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Para alem do "cisco do sol no olho"

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Academic year: 2021

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÂO EM LITERATURA BRASILEIRA

P A R A A L É M D O " C I S C O D O S O L N O O L H O "

S USANA CÉLIA LEANDRO SCRAMIM

FLORIANÓPOLIS

1991

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-P A R A A L É M D O " C I S C O D O S O L N O O L H O "

D ISSERTAÇÃO APRESE NT AD A AO CURSO DE PÓS G R AD UA Ç Ã O EM LITERATURA B R AS IL EI RA D A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, PARA O BTENÇÃO DO TITULO DE "MESTRE EM LETRAS", AREA DE LITER AT UR A BRASILEIRA.

ORIENTADOR: Prof§ Dra. Maria Lücia B. Camargo

FLORIANÓPOLIS

1991

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-Susana Célia Leandro Scramim

Esta dissertação foi julgada adequada para obten­ ção do título de

Mestre era Letras

Especialidade Literatura Brasileira, e aprovada em forma final pelo programa de pós-graduação em Letras Literatura Brasileira e Teoria Literária da UFSC.

Dra. Maria Lúcia Barros Camargo orientadora

< 3^XcVaSu_

Dra. Rita de Cás3ia Barbosa coordenadora do curso

orientadora

Dr. Raúl A n t e lo membro da banca

João Alexa n dr e Barbosa membro da banca

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A professora Maria Lúcia B. Camargo, pela dedicação no trabalho como orientadora.

Aos professores do curso da pós-graduação.

Ao professor Raúl Antelo, pelo incentivo e c o l a b o r a ç ã o .

A João Scramim e Cléia Scramim, grandes incent i v ad or es .

Aos colegas que p artilharam comigo momentos importantes deste percurso: Maria Cristina SOnego, Ademir D e m a r q u i , Vladniir Silva, Amarida Peres Montanhês, Nestor, Alfeu S p a r e m be r g e r, Elizabeth Labes.

A Capes.

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Esta dissertação propõe uma leitura da obra A educação dos cinco sentidos, de Haroldo de Campos. Pela importância do papel que o autor desempenha na literatura brasileira e pela complexidade de sua obra, fez-se necessária a passagem pelas modalidades culturais exercidas por ele: o projeto v a n g u a r d i s t a , a prática da tradução e o exercício da crítica, atividades estas fundamentalmente ligadas

a 3ua

criação poética.

R É S U M É

Cette dissertation propose une lecture de l'oeuvre A educação dos cinco sentidos, de Haroldo de Campos. Par l'importance du rôle que l'auteur joue dans la littérature brésilienne et par la complexité de son oeuvre, il est nécessaire de se référer aux modalités culturelles exercées par lui: le projet d 'a v a n t - g a r d e , la pratique de la traduction et le exercice de la critique. Ces activités sont fondamentalment liées à sa création poétique.

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\ , INTRODUÇÃO ... 01

CAPÍTULO I - O PASSADO REPRESENTIFICADO ... 14

CAPÍTULO II - HAROLDO DE CAMPOS: O TRADUTOR E O CRÍTICO ... 34

^ C A P Í T U L O III - HAROLDO DE CAMPOS: O POETA EDUCADOR O POETA EDUCADOR ... <64) A DANÇA DOS TEXTOS ... 121

• CONCLUSÃO ... 142

SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA DO AUTOR ... ... 146

BIBLIOGRAFIA GERAL ... 149

ANEXOS

I ENTREVISTA

II O DOCE ESTILO NOVO. A "BOSSA-NOVA" NA ITÁLIA DO DUECENTO III POESIA E MODERNIDADE: DA MORTE DA ARTE A CONSTELAÇÃO

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Haroldo de Campos, juntamente com Décio Pignatari e Augusto de Campos, introduziu um marco na literatura brasi­

leira: a vanguarda concretista. Esta vanguarda promoveu, a partir da década de 50, uma revolução na literatura brasilei­

ra que, com a geração de 45, tinha deixado de lado as con­ quistas estéticas do movimento modernista de 22. O objetivo dos poetas que realizaram a vanguarada concretista era romper com uma dicção conservadora de nossa literatura, e colocá-la "nos trilhos do tempo", isto é, introduzi-la no páreo com o primeiro mundo.

Antes mesmo de oficialment.e ser lançada a "poesia concreta",em 1956, numa exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em Haroldo de Campos já se entrevia o que podemos chamar a "vocação pedagógica" da poesia. Poemas como "ciropé- dia ou a educação do príncipe", "Teoria e prática do poema" demonstram isso. A produção poética de Haroldo, ligada à atividade v a n g ua r d i s t a , levaria à radicalização de alguns procedimentos formais: a abolição do verso, a fragmentação da palavra e a utilização do espaço branco da página. Dessa forma, Haroldo rompe com o passado conformista da geração neoparnasiana de 45 e, com voracidade a n t r o p o f á g i c a , devora a produção das vanguardas européias, obscurecidas no pós-guer­ ra. Realiza um resgate do trabalho poético de Oswald de Andrade, do cosmopolitismo de Sousândrade, dos ideogramas

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chineses, da poesia revolucionária de Mallarmé, do experimen­ talismo da linguagem joyceana, para citar alguns exemplos. Com sua vocação pedagógica, Haroldo de Campos propôs uma tradição poética a ser estudada e valorizada. Nos seus p r i ­ meiros trabalhos poéticos já existe a preocupação com a construção de uma tradição. Observa-se tal procedimento em trabalhos como 0 auto do possesso (1949), onde ocorre uma busca por temas da antiguidade clássica, de estórias de príncipes orientais e de estórias bíblicas. Nos textos a cidade (1951), thálassa thálassa (1951), ciropédia ou a educação de um príncipe (1951), o tom é épico, com temas relacionados ao passado clássico. É interessante observar também que em ciropédia ... existe um epílogo de James Joyce ("you find my words dark. Darkness is in our souls, do you not t i n k ? " ) > permitindo aqui uma sincronia que utiliza citações de um texto moderno em outro texto moderno, onde se está tratando do passado clássico. Mas, na v e r d a d e , “ciropédia*' é um poema pelo qual Haroldo propõe os procedimentos e a postura que o poeta deve ter. A educação do poeta é a educa­ ção clássica rigorosa, disciplinada. A produção resultante dessa educação é um poema hermético, e por isso, a citação de Joyce: "Você acha minha linguagem obscura. A escuridão está na nossa alma, você não acha?" N e stes primeiros textos Harol­ do se vale de procedimentos formais v a n g u a r d i s t a s , como a justaposição de palavras e a m e t a l i n g u a g e m . Tais p rocedimen­ tos intensificam-se no livro as disciplinas. Um exemplo bem característico da recorrência à auto-referencialidade do

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poema, é "Teoria e prática do poema" (1951). 0 poema fala da poesia, poema crítico de si mesmo. Acentua-se neste texto o procedimento de reflexão a respeito da linguagem. As explora­ ções imagísticas são controladas por uma consciência do texto, o próprio poema. A impessoalidade é marcante. Existe um mecanismo que se atuo-examina no próprio movimento da c o m p o s i ç ã o :

"VI

Assim o Poema. Nos campos do equilíbrio elísios a que aspira

sustém-no sua destreza Agil atleta alado

iça os trapézios da aventura. Os pássaros não se imaginam O Poema premedita

Aqueles que c um p re m o traçado da infinita astronomia de que são drions de pena

Este árbitro e justiceiro de si mesmo, Lusbel libra-se sobre o abismo,

livre,

diante de um rei maior rei mais pequeno".

(Xadrez de Estrelas, p. 56)

Neste texto, Haroldo dá as qualidades que o poema deve ter; o poema está inserido nos "campos do equilíbrio", ele possui "destreza", é um "atleta" que sai em busca de "aventura". Esta "aventura” é controlada, pois o poema "premedita" e dita suas próprias normas. Ele é livre dentro de seus próprios parâmetros. Haroldo coloca o poema sob a ação de uma consciência rigorosamente organizadora, que atua sobre o material da poesia da m a neira mais ampla e mais conseqüente possível: palavra, sílaba, fonema, som, espaço gráfico como fator de estruturação espácio-temporal (ritmo

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Com o livro galáxias (1963), Haroldo inicia um projeto de tensionar ao máximo os limites da prosa, da trama e da verossimilhança realista tão caras à nossa ficção. Porque em galáxias não se trabalha com a referencial i da de , mas com a redefinição da idéia mesma de livro.

"como quem está num navio a fábula neste livro é um mero regime de palavras e o que conta não é o conto mas os desvios e desacor­ des os vícolos e vielas os becos e bitesgas os cantos e as esquinas os bívios e os trivios os quadrívios dessa escura suburra de palavras que emite finiculares e raízes aéreas que sacode esporos e polens numa germinação de fécula apodrecida e matéria albuminal".

(Xadrez de Estrelas, p p . 200-242)

O projeto de galáxias aproxima-se muito de dois momentos da literatura universal: a radicalização da lingua­ gem da última fase de Guimarães Rosa e a experimentação com a

linguagem de James Joyce no Finnegans Wake. Experimentando com a prosa de ambos, Haroldo chegou à "proesia": a sua prosa poética de galáxias. Em outros trabalhos com a poesia, Harol­ do reduzia a sua linguagem ao mínimo de elementos lingüísti­ cos, ou melhor, à síntese lingüística; em galáxias, ele prossegue este projeto por meio da incorporação, da saturação e da devoração. A leitura de poemas concretos causa a impres­ são de que toda a poesia anterior e posterior se tornaria excessiva. A leitura de galáxias, por sua vez, causa a im­ pressão de estar nela contida toda a poesia possível. São dois movimentos opostos de contração e dilatação. Um dos

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principais resultados deste momento de galáxias é a desmisti- ficação do fazer poético.

Em Signância Quase Céu (1979), livro que configura uma releitura da Divina Comédia, de D a n t e , continua a ocorrer o caráter fragmentário da poesia, fragmentos que formam figuras de linguagem que convergem para um único espaço: o poema. Os textos de Signância são como meditações imersas na própria história da linguagem da poesia. Existe um reaproveitamento do material poético de um outro poeta e que resulta numa nova criação. Haroldo reordena versos do canto "Paraíso" e cria outros versos evocando as mesmas imagem, com a intenção de refletir sobre a própria linguagem da poesia. E3te processo se intensifica em A educação dos cinco sentidos (1985), onde a metalinguagem também abre espaço para criações mais libertas das amarras formais da proposta concretista.

Nesta obra centralizei o meu estudo, que é uma tentativa de buscar, na A educação dos cinco sentidos, o que ela tem de melhor: a contribuição para a tarefa de fazer a tradição poética ser parte atuante na educação dos sentidos h u m a n o s .

Este livro é uma homenagem a toda arte poética. A tradição poética, selecionada por Haroldo, é a expressão da tradição válida, feita de citações que se transformam em poesia. São citados, nestes textos, filósofos, poetas, artis­ tas plásticos. Neles estão pensadores como Pierce, Lukács, Benjamin, Heidegger. Poetas e fragmentos de suas poesias: M a i a k ó v s k i , Khébinkov, Augu3to de Campos, Goethe, Brechet,

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Otávio Paz, César Vallejo, Sousândrade; recriações de poesias em outras línguas: do grego clássico, do chinês antigo, do italiano provençal, do italiano de vanguarda; homenagens a artistas brasileiros (in memóriam) Mário Fausti- n o , Torquato Neto, Hélio Oiticica e outros. Este é o corpo dialógico d '"A educação dos cinco sentidos". E como se todo3 estes nomes estivessem d e n t r o de um c or t e t r a n 3 t e m p o r a l , onde todos eles convivessem numa voluptuosidade artística, não havendo mais barreiras cronológicas que os separassem. Tudo nesta obra é citação, ele tece e entretece linguagens clássi­ cas com linguagens modernas e cria uma nova constelação. O

"olhar estetizante" de Haroldo de C a m p o s não tem limites, seu olhar é t r a n s i n f i n it o . Não e x i s t e o tempo, nem o espaço, existem, sim, linguagens.

Neste espaço-tempo de linguagens a atividade de resgate cultural é fundamental. Ela é calcada na tradução de textos poéticos com a finalidade de recriá-los em sua própria língua, é a tarefa da tradução como criação e como crítica.

A questão da tradução de um texto estético é complexa.

"Toda tradução implica em metalinguagem, ao nível da criação - i nt ra me ta l i n gu a ge m : não toca apenas o objeto traduzível, mas a natureza do próprio signo. 0 que há de essencial, próprio e único de um objeto não pode ser traduzido, assim como o que há de único e que faz de alguém 'alguém' não pode ser comunicado - e no entanto o que se busca traduzir

traduzir é justamente o

(1) P I G N A T A R I , Décio, "Mallarmé - a conquista do im­ preciso na linguagem poética: uma tradução de

"L'après-midi d'un f a u n e ” - in Mallarmé, São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 112.

o que importa i n t r a d u z í v e l " .

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A tradução que Haroldo 3e propõe a executar não busca, é obvio, resolver esse impasse insolúvel; ao contrário busca acentuá~lo, fazê-lo render. F. suas traduções rendem, no sentido de que se cria um novo texto, filiado ao original, existindo entre os dois uma relação genética. A tradução antes de mais nada significa uma operação de leitura, uma duplicação de caminhos, uma doação em dois, Haroldo mesmo define o que é a atividade tradutora:

"No texto traduzido -- trans (entre) tecido afloram apenas as cristas de uma c o ­ operação, labor oculto, que subjaz, lastro sonegado de iceberg sob a e s c r i t u ­ ra visível das arestas. Como um prático dos portos, em manob ra s de abordagem, o tradutor se deixa ir por entre sirtes, pontas dissimuladas de recifes, diferindo o seu naufrágio e deferindo ao texto, assim dobrado, o seu êxito e/ou fracasso:

'memorable c r i s e " .

0 texto traduzido por Haroldo é um texto duplicado, é um texto segundo, pois sofreu transformações. Como diria Genette, é um texto em segundo grau, é uma prática de hi- p e r t e x t u a l i d a d e ^ . E, consequentemente, a prática da tradu­ ção feita por Haroldo poderia ser chamada uma hiperestética da tradução.

Nesta perspectiva da literatura de 2o grau t e oriza­ da por Genette, fixo o olhar n'A educação dos cinco sentidos.

(2) CAMPOS, Haroldo de, "Um relance de d a d o s ” , in Mallarmé, São Paulo, Perspectiva, 1974, p. 120.

(3) GENETTE, Gérard. Palimpsestes: la literature au second degrée. Paris: Editions du Seuil, 1982. Retomarei esta questão no capítulo: "O tradutor e o c r í t i co ” .

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Em uma das partes do livro, Haroldo trabalha com alguns textos agindo como o poeta do poeta, uma espécie de tradutor que r e c o n t e x t u a l i z a , re-historiciza seus poemas traduzidos. Ele se propõe a re-criar, ou melhor, reimaginar textos de Heráclito, Alceu (620 - 580 a.C), Li Po (701 - 762), Guido Cavalcanti (1250-1300). São belíssimas estas suas reimagina- ções, textos que contém musicalidade, jogo de palavras que levam a significados múltiplos, como por exemplo:

"físis filocríptica desvelos do sem-véu pelo velar-se

(A educação dos cinco sentidos, p . 70)

Nos textos que Haroldo traduziu de Heráclito são utilizados recursos da poesia de vanguarda, inclusive a espacialização.

"caleidocosmos"

"lixo (luxo) do acaso

cosmos"

(A educação dos cinco sentidos, p . 72) Há uma re-historicização dos textos, incorporando a eles a linguagem da vanguarda concretista: o poema "LIXO/LUXO” de Augusto de Campos.

No poema "Baladeta à moda toscana", existe uma atualização de um texto da idade média: a "baladeta" de Haroldo é uma "chanson du trouvère"do século XX. Há o d e sl o­ camento da cidade, do tema, da forma:

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"Porque eu não espero retormar jamais à Lira Paulistana

Mas diz-lhe que me esgana passar tanta tortura

e que desde a Toscana até o Caetano ..."

(A educação dos cinco sentidos pp. 78-79) Nesta função de tradutor r e i m ag i n a do r , ocorre um processo de transformação destes textos literários. Passam a existir outros textos diferenciados dos originais por parti­ cularidades básicas, como por exemplo, a mudança de vocabu­ lário, a disposição espacial, a intenção do autor. Este processo, ainda, segundo Genette, é uma forma de "transtextu- alidade", ou, mais especificamente, um caso de "hipertextua- lidade". Assim, torna-se mais significativo o título deste conjunto de textos : " T R A N S L U M I N U R A S " .

Outra particularidade presente nos textos d'A educação é o uso da citação e da alusão, que frequentam quase todos os poemas do livro. Estas citações não se apresentam com função de plágio, mas como forma de criação. Haroldo abre o livro com o poema "a educação dos cinco sentidos", que é uma citação de uma frase de Marx, aliás o título do livro que

também se constitui na citação de Marx. No poema, "a educação dos cinco sentidos" além da citação, há também a alusão, ou seja, citação de alguns termos de uma frase de C.S. Pierce, explicitamente assumida num tipo de apêndice do livro que Haroldo denominou "NOTAS". É neste apêndice que ele assume as citações ou alusões, como meio de criação artística.

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pierce (proust?) considerando uma cor - violeta

ou um odor -repolho

podre

com a cor o odor o repolho os piolhos...” (A educação dos cinco sentidos p . 13-14-15)

"NOTAS: "

”a educação dos cinco sentidos"

C.S. Pierce: "posso imaginar uma consciência cuja vida, acordada, sonolenta ou sonhando, consistiria tão somente numa cor violeta ou o odor de repolho podre". ("Qualities of feeling", 1984)." p. 107.

A este tipo de prática de alusões e citações Genette denomina i n t e r t ex t u a li d ad e . Esta prática intertextual não se restringe a textos poéticos, ela perpassa textos filosóficos e o próprio Haroldo de Campos explicita nas suas "N O T A S” sua prática intertextual com textos filosóficos com a p o e s i a :

"Entendo, cora Mallarmé, que "os assuntos da imaginação pura e complexa ou intelectual", não devem ser excluídos da poesia, "única fonte" p. 108.

Estas duas práticas não excluem outras práticas t r a n s t e x tu a i s . A hipertextualidade nos poemas d 'A educação dos cinco sentidos, será questão fundamental neste estudo.

Por que Haroldo de Campos?

Ao iniciar a pós-graduação, eu desejava muito aprender tudo a respeito da literatura. A figura do inte­ lectual Haroldo de Campos, e o seu empenho de participar

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da construção da história da arte da palavra, me despertou grande interesse. Eu tinha certeza que teria muito a a p r e n ­ der, e como de fato aprendi, com este p o et a - p r o f e s s o r .

Para penetrar no universo da criação do autor, fez-se necessário o conhecimento do seu projeto vanguardista de sua atividade como tradutor e como crítico. Assim, no primeiro capítulo, retomei os conceitos de modernidade e p ó s - m o d e r n i d a d e , de vanguarda e n e o - v a n g u a r d a , fundamentando minha reflexão em teóricos como Peter Bürger e Frederic J a m e s o n .

No segundo capítulo, procurei resgatar a prática da tradução e da crítica realizadas por Haroldo de Campos, vistas sob a luz da teoria da tradução e crítica de Ezra P o u n d .

E, finalmente, no terceiro capítulo, a leitura, no desvio, da A educação dos cinco sentidos.

Analisarei separadamente, as partes do livro segmentadas pelo próprio autor, e me deteterei nos poemas mais significativos para minha leitura:

I - "A educação dos cinco sentidos" II - "Austinéia Desvairada"

III - " T ra nsluminuras”

IV - "3 Biografemas in Memoriam"

V - "6 Metapinturas e 1 m e t a - r e t r a t o ”

Todavia, esta leitura tenta o "desvio", no sentido que se aventura a penetrar no reverso da fala declarada do poeta. As práticas t r a n s t e x t u a i s , a metapoética, o v o ­

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cabulário rebuscado parecem funcionar como disfarces da sensibilidade lírica num poeta como Haroldo de Campos . Seria uma heresia? Não, pois A educação dos cinco sentidos dá subsídios para tais afirmações na medida em que há um retorno ao verso, às metáforas, ao poema c on te xt u a i iz a do , ao poema que tem uma mensagem e à c i r c u n s t a nc i a l id a de . Para obser­ varmos tal mudança com relação à "poesia concreta" do próprio Haroldo de Campos basta compararmos o "austin poems" do Xadrez de Estrelas com a "Austinéia D es va ir a d a ” do A educação dos cinco sentidos, nos dois "cadernos de anotações" encon­ tramos a experiência de Haroldo em Austin. No "austin poems", o verso é fragmentado, há a utilização radical dos proce­ dimentos da vanguarda concretista, não "mensagem". No "Austinéia Desvairada", a circunstancial idade ganha espaço, ainda há a manutenção de alguns procedimentos da vanguarda, a metal i ng ua ge m também se faz presente, mas o que fica é a predominância do verso a referencial idade do poema.

Os textos selecionados para os anexos tornam-se fundamentais para a decifração do universo que engloba o poeta, o crítico e o tradutor Haroldo de Campos. Pelo fato de estarem publicados somente em jornais, optei pela inclusão destes textos no corpo do trabalho, para facilitar o acesso aos mesmos. Faz parte também dos anexos o registro da conver­ sa mantida com Haroldo de Campos, em São Paulo, no mês de junho de 1990.

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C A P Í T U L O I

O P A S S A D O R E P R E S E N T I F I C A D O

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O P A S S A D O R E P R E S E N T I F I C A D O

A experiência vital com um tempo que se denominou ’’moderno" trouxe ao nosso convívio um tipo de atitude de busca insaciável pelo novo. No entanto, o mesmo impulso que nos leva a buscar a novidade, leva também a destruir o que se constituiu como produto assimilado. A modernidade nos insere numa constante tempestade de idéias promotoras da desintegra­ ção e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Neste turbilhão de idéias desintegradoras encontra-se o princípio de racionalização tecnológica levada a seu extremo. A o homem moderno foi imposta a necessidade de um desempenho tecnológico em todas as esferas de sua vida social. Esta nova ordem social - a racionalização da cultura e a idéia de progresso tecnológico - relacionava-se às promessas de liberdade individual, de paz e de bem-estar social. No entanto, estas promessas tornaram-se as grandes falácias do nosso século.

A modernidade prometeu emancipar o homem, como também prometeu emancipar as esferas do saber humano. 0 pensamento científico criou um discurso próprio e a arte criou a sua linguagem particular. A autonomia da arte consti­ tuiu-se na exclusão do conteúdo social das obras. A arte reprovou a sociedade e passou a rejeitá-la através da exclu­

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são, no seu discurso, dos assuntos que se referem às questões sociais. Na arte autônoma somente são veiculadas questões referentes ao discurso da arte, à linguagem e à forma da obra. Segundo Adorno, a arte autônoma, ao rejeitar a socieda­ de, distan ci a- se dela, e na distância não opera mudanças significativas nesta sociedade.

A sociedade moderna condenou este afastamento da arte via esteticismo. É na recusa da autonomia que pudemos conhecer o fenômeno de vanguarda, fenômeno cultural espe­ c ificamente da modernidade. 0 espírito vanguardista despontou em vários momentos no decorrer do trajeto da modernidade. Mesmo sem o estandarte de uma "escola", a atração por uma nova forma de ver a arte e o mundo desponta em Baudelaire, que fundamentou sua política na "experiência” do artista com o mundo moderno. Uma "experiência" do artista que revela uma função negativa nas relações entre a arte e a modernidade, segundo a leitura de W. Benjamin. Na poética de Baudelaire encontra-se o embrião do objetivo último dos movimentos de vangu a rd a do início do século: aproximar a arte da vida. Baudelaire opera seu questionamento das relações entre poesia e m odernidade enclausurado nos padrões canônicos da poesia: a forma clássica do soneto. É na "experiência" de Mallarmé que os questi o na me nt os sobre a poesia e a modernidade têm o seu complemento. Haroldo de Campos, no seu "Poesia e modernidade: o poema p d s - u t d p i c o " ^ , ressalta essa c o mp le me nt ar ie da de , o que se c onstituia em

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"função crítico-negativa em Baudelaire, função crítico utópica em Mallarmé: conclusão da história da modernidade no primeiro, abertura do espaço pós-moderno no segundo. Se W. Benjamin vê em Baude­ laire o poeta por excelência da M o ­ dernidade, Octavio Paz acrescenta (num diapasão que não desagradaria ao Benjamin que reconheceu no Coup de Dé3 a imagem da poesia do f u t u r o ) : "Baudelaire fez da analogia o centro de sua poética. Um centro em perpétua oscilação, sacudido sempre pela ironia (...). No centro da analogia há um oco: a pluralidade de textos implica que não um texto original. Por esse oco se precipitam e desaparecem, simultaneamente, a realidade do mundo e o sentido da linguagem. Porém não é Baudelaire, mas sim Mallarmé, aquele que se atreverá a contemplar esse oco e converter essa contemplação do v azio na matéria da sua poesia."

Numa direção oposta à do poeta "flanêur", Ma l larmé pautou sua poética não na experiência do poeta com o mundo moderno, mas sim na experiência do poeta com as pala­ vras, o papel, o signo gráfico. Baudelaire preocupou-se acima de tudo em incorporar temas modernos em sua poesia; Mallarmé deu prioridade à incorporação de procedimentos formais modernos à poesia. Mallarmé torna a linguagem literária objeto próprio da literatura, na qual só existe a afirmação de sua existência. Michel Foucault sublinha a experiência malla r me an a com a linguagem como o marco que separa a li­ teratura dos discursos das ciências e a impõe como uma nova modalidade de discurso!

" . . . nessas condições, não lhe resta senão recurvar-se num perpétuo retorno sobre si, como se o seu discurso não pudesse ter por conteúdo senão dizer sua própria forma (...). No momento em que a linguagem, como palavra disseminada, se

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torna objeto de conhecimento, eis que reaparece sob uma modalidade estritamente oposta: silenciosa, cautelosa deposição de palavra sobre a brancura de um papel, onde ela não pode ter nem sonoridade, nem interlocutor, onde nada mais tem a dizer senão a si própria, nada mais a fazer senão cintilar no esplendor de seu s e r " (2) •

Michel Foucault utiliza-se da mesma metáfora utilizada por M a llarmé para caracterizar a nova linguagem da literatura: a estrela, a constelação, que se encontra no vazio, mas que assume sua função primeira de "cintilar no esplendor de seu ser". É a esse vazio que Otávio Paz se refere; o vazio da passagem da pluralidade de textos, e da idéia de que não há um texto único, mas sim transmissão de l u m i n o s i d a de s , "t r a n s l u m i n u r a s " . Baudelaire detectou esse vazio, mas foi M a llarmé que o tornou objeto. As experiências de Baudelaire e M a llarmé se completam, as vanguardas h i st ó ri ­ cas e todas as manifestações vanguardistas do nosso século são desdobramentos dessas duas posturas. No início do século, vêm à tona acontecimentos vanguardistas coletivos: futurismo, dadaísmo, e x p r e s s i o n i s m o , cubismo, surrealismo. 0 ponto crucial destes movimentos é a promessa de revolução, da busca pelo novo, com o objetivo maior de aproximar a arte da vida cotidiana. Por mais distintos que sejam os movimentos de vanguarda, estas duas questões levantadas, o novo e a p r om e s­ sa de revolução, são compartilhadas entre eles.

(2) Confira em FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. T radução Salma T. Muchail. 3§ edição. São Paulo. E d . Martins Fontes, 1985, pp. 316-317.

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O projeto vanguardista manifesta-se contra a arte burguesa. Ele combate a busca da autonomia da arte, já que o "status" de autonomia desvincula-a da "praxis" cotidiana do ser humano. A busca da autonomia gera uma desfuncionalidade no sistema, a obra torna-se incomunicável para o público em geral ^3) gua proposta principal, a vanguarda fracassou, visto que a arte e a vida não entraram em harmonia. S e ­ paradas, não promoveram a integração com o indivíduo e sua experiência com a arte permaneceu sem continuidade. Não penetrando criticamente na obra, o indivíduo acaba por não questionar os valores nela veiculados.

A força revolucionária da vanguarda, que se gera no âmbito da vida moderna, tenta absorver as contradições que são inerentes à modernidade, tentam suprimir a autonomia escravizante da arte esteticista. No entanto, conforme Peter BUrger, cada investida vanguardista acaba por converter-se em seu contrário. As vanguardas acabam se rendendo à autonomia, a arte como mercadoria, fenômeno este que surge já nas socie­ dades industrializadas.

As vanguardas históricas do começo do século, cada uma a seu modo, trataram da questão do moderno. Na litera­ tura, o futurismo italiano louvou a máquina e curvou-se diante da técnica. Para não falar das íntimas ligações deste mesmo futurismo e do expressionismo alemão com os regimes totalitários. 0 signo revolucionário e emancipador dessas vanguardas carregava implícito momentos de sua integração ao

(3) Confira em BüRGER, Peter. Teoria de la vanguardia. Tradução de Jorge Garcia. Barcelona, Ediciones Peninsula, 1987. p. 100 e ss.

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processo de transformação tecnológica da vida e a imposição de r ac io nalização da sociedade e da cultura. Com o s u r r e a li s ­ mo não ocorreu a busca desenfreada pelo novo. A renovação

estética que promoveu tinha como objetivo maior alcançar o homem. Uma busca dialética pelo que é exterior e pelo que é inconsciente. 0 surrealismo acabou sendo inseminado pelos proced i me nt o s da instituição arte, converteu-se em rito. Ele foi aos poucos sendo diluído em imitações estéticas de seus postulados ideológicos, tornou-se ritual e assim incorporou- se à arte como instituição. Encerrada a fase heróica das vanguardas, elas mesmas converteram-se num fenômeno a f irmati­ vo, de caráter normativo, afirmando-se como instituição. Sendo assim, a razão de ser da vanguarda perde todo seu caráter inicial, e seu brilho torna-se opaco. É quando a própria vanguarda encerra sua existência por não ter mais nada a dizer.

O fracasso das principais propostas vanguardistas p er mitiu a manutenção da instituição arte, autônoma e entifi- cada. Conforme Peter Biirger, toda art.e após a vanguarda tem de ajustar-se ao "status de autonomia". Depois da e xp eriên­ cia v a nguardista a categoria de obra de arte ampliou-se. Além da manute n çã o e restauração da categoria já existente, p r om o ­ veu-se também a sua ampliação: o que antes era considerado como um mero fato da vida cotidiana, passou a ser objeto de arte, cultuado nos museus: templos sagrados da arte burguesa. Neste ponto a vanguarda foi revolucionária, destruiu o conceito tradicional de "obra orgânica" e ofereceu

(28)

Apesar de estarem sendo cultuadas nos museus, as obras de arte v a ng u a rd is ta s são de natureza diferente das demais que os constituem. A "obra de arte inorgânica” se caracteriza pela montagem, pelo fragmento, pela utilização da técnica de m ateriais que se constituem nos príncípios básicos da obra de arte v a n g u a r d i s t a .

Hoje a vanguarda é história. Já não há mais o efeito de choque no público, não há mai3 o princípio e s p er an ­ ça que as move. A preponderância da arte autônoma, entif ic a­ da, é um fato assimilado, sendo assim não há mais credibili­ dade para o objetivo maior da vanguarda, que era aproximar arte e vida.

Nas décadas de 50 e 60, assistimos ao ressurgimento de movime n to s que se a u to -i nt itulavam vanguardam. Peter Biirger, em sua teorização sobre a vanguarda, analisa este aconte c im e nt o sob a perspectiva de uma complicada repetição das posturas das vanguardas históricas. Para ele, o que as "neo-vanguardas", propuseram foi a reutilização dos p r o c e­ dimentos formais da vanguarda, destituídos de sua ideologia. É a utiliz aç ão do procedimento sem a sua função primeira. A autonomia da arte não é mais questionada como nas vanguardas do início do século. Quando Otávio Paz diz que a "vanguarda de 1967 repete os feitos e posturas de 1917", quer dizer que sua ideologia e seu conteúdo estão esvaziados. Para Paz, a arte moderna começa a perder seus poderes de negação com o

(4) Bürguer utiliza-se do conceito de obra orgânica e inorgânica de Adorno, confira em Búrger, op. cit., p . 110.

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fenômeno das n e o - v a n g u a r d a s ^ ^ •

Poesia concreta: a vanguarda brasileira. Apesar de seu e sp ír it o revolucionário, as neo-vanguardas não conseguem escapar das questões a que as vanguardas histdricas tiveram de se submeter. Um fenômeno que exemplifica este fato é o da poesia c on cr et a no Brasil. Este movimento de poesia se auto- intitula como a vanguarda brasileira, tendo como referencial de seu p r o j e to tedrico uma poesia universal. A auto-denomina- ção "vanguarda" não se encaixa na "performance” das v a n g u ar ­ das h is tó ri c a s do início do século no que toca à canalização de energias voltadas contra a arte autônoma. As vanguardas do início do século se posicionaram contra a autonomia da arte, contra a arte estetizante, o que não acontece com a vanguarda concretista. O concretismo não rompe com a instituição arte, pelo contrário, se reafirma como arte, e arte do mais alto nível - e fez de tudo para ser reconhecida como tal. É

nesta instância que posso dizer com Peter Bürger, que a arte p d s- v a ng ua rd is t a se caracteriza por institucionalizar a vanguarda e, assim, negar as suas genuínas intenções.

Sem dúvida existe um projeto revolucionário no concretismo, mas não o de luta contra a autonomia da arte, e, sim, de recusa de um procedimento artístico estagnante que vinha se estabelecendo na cultura brasileira desde o fim do conturbado período herdico do modernismo brasileiro. Na (5) "Desde hace anos sus negaciones son repeticiones ri-

tuales: la rebeldia convertida en procedimento, la c r ít i ­ ca en retdrica, la transgresidn en ceremonia. La negaci- dn ha dejado de ser creadora. No digo que vivimos el fin dei arte: vivimos el fin de la idea de arte moderna". Los hijos dei limo. 4§ edição. Editorial Seix Barrai, México, 1984, p. 211.

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de superar a defasagem cultural do Brasil em relação às d emais culturas européias, de colocar a literatura brasileira nos "trilhos do tempo". Era uma forma de participar entranha- damente de sua época, viver efetivamente. A práxis vital dos poetas concretos estava intimamente ligada à idéia de um c otidiano utópico, onde a tecnologia estaria a serviço de todos. Mas a realidade não era essa. 0 Brasil, em 1950, vivia uma de suas épocas em que mais se falou em desenvolvimento e superação da defasagem no páreo com o primeiro mundo, em todos os campos do conhecimento, inclusive na arte. Os poetas concretos produziram uma revolução formal vinculada aos princ í pi os estéticos modernos, elevaram a poesia a um estado de p ur ismo poético e anteciparam questões culturais e artís­ ticas da sociedade contemporânea as quais somente foram cogitadas pela crítica na década de 70. Questões como a cibernética, a teoria da informação, teoria da comunicação, que, em 1950, encontravam-se incipientes em nossa sociedade.

0 "princípio-esperança" que fundamentava o discurso teórico da vanguarda concretista estava relacionado à p r op o s ­ ta de um cotidiano onde a tecnologia seria um bem comum. Mas isto estava muito longe de ser realidade no Brasil. A poesia concreta cogitou questões condizentes à sociedade moderna, distanciando-se, assim, do objetivo maior da vanguarda. A poesia concreta foi distanciando-se da vida cotidiana jus­ tamente por esse cotidiano não estar de acordo com aquele idealizado. O leitor comum viu-se afastado da práxis poética dos c o n c r e t i s t a s . A recorrência ao verso fragmentado, à

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p a lavra fragmentada, à complexidade formal, à utilização de p ar ê nt es es indicando outras possibilidades de leitura, cores e tipos gráficos diferenciando mensagem no texto, impuseram ao leitor mal " f ormado” e mal "informado" uma distância comunicacional muito grande. 0 leitor, ao enfronhar-se numa operação de leitura dos poemas de Haroldo e Augusto de Campos ou de Décio. Pignatari, com certeza se depara com textos poéticos extremamente complexos.

0 discurso teórico da vanguarda concretista aproxi- m a-se em muitos pontos aos das vanguardas heróicas do início do século. Um dos pontos, por exemplo, é o estabelecimento do rol de p recursores de um paideuma. 0 concretismo considera como seus precursores: Mallarmé, do "Un coup de dés" ; P o u n d , do "The Cantos"; Joyce, do "Ulysses" e do "Finnegans Wake"; Cummings; Appolinaire, dos "Cal1 ig r am es ", e os movimentos de v a ng ua rd a futurismo e dadaísmo. 0 que ressalto neste tipo de seleção de autores e inclusive de somente alguns momentos da p ro dução destes, é o caráter minucioso com que foram e s tu ­ dadas e reconhecidas essas obras e autores, muitas vezes i ndevidamente compreendidos por sua época. Foi com a v a n ­ guarda concretista, através da operação de resgate cultural, que foi possível, no Brasil, atribuir a certos autores a d evida importância num momento posterior.

No momento em que eles citam o futurismo e o d a d a­ ísmo como um de seus precursores, e3tão institucionalizando m ovime nt os antes opositores da institucionalização da arte. 0 concretismo se vale dos procedimentos formais dessas v a n g u a r ­ das, esvaziados de seu conteúdo ideológico; e também se vale

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de aspectos do esteticismo do século XIX, de procedimentos formais do barroco, com o intuito de criar arte do mais alto nível, e não de romper com a instituição.

Analisando em detalhes o "Manifesto Técnico da Literatura F u t u r i s t a ” ^ podem ser observados alguns tópicos que os concretistas quiseram r e a p ro v e i t a r . Em primeiro lugar os futuristas desejavam destruir a sintaxe tradicional, dispondo os substantivos ao acaso, como nascem. Usar o verbo no infinitivo, para dar sentido de continuidade da vida. Abolir o adjetivo, para que o substantivo desnudo conserve sua cor essencial. Abolir igualmente os advérbios e a p o n t u a ­ ção para surgirem movimentos de palavras essenciais no espaço da página. Para tal é preciso dar a cadeia das analogias evocadas pela página, cada cadeia condensada numa palavra essencial concretada. Tais posições são retomadas pelos c oncretistas no "Plano Piloto da Poesia Concreta", ao se p osici on ar em a favor da utilização do

"espaço-gráfico como agente estrutural (...) desde o seu sentido geral de s in ta ­ xe espacial ou visual até seu sentido específico (Pound/Fenolosa) de método de compor baseado na justaposição direta analógica, não 1ógico-discursiva de elementos (...) a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da linguagem, daí sua tendência à substantivação e à verbi- ficação 'a moeda concreta da f a l a ’

(Sapir)" (7).

(6) TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. 6§ edição. Petrópolis: Vozes, 1982.

(7) CAMPOS, Augusto de ET AL. Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos, 1950-1960. edição. SP:Duas Cidades, 1975, p. 157.

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Os futuristas pretendiam destruir a literatura do "eu", a matéria é o poema. 0 objetivo maior era a criação de uma "arte essencial". São as mesmas posições expressas no Plano Piloto:

"contra a poesia de expressão, subjetiva e hedonística, criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem s en sí ­ vel uma arte geral da palavra. 0 poema produto: objeto útil" ^ .

Entretanto, em outros pontos, estes dois movimentos de v a ng ua rd a divergem. Por exemplo no que toca à posição dos futuristas de odiar as bibliotecas e museus, refutar a i n ­ teligência do passado. Os concretistas fundamentam toda sua po l ítica cultural na revisão do passado. Certo é que este p assado é escolhido a dedo. A proposta teórica da poesia concreta está ligada à seleção crítica do passado. 0 que realmente aproxima o futurismo do concretismo é a intenção dè objeti v aç ão do poema. É a isto que se refere a afirmação contida no plano piloto no que toca às "contribuições para a vida do problema". 0 problema se constitui na revolução formal da linguagem poética que se pretende realizar. Outro movimento de vanguarda citado pelos coricretoa é o dadaísmo. A contribuição que o dadaísmo ofereceu à "vida do problema" pode ser detectada no Manifesto Dadá. 0 dadaísmo propõe uma literatura "que não chegue até a massa voraz. Obra de criadores, saída de uma verdadeira necessidade do autor, e para e l e ” . Propõe também uma arte não sentimental, a

(8) Idem, ibidem.

(34)

p r op ag a nd a e os negócios também são elementos poéticos. Ao dadaí s ta restava produzir uma anti-arte, uma anti-literatura. Seus e le mentos de expressão não faziam parte do cânone poéti­ co. Da mesma forma os concretos, ao afirmarem a idéia de uma poesia de comunicação nao-verbal, de uma linguagem "verbivo- covisual", estão saindo do campo da literatura tradicional.

Outro fato interessante é o que se refere ao número

de manifestos desses movimentos de vanguarda. 0 futurismo e o

dadaísmo são apontados como os movimentos de vanguarda que

mais produziram manifestos. Gilberto Mendonça Telles registra

que "o futurismo foi, em linhas gerai3, um movimento estéti­

co mais de manifestos do que de obras" (10).

ficando atrás

do futurismo,

o dadaísmo é um dos movimentos de vanguarda

mais rico em manifestos. Analogamente, o concretismo é um

movimento que possui muitos textos teóricos referindo-se a

seus procedimentos

formais e conteudísticos.

Tais textos

agem como manifestos que expressam sua postura.

Uma ressalva importante a se fazer, é que o m o v i ­ mento vangua rd is ta nunca foi homogêneo. Do futurismo ao dadá existem distâncias que vao de um discurso colado à arregimen- tação fascista à denúncia visceral de qualquer engajamento. Numa análise das idéias básicas que estão contidas nos manifestos das vanguardas históricas, percebe-se que os v a n g u a r d i s t a s , de um modo geral, se consideram elite, adotam a produção experimental, seus manifestos têm inclinações doutrinárias, sua meta é em direção ao progresso, ao futuro

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utópico. Estas idéias básicas também fundamentam a vanguarda concretista. Entretanto, os projetos utópicos da3 vanguardas do início do século e da neo-vanguarda concretista são diferentes. Eles divergem no sentido de que as vanguardas h istóricas se posicionaram contra a instituição arte, a arte autônoma. A vanguarda concretista já havia assimilado esse ponto polêmico, ela assume a autonomia e se propõe a construir uma arte que tenha um objeto único de trabalho: ela mesma. A poesia concreta não recupera indiscriminadamente todos os procedimentos das vanguardas históricas, mas somente aquilo que toca na questão da linguagem da poesia.

A vanguarda concretista foi pensada e realizada no m omento do modernismo institucionalizado. Contra esse modern i sm o institucionalizado rebelaram-se as erupções neo- v a n g u a r d i s t a s , e não contra a modernidade em si. Mas o que era este modernismo institucionalizado? A aceitação plena da autonomia da arte. Estas tentativas de acabar com a autonomia da arte já nasceram marcadas com o signo da autonomia e s ta m­ pado em suas obras e manifestos. De acordo com Frederic J a m e 3 o n ( * D e Andreas H u y s s e n ^ ^ , este momento de "ruptura" teria ocorrido a partir dos anos 50, e Huyssen propõe a tese de que existe uma grande diferença entre o pós-moderno dos anos 60 e o dos anos 70. A primeira fase, segundo ele, não representou uma ruptura com o modernismo em si, mas com o

(11) JAMESON, Frederic. "Pós-modernidade e Sociedade de Consumo", in Novos Estudos CEBRAP. SP : CEBRAP, n. 12, Junho de 1985, pp. 16-26.

(12) HUYSSEN, Andreas. "Mapping the p o s t m o d e r n " , in The New G er m an Critique 33, Outono de 1984.

(36)

alto modernismo institucionalizado. Era a "fase utópica". No segundo momento, ocorre uma apatia e uma despolitização geral. Não existe mais o "princípio esperança" e sua vocação iconoclasta desapareceu.

E é exatamente esta postura que Haroldo de Campos, um dos mentores da vanguarda concretista, assume no seu texto "Poesia e Modernidade : o poema pós-utópico" (13) Neste texto, Haroldo propõe que o fim dos anos 60 marca o fim das vanguardas, e conseqüentemente da "poesia concreta enquanto m o vi mento coletivo e experimento em progresso". Não denomina este m o mento como "pós-m od er no ", mas sim como "pós-utópico". Segundo Haroldo este momento não é pós-moderno porque não rompe com a modernidade; se há um momento pós-moderno do desenv o lv im en to da arte, este momento é inaugurado por Mallarmé. A pós-modernidade está para Mallarmé como a modernidade para Baudelaire. Em meu encontro com Haroldo de Campos, ele deixou claro que a revolução baudelaireana foi fundamental para a arte moderna, mas ela operou sua evolução dentro das formas da modernidade; Baudelaire não rompeu com o soneto, a forma canônica da poesia. Segundo Haroldo, o pós- m o derno é aquele que explodiu o soneto, explodiu a forma poética clássica da modernidade. Mallarmé foi o protagonista d essa façanha - portanto, a experiência mallarmaica rompe com a modernidade e, nesse sentido, já é pós-moderna.

Nesta revolução operada por Mallarmé, perpassa, segundo Haroldo, a mais importante questão das vanguardas,

(13) Confira o texto nos anexos.

(37)

que é trazer a arte ao alcance de todos. 0 poeta francês p ossuía o projeto de ura livro " p er mu ta tó ri o" , um "livro- e s p e t á c u l o ” no qual estariam presentes elementos do teatro, da música, da vida. O " multilivro” , que ficou incompleto, continha no seu projeto o "princípio-esperança” , que tornou- se a mola propul s or a das vanguardas no nosso século. É olhar para o futuro e ver nele a "realização adiada do presente". Em outras palavras o princípio-esperança é o espírito de d e s e nc a nt a m e nt o dos modernos em relação às promessas irreali- zadas da p ró pr i a modernidade.

É por demais interessante esta visão do pós-moderno em Haroldo de Campos. Ela se diferencia das visoes dos demais críticos do pós-moderno; no entanto, numa análise mais m i ­ n u ciosa p er ce be -s e que a diferença existente entre a visão do p ó s - mo d er n o de Haroldo de Campo3 e a dos demais críticos toca na q u es tã o da periodização. Não me refiro à visão de Habermas, que nem ao menos admite o momento pós-moderno, mas sim p r o c l a ma a conclusão do projeto da modernidade ideal. R ef i ro -m e a Jameson, Lyotard, Ihab Hassan e John Barth. Para ele3 o clima pós-moderno tem seu início nos anos 50, numa s i tuação de exaustão do modernismo, isto é, da arte após as v a ng ua rd as históricas, da arte assumidaraente institucio­ n a li za da e autônoma. O que Haroldo chama de pós-modernidade é o final do Século XIX, inaugurada por Mallarraé e desdobrada pelas v a ng ua r d a s históricas em que a vanguarda concretista seria o pico desta evolução. 0 que ele denomina de pós-utópi- co, de poesia de agoridade, os críticos do pós-moderno c o ns i ­ deram pós-mo de r ni da de há mai3 de 30 anos.

(38)

Talvez esse ato de retardar a aceitação do momento

de exaustão da modernidade, efetuado por Haroldo de Campos,

se explique em função da sua necessidade de incluir a van­

guarda concretista ne3ta linha evolutiva de Mallarmé até o

concreti3mo e, somente depoÍ3 de concluído e3te ciclo,

ele

aceita o momento de exaustão.

É

importante também sublinhar que em alguns as­

pectos deste momento denominado por Haroldo de pós-moderno,

não há uma ruptura radical com o projeto da modernidade.

0

que existe é um prolongamento dos ideais construtivi3ta3 do

moderno : a busca pelo futuro como idealização do presente, a

implícita aceitação da autonomia da arte,

o gosto pelo

progresso acima de tudo, a palavra fragmentada, a tecnologia

a 3erviço da arte, o gosto pela paródia, o gosto pelo novo, a

multiplicidade da linguagem. Enfim, todo o projeto deste

p<5s-módernismo que Haroldo de Campos propõe está continuando,

sob formas diferentes, o projeto da modernidade.

Este pós-modernismo a que Haroldo se refere ainda possui p erspectiva utópica. Somente então, depois dos anos 60, com a crise mundial de todas as ideologias que nutriram a modernidade, o esgotamento. A poesia perde sua função utópica : "uma poesia-para, capaz de utilizar, na p e rspectiva do " e n g a g e m e n t ", as conquistas técnicas da poesia pura" . Para Haroldo, a poesia pós-vanguarda não é, necessariamente, pó s -m od er na nem anti-moderna; é a poética da pluralidade. Não ex istem mais movimentos coletivos da arte, não há manifesto a

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