(15) Idem, ibidem.
1. chatoboys (oswald) fervilhando
ou um odor - repolho
podre
odre - considere
esta palavra: vinhos, horácio, odes (princípio do poema - ogre) o purgatório é isso: entre / inter- considere
o que vai da palavra stella à palavra styx
(marx: a educação dos cinco sentidos o táctil o dançável o difícil de se ler / legível visibilia / invisibilia o ouvível / o inaudito a mão o olho a escuta o pé o nervo o tendão) o ar lapidado: veja
como se junta esta palavra a esta outra
linguagem: minha
consciência (um paralelograma de forças não uma simples equação a uma
Cínica
i n c ó g n i t a ) : esta
linguagem se faz de ar e corda vocal
a mão que intrinca o fio da treliça / o fôlego
que junta esta àquela v o z : o ponto
de torção
trabalho diáfano mas que se faz (perfaz) com os cinco sentidos
com a cor o odor o repolho os piolhos trabalho tão raro como
girar um pião na unha
mas que deixa seu rastro m ínimo (não prescindível) na divisão (cisão) comum do suor
rastro latejante / pulso
dos sentidos que se (pre)formam: im-prescindível (se mínimo)
o cisco do sol no olho
- claritas: jato epifânico! alguns registros modulações
papel granulado ou liso uma dobra um corte
seguro um tiro na mosca
num relâmpago o tigre atrás da corça (sousândrade)
o salto tigrino o que acresce resta
(nos sentidos) ainda que mínimo
(hiíbris do mínimo que resta)
("A educação dos cinco sentidos", pp. 13-15)
0 título "A EDUCAÇAO DOS CINCO SENTIDOS" aponta para três caminhos diferentes, três direções distintas, mas que se m a n tê m coesos por um mesmo objetivo. Ele serve de título para o livro, para a primeira parte e para o primeiro poema, e ngendrando um pensamento a respeito da temática e do objetivo desta obra no seu conjunto. Há uma declarada in tenção de ensinar. Para fundamentar esta idéia, que os olhos percebem "à primeira vista", é necessário atentar para a
epígrafe que Haroldo de Campos utiliza na abertura da obra: "A educação dos cinco sentidos é trabalho de toda a história universal até agora. Karl Marx, 1 8 4 4 ” ^ ) .
Ao citar Marx, o poeta assume também esta idéia da neces s id ad e de educar
03
sentidos, de humanizar o sentido humano. Como forma de realizar esta tarefa de toda a h is tó ria universal, Haroldo de Campos escolheu a poesia.Então aguçemos nossa atenção, preparemos os nossos cinco sentidos porque o poeta vai tentar nos ensinar a ler, ensinar a sentir o que não conhecemos ou esquecemos. Ao menos em princípio, o leitor vai ler "A Educação dos cinco s e n tidos" com os cinco sentidos. Os sentidos começam a ser desper t ad os já nas primeiras palavras : a aliteração das sibila n te s que soam suaves e que uma audição aguçada consegue captar - "a educação doS Cinco S e nt i d o S” . Cinco sons em aliter a çã o e cinco sentidos a serem educados.
(1) Para Marx, os sentidos são uma forma de o homem se afirmar no mundo objetivo. Através dos sentidos (não somente os cinco sentidos, mas também os sentidos espirituais, os sentidos práticos (vonta de, amor, etc), isto é, através do sentido humano é que os objetos passam a ser, passam a representar algo de essencial para o ser humano. Os sentidos não aguçados se fecham em seus limites, e por sua vez, não captam a globalidade das coisas. Para Marx, o homem necessitado, carregado de p r e o c u pa ções, não tem olhos mais para o belo espetáculo. Esta tarefa de "educar" os sentidos é necessária para "tornar humano o sentido do homem, como para criar o sentido humano correspondente à riqueza plena da essência humana e natural." Cf. em MARX, Karl, Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos escolhidos; seleção de textos de José Arthur Gianotti; t r a d . de José Carlos Bruni... (et al.). - 4§ e d . - São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 178 (Os P e n s a d o r e s ) .
Todavia, o poema contém seis partes devidamente numeradas, reproduzindo a divisão do livro. Se a relação entre esses números parece não ser muito clara, entretanto a última parte do poema, que se inicia pelos versos
"o que acresce resta
nos sentidos"
remete à última parte do livro, proposta pelo próprio autor como um apêndice, uma secção de "notas” explicativas sobre os poemas. Contrapondo-se à constatação do aspecto relevante da p re sença dos cinco sentidos a serem educados, o fato de que o livro divide-se em seis partes, e que o poema homônimo contém também seis partes, são da mesma forma relevantes. No poema, têm-se a impressão de que as cinco primeiras partes compõem o todo do texto e a última, a sexta parte, parece que de fato "acresce" algo ao texto dos cinco sentidos. Esta divisão asseme l ha -s e à divisão autor: "A EDUCAÇÃO DOS CINCO SENTIDOS"; "AUSTINÉIA DESVAIRADA", " T RA N SL UM IN UR AS "; "3 BIOGRA F EM AS IN M E M O R I A M " ; 6 METAPINTURAS E 1 M ET A RE T R A TO ” e "Notas", este último escrito com letras minúsculas e sem m u it o destaque. As "Notas" acrescem o livro como um comple mento. Mas será um simples complemento de leitura, se nem ao menos há uma chamada para as notas nos poemas? As infor m ações das notas só serão lidas após a leitura dos poemas. É como se fossem faíscas de erudição que levam o leitor ao p oema novamente, e, a partir dos pontos levantados, realiza- se uma nova leitura. E então o leitor já não se encontrará no campo do sensível, do poético, mas sim no do racional. 0
que restará, é a segunda leitura, a leitura do leitor racional. Fica a pergunta : as notas não acabariam assim por obter um "status" mais importante do que o do texto poético ? A contradição parece ser a resposta para esta questão. Na sexta parte do poema "a educação as estrofes declaram esta contradição :
" o que acresce resta
( nos sentidos ) ainda que mínimo
(húbris do mínimo que r e st a )"
As informações restam nos sentidos, mas os sentidos estão colocados em p aralelo à esfera do racional, a '’húbris'' "resta (nos sentidos)"; entretanto, a húbris não faz parte dos sentidos, mas sim da razão, ela é a vontade do conhecimento. Esta tensão que se percebe entre o sensível e o racional é o e nsinamento que o poeta deseja transmitir, é a essência de sua poesia. Movido por esse projeto, Haroldo evoca a sensi bilidade na epígrafe, através de um texto de Marx, um d i sc ur so filosófico.
Não é somente na epígrafe que Haroldo relaciona seu fazer poético a um discurso racional. Na primeira parte do poema, o poeta faz referência aos nomes de Oswald Andrade, Proust, Pierce, Horácio. Transforma um texto de Pierce em versos, em linguagem poética. Mas o leitor somente saberá que estes versos são apropriações nas "notas", que acrescem a este poema, a estes versos, a citação do texto de Pierce. Estas "notas" do texto de Haroldo podem ser pensadas não
somente como lisura intelectual em dar as fontes. Elas são mais que simples "Notas". Há o texto que foi transformado, há comentários sobre a composição dos poemas, há elementos circunstanciais. São discursos em confronto, em diálogo permanente com os poemas do livro. Estes discursos tanto e n riquecem como interferem na atividade do leitor.
Em
"posso imaginar uma consciência cuja vida, acordada, sonolenta ou sonhando, consistiria tão-somente uma cor violeta ou no odor de repolho podre." "Notas" p. 107 .
está embutida esta idéia de que onde há sensação existe consciência e de que onde há consciência existe sensação. Experiência e consciência são, aí, nomes diferentes para a mesma coisa. Partindo desta relação entre consciência e experiência, Haroldo constrói uma relação sonora, (a a l it e ra ção dos sons das palavras Pierce e Proust) que tem uma s ig ni ficativa relação s e m â n t i c a .
Mas a referência a Proust vêm em suspenso, - entre parênteses e com um ponto de interrogação - como perguntando ao seu leitor: será que você teve a mesma experiência que eu (poeta) quero registrar? Pierce, o discurso filosófico, é associado ao nome de Proust, o discurso da arte. Esta
(2) O Proust do Em busca do tempo perdido remete à questão da memória, ao fluxo da memória na consciência. Este fluxo 3ão sensações que geram experiência, sensações que se registram na consciência como fato3 de vida. E os acontecimentos do cotidiano geram estímulos que levam ao despertar das sensações retidas na memória. Um cheiro ou um som podem ser desencadeadores de um fluxo de memória, que é tão real quanto a vida concreta.
a ssociação entre Pierce e Proust, entre o discurso filosófi co e o artístico, não é muito comum. 0 próprio poeta não assume convictamente esta relação : utiliza o verbo "conside rar" no gerúndio. Assim o poeta está tornando a ação eterna e impessoal, porque se Pierce é o agente de ação de conside rar, a intromissão do poeta se dá ao colocar Proust em sus penso, como presença duvidosa. Ou, por outro lado, como presença possível na memória e no discurso. Ao unir dois d iscursos - o filosófico e o poético, o "Pierce" e o "(Proust)" - Haroldo transforma a linguagem racional' na linguagem dos sentidos. No poema, o texto de Pierce trans- forma-se numa possível linguagem proustiana.
"uma cor - violeta um odor -
repolho podre"
A associação Pierce/Proust se dá, formalmente, através da aliteração. E por trás deste jogo formal está o jogo s em ântico que remete, por um lado, à questão das sensações na consciência e, por outro, às várias formas discu r si va s possíveis. Haroldo utiliza-se de partes do texto de Pierce, ou melhor, de palavras essenciais, que dizem respeito aos sentidos, à consciência que se tem deles, à memória, para transformá-las em poesia.
Se a relação "Pierce/Proust" se estabelece pela aliteração, " p od re ” irá desencadear, na estrofe seguinte, uma série de paranomásias : "odre" , "odes", "ogre", "considere". A relação entre "podre" e "odre” é intrínseca : "podre" contém "odre". Parecem pertencer também a esta relação as
palavras "cor" e "odor" da segunda estrofe do poema, tendo em vista que além da relação sonora, todas elas se referem a órgãos dos sentidos. Daí a relação paronomásica entre estas palavras e "odes", a poesia, o sensível. O poeta introduz nesta cadeia de p a r o n o m á s i a s , que constituem um paradigma do plano do sensível, um elemento da racionalidade "considere". E a tensão entre o racional e o sensível mais uma vez se mostra.
0 lirismo, aqui está constantemente sendo cercado