• Nenhum resultado encontrado

O Joio e o Trigo

No documento O Evangelho Segundo Jesus (páginas 143-150)

Os cristãos não devem viver como as pessoas não-salvas.

Isto pode não parecer algo profundo, mas uma boa parte da igreja evangélica contemporânea parece não compreender tal coisa. Sinto-me envergonhado pelo modo como os crentes toleram o pecado em seu meio. Tal como a igreja de Corinto, que recebeu arrogantemente um abrasado fornicário à sua comunhão (1 Co 5.1,2)/ os crentes de hoje parecem orgulhar-se perversamente por jamais questionarem o estilo de vida de uma pessoa que se diz crente.

Pecados dos quais nem se ouvia falar na igreja, há uma geração apenas, são hoje ―normais‖. O divórcio e a imoralidade são uma epidemia entre os crentes. Igrejas que se dizem evangélicas complecentemente oferecem a destra de comunhão a pessoas que vivem juntas abertamente sem serem casadas. Uma denominação que tem crescido rapidamente é formada quase que totalmente por homossexuais praticantes. Muitos da igreja crêem que tais pessoas sejam salvas tão-somente porque afirmam ter fé em Jesus. E, pior de tudo, a situação da liderança nalguns dos segmentos mais conhecidos da igreja é patética. As últimas manchetes dos jornais têm deixado isso muito claro para o mundo.2

Estou convencido de que o evangelho popularizado da igreja do século XX foi que tornou tudo isso possível, e mesmo inevitável. A noção de que a fé nada mais é do que acreditar nuns poucos fatos bíblicos é um prêmio para a depravação humana. Se o arrependimento, a santidade de vida e a submissão ao senhorio de Cristo são todos opcionais, por que deveríamos esperar que os redimidos difiram dos pagãos? Quem pode afirmar que as pessoas não são salvas, simplesmente porque vivem em rebelião obstinada contra Deus? Se alguém diz que é crente, por que não dar crédito à sua palavra?

O resultado trágico disso é que muitas pessoas julgam perfeitamente normal que os crentes vivam como os incrédulos. Como mencionei no capítulo 1, os teólogos contemporâneos fabricaram uma classe para esse tipo de pessoas — o ―crente carnal‖. Quem sabe quantas pessoas não-

regeneradas têm sido acalentadas numa sensação falsa de segurança espiritual, pela sugestão de que eles são apenas carnais? Os crentes podem e, às vezes, comportam-se de modo carnal. Mas não há nada nas Escrituras que sugira que um crente verdadeiro possa seguir um estilo de vida de contínua indiferença e de antagonismo para com as coisas de Deus. Os crentes não se disfarçam de filhos do diabo. O oposto disso é que é verdade: Satanás se finge de anjo de luz, e os seus servos imitam os filhos da justiça (2 Co 11.14,15). Quando as Escrituras reconhecem a dificuldade em se distinguir as ovelhas dos bodes, a questão central não é que os crentes possam parecer incrédulos, mas, pelo contrário, que os ímpios freqüentemente parecem justos. Em outras palavras, o rebanho deve estar alerta para os lobos vestidos de ovelhas, e não tolerar ovelhas que fazem o papel de lobos. Quanto a isso, a parábola de Jesus sobre o trigo e o joio (Mt 13.24-30) tem sido muitas vezes mal-compreendida.

A estória do joio no meio do trigo apresenta figuras similares às da parábola do semeador, porém, nela o Senhor enfatiza uma questão completamente diferente. ―Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo; mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. Então, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio? Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos o joio? Não! replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. Deixai-os crescer juntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro‖ (Mt 13.24-30).

Semear pragas na plantação de alguém era um ato tão comum que Roma tinha uma lei contra isso. Tratava-se de um método quase infalível de se prejudicar grandemente um vizinho, pois tomava a sua colheita imprestável — destruindo, assim, a sua maior fonte de renda. Nesta parábola, o inimigo do homem semeou joio no campo. ―Joio‖ refere-se à cizânia, uma planta parecida com o trigo, que produz uma semente imprestável, ao invés de grãos. É tão semelhante ao trigo que era conhecida como um trigo bastardo. Até que sua espiga estivesse madura, era quase

impossível distingui-la do trigo verdadeiro, mesmo sob o escrutínio mais severo.

O dono da terra, na parábola de Jesus, decidiu não arriscar--se a destruir toda a plantação tentando arrancar o joio. Antes, deixou o trigo e o joio crescerem juntos até à colheita, quando então os ceifeiros separariam a semente boa da ruim, pois a diferença seria óbvia.

Que pode significar esta estória? É de surpreender que as multidões não tenham perguntado. Estavam mais interessadas em ver milagres e em serem alimentadas do que em conhecer a verdade (Jo 6.26). Todavia, os discípulos quiseram saber. Mateus 13.36 registra que depois que o Senhor despediu as multidões e foi para casa, talvez a casa de Simão Pedro em Cafarnaum, os discípulos disseram-lhe: ―Explica-nos a parábola do joio do campo‖.

As Personagens

A explicação de Jesus começa de forma simples: ―O que semeia a boa semente é o Filho do homem‖. Este é o título que Jesus usou mais do que qualquer outro para referir-se a si mesmo. Somente uma vez no Novo Testamento este título é utilizado por outra pessoa para descrever Jesus. Em todas as outras vezes, quem o utiliza é o próprio Senhor. Este título O identifica em sua humanidade, como o Verbo encarnado, a perfeição em tudo o que um homem poderia ser. Fala dEle como o segundo Adão; o representante sem pecado da raça humana. E também O associa à profecia messiânica (Dn 7.13).

De acordo com Mateus 13.38, ―o campo é o mundo‖. Subentende-se que o semeador — o Filho do Homem — é o dono do campo. Ele tem em suas mãos o título de propriedade. Ele é o soberano Monarca do mundo e aqui cultiva a sua plantação. E o que é que Ele semeia? ―A boa semente são os filhos do reino‖ (v. 38). Os filhos do seu reino são pessoas que crêem, os que são submissos ao Rei. E Ele os semeia por todo o seu campo, que é o mundo.

―O Joio são os filhos do maligno; o inimigo que o semeou é o diabo‖ (vv. 38,39). Estes são os incrédulos. A expressão ―filhos do maligno‖ é semelhante à terminologia usada por Jesus em João 8.44, quando Ele criticou severamente os líderes religiosos ao dizer: ―vós sois do

diabo, que é vosso pai‖. Primeira João 3.10 indica que todos os que não são filhos de Deus são filhos do diabo.

A Trama

O significado desta parábola não é de forma alguma complicado. O Filho do Homem — Jesus — semeou os filhos do seu reino no mundo. O inimigo — Satanás — estragou a pureza da seara, misturando os seus filhos àqueles que o Filho do Homem semeara. Esses filhos incrédulos do maligno vivem lado a lado com os crentes, no mundo. No juízo final, Deus irá separar o joio do trigo.

Mesmo sendo tão simples o significado desta parábola, muitos estudiosos da Bíblia erram completamente a sua interpretação. Apesar de estar dito claramente que o campo representa o mundo, um número surpreendente de comentaristas vê o campo como sendo a igreja. Para eles, a parábola é uma mensagem a respeito de elementos falsos na igreja e da permissão divina em deixá-los assim até que o Senhor e os anjos separem o falso do verdadeiro no juízo final. Mas, obviamente, este não é o ensino desta parábola, de forma alguma. Tal ensino violaria tudo o que o Novo Testamento ensina sobre a disciplina na igreja. Satanás gosta de semear o joio o mais próximo possível do trigo, e ele semeia um pouco dele na igreja. Mas esta parábola não está ensinando aos crentes que devem tolerar incrédulos na comunhão dos santos. Nada temos a ver com falsos mestres e falsos crentes (2 Jo 9-11). E-nos ordenado claramente que expulsemos tais influências da igreja (1 Co 5.2,7).

Esta parábola contém instruções para a igreja no mundo, e não um ―passe-livre‖ para o mundo entrar na igreja. Satanás semeia os seus filhos por toda parte. Nós, que pertencemos ao reino, habitamos no mesmo mundo dos incrédulos. Respiramos o mesmo ar, comemos a mesma comida, passamos pelas mesmas estradas, moramos nos mesmos bairros, trabalhamos nas mesmas fábricas, freqüentamos as mesmas escolas, consultamos os mesmos médicos, compramos nas mesmas lojas, desfrutamos do mesmo sol e da mesma chuva. Porém, o que jamais podemos partilhar é de comunhão espiritual (2 Co 6.14-16), e esta parábola não ensina o contrário disso.

A mensagem do trigo e do joio é simplesmente esta: Deus não sanciona esforço algum que vise exterminar os incrédulos pela força. Os

discípulos estavam prontos a empunhar a foice e exterminar os filhos do diabo, e podemos compreender seus sentimentos. Todos temos orado com o salmista: ―A presença de Deus perecem os iníquos‖ (SI 68.2). Podemos nos identificar com Tiago e João, os filhos do trovão, que perguntaram a Jesus: ―Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?‖ (Lc 9.54). E isto, em essência, que os servos do dono da terra estavam perguntando quando disseram: ―Queres que vamos e arranquemos o joio?‖ (v. 28). O senhor disse-lhes sabiamente que tal não fizessem, porque com isso poderiam destruir também o trigo.

Tal sabedoria tem sido confirmada vez após vez ao longo da história mundial. Sempre que algum movimento religioso tentou erradicar do mundo o paganismo, foi a igreja verdadeira quem mais sofreu. O Livro dos Mártires, de Foxe, registra que a maior parte dos que foram assassinados por causa de sua fé, em toda a história da igreja, foram mortos por zelotes mal orientados que se faziam representantes de Deus. A Inquisição foi responsável pela morte de um incontável número de cristãos, mortos por defenderem a Palavra de Deus como maior autoridade do que os ensinos dos líderes da igreja. Um amigo meu possui uma Bíblia do século XVI manchada pelo sangue de um mártir que foi sacrificado pelo simples fato de possuí-la. Os fanáticos religiosos sempre vêem os crentes verdadeiros como inimigos.

Deus não chama o seu povo para exercer um ministério de inquisição. Não é este o tempo de arrancar o joio. Nossa missão não se constitui numa cruzada política ou militar, e este não é um tempo de julgamento em que somos chamados a distribuir punições. Somos, antes, enviados para ser embaixadores de Cristo; emissários de sua graça e misericórdia. E não estamos aqui por acidente. Fomos plantados neste mundo pelo Senhor. Nunca devemos tentar fugir do mundo. Não nos é ordenado enclausurar-nos num mosteiro ou escapar com outros crentes para uma comunidade santa. Devemos ficar onde fomos plantados e frutificar. Podemos até mesmo ter uma influência positiva sobre o joio.

É claro que o simbolismo se quebra aqui. O verdadeiro joio não pode tomar-se trigo, mas um filho do diabo pode ser transformado num filho do reino. É nisto que consiste a salvação. Em Efésios 2, Paulo escreveu que ―éramos por natureza filhos da ira, como também os demais‖ (v. 3). A salvação dá-nos uma nova natureza, transformando-nos de ―filhos da

desobediência‖ (v. 2) em membros da família de Deus (v. 19); de joio, em trigo. ―Somos feitura dele‖, Paulo escreveu no versículo 10 desse mesmo capítulo, ―criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas‖. No sentido espiritual, todo trigo começa como joio.

Não nos compete arrancar o joio e nem exigir que as pessoas norteiem suas vidas pelos princípios espirituais do reino. É inútil tentar fazer com que o joio produza bom fruto. Sem o novo nascimento, que é divino, o joio nunca será trigo. Mascarar uma praga, para que se pareça com trigo, não fará com que produza bons grãos. Em Mateus 7.6, no Sermão do Monte, Jesus disse: ―Nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas‖. Noutras palavras: Não tome os princípios do reino e tente forçá- los sobre uma sociedade que vive fora do reino.

Não compete aos crentes condenar o mundo ou forçar uma reforma externa sobre ele, embora devamos pregar contra os seus pecados. É-nos ordenado ensinar o evangelho (cf. Mt 28.19,20) e viver como exemplos de retidão. Mas não somos os executores de Deus.

O Plano

No tempo da colheita, o trigo e o joio serão separados. ―Os ceifeiros são anjos‖ (Mt 13.39), que executarão o juízo no final dos tempos. O joio — os filhos do maligno — serão ajuntados e queimados (v. 40). O inferno será a sua habitação eterna. Os ceifeiros ―os lançarão na fornalha acesa‖ (v. 42). A figura é aterradora: ―Ali haverá choro e ranger de dentes‖ — literalmente, ―ranger de dentes e gritos penetrantes‖. Os filhos do reino — ―os justos‖ (v. 43) — habitarão eternamente no reino.

Como os ceifeiros farão distinção entre o trigo e o joio? O ponto- chave, como sempre, é o fruto espiritual que produzem. O joio pode assemelhar-se ao trigo, mas não pode produzir o grão do trigo. O grão maduro estabelece a clara diferença entre o joio e o trigo. E assim é no mundo espiritual. Os filhos do maligno podem imitar os filhos do reino, mas não podem produzir a retidão verdadeira: ―Não pode... a árvore má produzir frutos bons‖ (Mt 7.18). A linguagem da parábola confirma isto. O joio é chamado de 4 ‗escândalos e os que praticam a iniqüidade‘ ‘ (Mt 13.41). O trigo são ―os justos‖ (v. 43). Está claro que o caráter e o

comportamento são o que separa o trigo e o joio. No juízo final a diferença será completamente manifesta.

Porém, esta parábola não está dizendo que devemos estar despreocupados com as diferenças entre o trigo e o joio até o juízo final. Ela não nos estimula a aceitarmos joio como se fosse trigo. Não sanciona a indiferença para com os pecados dos perdidos. E nem sugere que nos esqueçamos de que há pragas no campo, e que nos tornemos desatentos para o perigo que representam. Simplesmente nos diz que devemos deixar o juízo final e a questão da retribuição nas mãos do Senhor e dos seus anjos.

No fim, o trigo verdadeiro será inevitavelmente identificado pelo fruto que produz. O trigo não produzirá gerânios. E nem se parecerá com o amaranto quando crescer. Por causa de sua natureza inerente, ele irá produzir grãos de trigo, mesmo se cultivado num campo repleto de joio. Assim também são os filhos do reino. Eles vivem no mundo onde florescem os filhos do maligno. Mas os filhos do reino têm uma natureza celestial. O fruto que produzem é diferente daquele produzido pelos filhos do maligno. Você pode contar com isso.

___________________________

1. Paulo reprovou os coríntios por sua arrogância no que diz respeito à presença do pecado em seu meio (5.2). Ele deu a entender que não tinham qualquer direito de pensar que um fornicário incestuoso fosse um crente verdadeiro — seu pecado era tão vil que nem mesmo os gentios pagãos cometeriam tais coisas abertamente (v. 1). E ordenou que os coríntios excluíssem da comunhão o tal homem (vv. 2,5,13), referindo-se a ele como alguém que ―diz-se irmão‖ (v. 11). É óbvio que Paulo duvidava que uma pessoa regenerada pudesse viver tão insolentemente.

2. E vergonhoso o fato de que os escândalos dos anos 80 tenham revelado pecado ainda maior na igreja professante do que na política secular. Ironicamente, entretanto, muitos crentes parecem mais dispostos do que o mundo a restaurar seus líderes desqualificados a posições de proeminência, violando o requisito fundamental de que o líder cristão seja irrepreensível (1 Tm 3.2,7,10; Tt 1.6).

No documento O Evangelho Segundo Jesus (páginas 143-150)