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Os Perdidos e Achados

No documento O Evangelho Segundo Jesus (páginas 168-176)

Os Primeiros e os Últimos

_______ 14 Os Perdidos e Achados

A salvação de uma alma não é a transação antiquada que geralmente pensamos que seja. A redenção não é uma questão de contabilidade divina, em que Deus anota em seus livros quem está dentro e quem está fora. Deus chora pelos perdidos e regozija--se quando alguém é salvo. A sua dor é profunda por causa da condição de perdição da humanidade, e a sua alegria é completa quando um pecador se arrepende.

O Senhor Jesus Cristo contou uma série de parábolas, registradas em Lucas 15, que revelam a compaixão do Pai Celeste pelos pecadores perdidos e o seu regozijo pela salvação deles. Ainda que duas dentre estas três parábolas não tratem diretamente da questão da rendição ao senhorio de Jesus, do arrependimento, da fé ou de qualquer outro aspecto humano da salvação, eu as incluo porque ensinam uma verdade fundamental do evangelho segundo Jesus. Juntas, as três parábolas dão-nos uma mostra do coração de um Deus amoroso, que busca almas perdidas e ―é longânimo... não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento‖ (2 Pe 3.9).

O cenário de Lucas 15 é bem conhecido. ―Aproximavam--se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles‖ (Lc 15.1,2). O tempo do verbo grego no versículo 1 (aproximavam-se) dá a idéia de ação contínua, mostrando que os publicanos e pecadores habitualmente iam a Jesus. Onde quer que Ele fosse, um grupo de indesejáveis reunia--se à sua volta. Eram publicanos, criminosos, ladrões, assassinos, prostitutas e outros do mesmo tipo, que de forma alguma esforçavam-se por viver de acordo com os padrões da lei judaica.

Como já vimos, isso incomodava bastante os orgulhosos fariseus. Eles viviam tão perdidamente preocupados com os detalhes da lei que não tinham tempo para interessar-se pelos pecadores. E nem podiam suportar

um Messias que era popular entre os rejeitados pela sociedade e, ao mesmo tempo, criticava as tradições rabínicas.

Jesus, conhecendo o coração dos fariseus, censurou-os por meio de três parábolas que contrastavam a sua atitude de auto--justiça com a doce compaixão do Pai para com os perdidos. Estas três parábolas salientam que o Pai não assiste passivamente as pessoas irem para o inferno. Ele não se alegra na destruição dos perversos. Em vez disso, Ele os ama, busca e deseja que sejam salvos. E se rejubila na salvação ainda que de um só pecador.

As Cem Ovelhas

A primeira parábola (Lc 15.4-6) segue um tema pastoral: ―Qual, dentre vós, é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo. E, indo para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida‖.

A frase ―qual dentre vós‖ (v. 4) indica que o comportamento compassivo que Ele descreve seria esperado até mesmo da parte de um simples criador de ovelhas. Nenhum pastor digno desse nome ficaria contente com noventa e nove ovelhas se o seu rebanho se constituísse de cem. Ele deixaria as noventa e nove em segurança no aprisco e sairia à procura da perdida. Para muitos pastores, isto não era apenas uma questão de dever, era também uma questão de amor pelas ovelhas. Cada ovelha era conhecida do pastor pelo nome (cf. Jo 10.3). A cada noite, ao voltarem para o aprisco, ele as contava e examinava. Se faltasse uma, saía noite a dentro à sua procura.

Quando o pastor da parábola encontrou a ovelha perdida, carregou-a sobre os ombros — com o ventre da ovelha por sobre o seu pescoço, e as pernas confortavelmente encostadas ao seu peito. E convocou os amigos e vizinhos para comemorarem o resgate. O ponto principal desta parábola é a alegria do pastor pela salvação da ovelha. O fato de chamar os amigos para comemorar demonstra-nos a incrível profundidade da sua alegria. Não se tratava de algo que pudesse celebrar sozinho. Ele não poderia simplesmente regozijar-se em silencio, no íntimo. Sua alegria era abundante e transbordante; ele simplesmente tinha de partilhá-la com outros.

A lição que Jesus quer ensinar está no versículo 7: ―Digo-vos que assim haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento‖. Ou seja, quando um pecador se arrepende, Deus realiza uma festa no céu. Ele é o Pastor que busca, cujo desejo é salvar a ovelha perdida. Deus não está meramente contabilizando transações, riscando um tracinho a mais cada vez que alguém é salvo. Ele anseia tanto pelas almas perdidas que sai à sua procura. E quando a ovelha teimosa é trazida ao aprisco, o céu mal dá para conter o seu regozijo. Isto nos mostra o anseio do coração de Deus.

As Dez Dracmas

A segunda parábola (Lc 15.8-10) salienta a mesma questão, fazendo uso de uma metáfora diferente: ―Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido‖.

As dracmas, ou os denários, eram moedas de prata. Um denário equivalia a um dia inteiro de trabalho. Temos como exemplo disso o salário que o agricultor pagou aos trabalhadores, na parábola de Mateus 20. Esta mulher perdeu uma de suas dez moedas. Acendeu a candeia, varreu a casa e procurou até que encontrou a moeda que faltava. Quando achou, sua alegria foi tão grande quanto a do pastor. Como ele, chamou um grupo de amigas e vizinhas para participarem da sua alegria. Ela não podia ocultar a alegria do seu coração.

O ponto principal desta parábola é o mesmo que da anterior: ―Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende‖ (v. 10). O que mais profundamente toca o coração de Deus é a salvação daqueles a quem ele procura e leva ao arrependimento. Observe que o versículo 10 fala de ―júbilo diante dos anjos‖. Não diz que os anjos estavam jubilosos. De quem é o júbilo? É do Deus Triúno, patente na presença dos santos anjos. É claro que os anjos participam do regozijo, mas a ênfase em ambas as parábolas é dada à alegria de Deus.

Fossem estudantes diligentes das Escrituras, os fariseus teriam compreendido melhor esta faceta do caráter de Deus. O próprio Velho

Testamento O revelava como um Deus de compaixão. Diz Ezequiel 33.11: ―Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso‖. Isaías 62.5, diz: ―como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus‖. Isto é exatamente o que estas parábolas tipificam. Trata-se de alegria incontida, pura felicidade, júbilo irreprimível. É assim que Deus vê a salvação de uma alma.

Os Dois Filhos

A mais bela das três parábolas de Lucas 15 começa no versículo 11, indo até o 32. A estória do filho pródigo talvez seja a mais conhecida de todas as parábolas:

Certo homem tinha dois filhos; o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte que me cabe dos bens. E ele lhes repartiu os haveres. Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante, e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidade. Então ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou e, compadecido dele, correndo, o abraçou e beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém, disse aos seus servos: trazei depressa a melhor roupa; vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se.

Apesar desta parábola entrar em inúmeros detalhes não mencionados nas duas anteriores, o seu ensino é exatamente o mesmo. O pai amoroso é Deus, que Se regozija com a volta ao lar de seu filho perdido.

Esta primeira metade da parábola ressalta o comportamento vil do filho mais novo. Na cultura judaica, um filho pedir ao pai que lhe desse sua herança antes do tempo era algo totalmente estranho. Até mesmo em nossa cultura isso seria considerado uma grosseria. Um filho exigir do pai a sua

herança equivalia a dizer que o seu desejo era que o seu pai estivesse morto. Surpreende--nos o fato de que o pai não tenha recusado o pedido e punido o filho, mas tenha sido gracioso, dando aos dois filhos a parte que lhes cabia dos bens da família (v. 12). Tratava-se de um pai amoroso. Ainda que o seu coração se tenha indubitavelmente partido diante do pedido do filho, deu-lhe o que solicitou. Seu grande temor deve ter sido de que o impetuoso rapaz dissipasse tudo.

Exatamente o que aconteceu. O filho foi para uma terra distante, consumiu o dinheiro através de uma vida de pecado, e acabou numa tal miséria que teve de tratar porcos para sobreviver. Que vida! Sentia tanta fome que desejava comer lavagem. Quase a morrer de fome, alimentando- se do que os porcos comiam, e longe da casa do pai, ele finalmente caiu em si.

É de se notar que, em última análise, o que o fez cair em si foi a tristeza que sentiu pela situação miserável em que passou a viver. Essa tristeza em si não era arrependimento, mas foi o que conduziu a um profundo arrependimento (cf. 2 Co 7.9,10). Ele começou reconhecendo a própria miséria. Depois, admitiu que pecara. Olhando para além do seu pai humano, a quem ofendera, para o Pai celeste, cuja lei havia quebrado, ele mesmo reconheceu a sua culpa diante de Deus (v. 18). Decidiu pedir perdão e assumir as conseqüências. Planejando a sua contrição cuidadosamente, ele ensaiou o que iria dizer quando chegasse em casa. Confessaria ter pecado contra Deus e contra seu pai, e lhe pediria que lhe desse um lugar entre os servos (v. 19).

Eis aqui uma ilustração perfeita do que é fé salvadora. Observe a submissão incondicional da parte do jovem, sua absoluta humildade e seu desejo inequívoco de fazer o que quer que o pai lhe ordenasse. O pródigo, que começara exigindo uma herança antecipada, estava agora pronto a servir ao pai como um escravo. A transformação foi completa. Sua atitude era de rendição incondicional, completa resignação do ego e submissão absoluta ao pai. Eis a essência da fé salvadora.

Havendo decidido ir ao pai, ele passou então a agir de acordo com essa decisão (v. 20). Ao contrário de alguns que dizem que irão fazer algo que nunca fazem (cf. Mt 21.28-32), o filho pródigo levantou-se e voltou para o pai. O seu arrependimento foi uma reversão completa, absoluta. Ele

tomou-se pobre de espírito. Chorou os seus pecados. Sua arrogância deu lugar à mansidão e à humildade. Ele era um jovem diferente daquele que anteriormente abandonara o lar.

Estando o filho ainda longe de casa, seu pai o viu e correu para recebê-lo. Como o pai pôde reconhecê-lo tão depressa? Ele deveria estar à sua procura, observando à distância para ver se o filho perdido estaria voltando. Eis aqui novamente o retrato do Pai celeste que está sempre à procura. Quando um pecador arrependido se volta para Deus, descobre que Ele já estava à sua espera, ansioso por correr e recebê-lo. Antes mesmo que se aproxime do Senhor, descobre que Ele vem primeiro para abraçá-lo.

O filho pródigo não chegou ao ponto do seu discurso em que pediria ao pai que fizesse dele um escravo. Antes que terminasse a sua fala ensaiada, seu pai mandou que os empregados lhe trouxessem roupas novas e um anel. Em vez de punir o filho teimoso, o pai mandou que se fizesse um banquete para comemorar a sua volta! Já havia esquecido a loucura do filho. A lembrança agora não era a de uma herança esbanjada ou de uma vida desperdiçada em pecado. O seu filho perdido fora achado!

Estas três parábolas têm como tema comum alguém à procura de algo que perdeu, regozijando-se ao encontrá-lo. Em todas, aquele que procura é Deus, que se alegra com a salvação dos pecadores.

Mas a estória do filho pródigo toma um rumo desagradável, ao encontrarmos com o invejoso irmão mais velho (Lc 15.25-32):

Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo. E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o recuperou com saúde. Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai procurava conciliá-lo. Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar--me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado. Então lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu. Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.

Lembre-se: o filho mais velho também havia recebido a sua parte da herança (v. 12). Em vez de desperdiçá-la, ficou em casa, servindo ao pai. Aliás, quando o pródigo voltou, ele estava trabalhando no campo. Ouvindo a música e as danças, pediu que um dos empregados lhe explicasse o que estava acontecendo. Sentiu-se furioso pelo fato de o pai comemorar a volta do irmão cabeçudo. Ciumento, não quis nem entrar em casa. Ele não iria comer com um pecador. Faltava-lhe completamente a compaixão do pai. Estava agindo como um fariseu.

O comportamento deste filho pode parecer mais socialmente aceitável do que a devassidão do seu irmão mais novo, mas era da mesma forma ultrajante. O filho mais velho não amava realmente ao pai, pois, se o amasse, teria partilhado da sua alegria. Servir ao pai durante todos aqueles anos foi algo que fez mecanicamente, por simples obrigação. O seu verdadeiro interesse estava nos benefícios que poderia obter para si mesmo (v. 29). Ele não compreendia o coração de seu pai.

Era, também, um filho perdido. E o pai também o procurou (v. 28). O Senhor sempre procura salvar os perdidos, mas é preciso que se vejam a si mesmos como perdidos. Geralmente os pecadores mais repugnantes, descrentes, escandolosos, vêem mais rapidamente a sua própria depravação do que as pessoas embebidas pelas realizações religiosas e pela auto-justiça. Esses fariseus não podem tolerar que pecadores sejam perdoados, especialmente aqueles mais notórios. Eles não compreendem o que seja arrependimento. Longe de alegrar-se, repulsa é o que sentem quando alguém confessa seus pecados. Orgulham-se muito de sua aparente justiça, mas em seus corações não há qualquer senso de submissão.

O filho mais novo desta estória viu o seu próprio pecado, percebeu a angústia do pai, arrependeu-se, humilhou-se, recebeu perdão e entrou no gozo do seu pai. O mais velho ficou amargurado, não se arrependeu, e não percebeu a frieza mortal do seu próprio coração. Ele desprezou o seu direito de regozijar-se com seu pai. Não estava menos perdido que seu irmão mais novo, mas não foi capaz de enxergá-lo.

Deus está à procura dos perdidos. Aqueles que reconhecem e abandonam seu pecado, verão que o Pai corre para eles de braços abertos. Aqueles que julgam-se suficientemente bons para merecer o seu favor,

descobrir-se-ão excluídos da celebração e incapazes de participar da eterna alegria de um Pai amoroso.

QUARTA PARTE

No documento O Evangelho Segundo Jesus (páginas 168-176)