purificação interna, o arrependimento manifesta-se, então, por meio de atitudes e ações.

O Velho Testamento estava repleto de verdades sobre o arrependimento. Ezequiel 33.18,19, por exemplo, diz: ―Desviando-se o justo da sua justiça, e praticando iniqüidade, morrerá nela. E, convertendo- se o perverso da sua perversidade, e fazendo juízo e justiça, por isto mesmo viverá‖. 2 Crônicas 7.14 é uma receita conhecida para o arrependimento: ―Se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, orar e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua terra‖. Isaías 55.6,7 apresenta o convite vetero-testamentário para a salvação, sendo o arrependimento um elemento-chave: ―Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo os seus pensamentos; converta--se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte- se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar‖. Jonas 3.10 diz: ―Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho: e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria, e não o fez‖.

Observe esse versículo de Jonas com cuidado. Como foi que Deus avaliou o arrependimento dos ninivitas? Por seus feitos. Não que Ele tenha lido os seus pensamentos ou ouvido suas orações, ainda que, como Deus onisciente, pudesse aquilatar a realidade do arrependimento deles por esse meio. Mas procurou obras de justiça.

João Batista também exigiu a apresentação de boas obras como prova de arrependimento. Começou pregando a mensagem do arrependimento antes mesmo de Jesus iniciar seu ministério (cf. Mt 3.1,2). As Escrituras registam que quando os hipócritas religiosos foram a João para serem batizados, este lhes disse: ―Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, fruto digno do arrependimento‖ (Mt 3.7,8). Que maneira de receber pessoas! Muito diferente de se dizer: ―Senhoras e Senhores, eis aqui os nossos queridos líderes‖. Não sabemos porque eles procuraram o batismo, mas é óbvio que os seus motivos eram errados. Talvez estivessem tentando conquistar a simpatia do povo ou tentassem ser vistos como pessoas ligadas ao popular João Batista. Fossem quais fossem os motivos, eles não haviam realmente se arrependido, e João os recusou. Ele os condenou, sim, como impostores religiosos.

Por que João foi tão severo? Porque esses hipócritas estavam envenenando uma nação inteira com a sua fraude fatal. Nada em seu comportamento indicava que tivessem realmente se arrependido. A lição central, aqui, é que se o arrependimento for verdadeiro, temos o direito de esperar que produza resultados visíveis.

Quais são os frutos do arrependimento? Esta foi a pergunta feita pelos publicanos a João Batista (Lc 3.10). Sua resposta para eles foi: ―Não cobreis mais do que o estipulado‖ (v. 13). A alguns soldados que lhe fizeram a mesma pergunta, sua resposta foi: ―A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa, e contentai-vos com o vosso soldo‖ (v. 14). Ou seja: deve haver uma mudança sincera na vida da pessoa. Quem realmente se arrepende pára de praticar o mal e começa a viver retamente. Juntamente com a mudança de mente e de atitude, o arrependimento verdadeiro irá começar a produzir mudança de conduta.

As boas obras eram também o que o apóstolo Paulo considerava prova de arrependimento. Observe a descrição que deu do seu ministério ao rei Agripa: ―Não fui desobediente à visão celestial, mas anunciei... aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando obras dignas de arrependimento‖ (At 26.19,20 — itálico meu). O fato de que os verdadeiros crentes iriam mostrar seu arrependimento genuíno por meio de um comportamento reto era, obviamente, um elemento chave na pregação de Paulo.21

O Evangelho e o Arrependimento

O arrependimento tem sido sempre a base do chamado bíblico para a salvação. Quando Pedro fez o apelo evangelístico, no Pentecoste, na primeira reunião pública de evangelização da era da igreja, o arrependimento foi o próprio coração desse apelo. ―Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados‖ (At 2.38). Nenhuma evangelização que omita a mensagem do arrependimento pode ser chamada apropriadamente de evangelho, pois os pecadores não podem vir a Jesus Cristo sem uma transformação radical de coração, mente e vontade. Para tanto, é necessário que haja uma crise espiritual que leve a pessoa a uma reviravolta completa e, finalmente, a uma transformação total. Este é o único tipo de conversão reconhecido pela Bíblia.22

Em Mateus 21.28-31 Jesus se utilizou de uma parábola para ilustrar a hipocrisia de uma profissão de fé sem arrependimento: ―E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma cousa. Mas este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?‖

Você poderá indagar por que esta estória não inclui um terceiro filho, que dissesse: ―Irei‖, e cumprisse sua palavra. Talvez seja porque esta estória ilustra a raça humana, e todos pecamos (cf. Rm 3.23). Desta forma, Jesus só pode descrever dois tipos de religiosos: aqueles que fingem ser religiosos, mas são na verdade rebeldes; e aqueles que começam como rebeldes, mas se arrependem.

Jesus contou a parábola para o benefício dos fariseus, que não viam a si mesmos como pecaminosos e desobedientes. Quando lhes perguntou qual filho fez a vontade do pai, responderam corretamente: ―O segundo‖ (Mt 21.31). Admitindo-o, condenaram-se a si mesmos por sua hipocrisia. Como a repreensão de Jesus deve ter sido dolorosa para eles! ―Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus‖ (v. 31). Os fariseus viviam na ilusão de que Deus os aprovava porque exteriorizavam grandemente a sua religião. Mas o problema é que tudo não passava de uma obra externa. Eram como o filho que dissera que iria obedecer, mas não o fez. O fato de asseverarem que amavam a Deus e

guardavam a sua lei resultava em nada. Aqueles fariseus pareciam-se com muitos em nossos dias, que crêem em Jesus, mas recusam-se a obedecê-Lo. Sua profissão de fé é superficial. A menos que se arrependam, perecerão.

Aos publicanos e prostitutas é mais fácil entrar no reino do que aos fariseus, porque os primeiros estão mais dispostos a reconhecer o seu pecado e a arrepender-se. Até mesmo o pior dos pecados não excluirá do céu um pecador, se ele se arrepender. Por outro lado, mesmo o fariseu mais destacado, se abriga seu pecado e recusa-se a reconhecê-lo ou arrepender- se, irá ver-se excluído do reino. Não há salvação à parte do arrependimento que renuncia ao pecado.

Hoje há muitos que ouvem a verdade de Cristo e imediatamente reagem como o filho que disse que iria obedecer, mas não o fez. O fato de reagirem positivamente para com Jesus não irá salvá-los. O fruto de suas vidas mostra que nunca se arrependeram realmente. Mas há alguns que dão as costas ao pecado, à incredulidade e à desobediência, e abraçam a Cristo com uma fé obediente. Deles é o arrependimento verdadeiro, manifestado pela retidão que produz. Estes são verdadeiramente justos (1 Pe 4.18), e esse é o grande alvo do evangelho segundo Jesus.

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1. H. A. Ironside, Except Ye Repent (Grand Rapids: Zondervan, 1937), p. 7. 2. Ibid., p. 11.

3. Ibid., p. 10. 4. Ibid., p. 11.

5. Lewis Sperry Chafer, Systematic Theology (Dallas: Dallas Seminary, 1948), 3:372.

6. Ibid., p. 376. Esta é a conclusão curiosa para uma seção em que Chafer começou afirmando ―tão dogmaticamente... quanto a linguagem pode declarar, que o arrependimento é essencial à

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