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1. INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

1.4. Mudanças Climáticas

1.4.3. A ciência do Clima

O espessamento da camada atmosférica de gases estufa vem alterando o balanço de energia da terra. O excedente cada vez maior de energia retida na atmosfera, principalmente na forma de calor, é distribuído por meio da circulação atmosférica e oceânica (AR 4 IPCC, 2007; Ruddiman, 2003). As massas de ar e água em movimento interagem com o relevo e biota, resultando em processos ecológicos, determinando o clima e respondendo pela manutenção de toda a biodiversidade Terrestre (Greenland, 2003). De acordo com o próprio IPCC (2007):

As mudanças na quantidade de gases de efeito estufa e aerossóis da atmosfera, na radiação solar e nas propriedades da superfície terrestre alteram o equilíbrio energético do sistema climático. Essas mudanças são expressas em termos do forçamento radiativo, que é usado para comparar a forma como os fatores humanos e naturais provocam o aquecimento ou esfriamento do clima global. (IPCC AR 4,

2007, p. 2)

Do texto acima, duas informações importantes merecem ser destacadas. A primeira refere-se ao fato das alterações climáticas não se restringirem a emissões de gases de efeito estufa, mas envolverem tanto fatores externos a Terra, como a radiação solar, a qual é dependente da inclinação da órbita terrestre, excentricidade e atividades solar, assim como o papel de alguns fatores antropogênicos como agentes que provocam o resfriamento da Terra. O aquecimento é o resultado líquido da interação deste diversos fatores (figura 1.3).

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Figura 1. 3 Estimativas da média global do forçamento radiativo (FR) e faixas, em 2005, para o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) antrópicos e outros agentes e mecanismos importantes, juntamente com a extensão geográfica típica (escala espacial) do forçamento e o nível avaliado de compreensão científica (NCC). O forçamento radiativo antrópico líquido e sua faixa são apresentados. (fonte: IPCC, 2007).

A segunda informação importante diz respeito ao termo forçamento radiativo, o qual é a medida da influência de um fator na alteração do equilíbrio da energia que entra e sai do sistema Terra-atmosfera (IPCC AR 4, 2007). Valores positivos indicam que o fator contribui para o aquecimento do planeta e um valor negativo para o resfriamento. Na figura 1.3 observamos que o gás carbônico, metano, óxido nitroso e halocarbonos são os fatores que mais contribuíram para o forçamento radiativo de origem humana. Em contrapartida, o aumento do albedo pelo uso da terra contribui negativamente, uma vez que aumenta a porcentagem de radiação solar refletida pela superfície de volta para o espaço. Contudo, como será discutido no capítulo de metodologia, o aumento do albedo da superfície como consequência do desmatamento resulta na ascensão das temperaturas, pelo menos localmente, uma vez que a floresta dissipa grande parte do calor pela evapotranspiração. A figura 1.3 também destaca o nível de compreensão científica para cada fator, ressaltando as incertezas envolvendo a ecologia do clima. Como será pontuado nas considerações finais deste trabalho, investimentos públicos em ciência e tecnologia do clima deverão

44 compor uma das principais estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Por enquanto, o papel dos gases no forçamento positivo das temperaturas é o mais bem compreendido (NCC alto). É muito provável8 que fontes antrópicas sejam as responsáveis pelo aumento das concentrações de GEE atmosféricos observado a partir da revolução industrial (IPCC AR 4, 2007).

O CO2 viu suas concentrações atmosféricas aumentarem de 280 ppm 9

pré- industriais para 385ppm em 2008, ultrapassando em muito a faixa de amplitude observada para os últimos 650.000 anos (180-300ppm). As taxas de crescimento do gás se intensificaram nos últimos 10 anos, chegando a uma média de 2 ppm/ano. As duas principais fontes antropogênicas do gás são a queima de combustíveis fósseis e mudança/uso da terra.

Já o CH4 cresceu de 715 ppb 10

(pré-industrial) para 1774 ppb em 2005, superando a faixa natural apontada pelos testemunhos de gelo referentes aos últimos 650.000 anos (320 a 790 ppb). Segundo o IPCC (2007), o crescimento das taxas de emissão do gás reduziu a partir do início da década de 1990, mantendo-se praticamente constantes desde então. Como veremos neste trabalho, esta afirmação não pode ser feita para o Brasil, pelo menos para o estado do MT, que viu suas taxas de emissão de metano aumentarem vigorosamente a partir da desvalorização do real em 1999, impulsionadas pela expansão do rebanho bovino nacional, intercalando fases de intenso crescimento seguido com pequenas recaídas. As principais fontes antrópicas do metano são a agropecuária, desmatamento e queima de combustíveis fósseis.

Por fim, o óxido nitroso, cujas concentrações aumentaram de 270 ppb (pré- industrial) para 319 ppb na primeira década do século XXI. Ao contrário dos dois gases anteriores, os quais têm como principais fontes processos naturais, o N2O tem nas atividades antrópicas mais de um terço de suas emissões, principalmente associada a agricultura (IPCC AR 4, 2007).

Sensibilidade Climática

Um conceito importante de ser desenvolvido aqui é o de sensibilidade climática (climate sensitivity ). Ele é definido como o acréscimo de temperatura as médias globais caso as concentrações atmosféricas de CO2 equivalente fossem duplicadas (IPCC AR4, 2007). Porém, segundo Shaeffer et al. (2008), a incerteza sobre o valor

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Probabilidade maior que 90%. 9

ppm: partes por milhão (indica quantas moléculas de um determinado gás existe a cada 1 milhão de moléculas de ar)

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45 exato da sensibilidade climática é o principal obstáculo na elaboração de políticas climática.

Lançando mão de modelos matemáticos, um comitê organizado no âmbito da National Academy of Science, em 1979, estabeleceu o valor de 3ºC ± 1,5ºC como referente à sensibilidade climática. Este valor também ficou conhecido como sensibilidade de Charney, em referência ao coordenador do comitê, passando a ser tradicionalmente usado pelo IPCC e vem sendo considerada em diversos outros documentos e estratégias políticas (Knutti e Meehl, 2006).

A fragilidade do modelo de Charney encontra-se no fato de só considerar as retroalimentações de resposta rápida (fast feed-backs) a duplicação de CO2, como o aumento de vapor de água atmosférico e redução do volume de gelo das calotas polares, porém desconsideram retroalimentações de resposta lenta (slow feed-backs) (Hansen et al, 2008). Wigley (2005) aponta para o impacto da inércia térmica dos oceanos sobre as temperaturas globais em horizontes temporais mais longos. Segundo ele, mesmo que estabilizássemos as concentrações atmosféricas de GEE, o calor que está sendo lentamente absorvido pelos oceanos (o que ameniza o aquecimento global) e que será lentamente liberado nos próximos séculos, será mais um elemento que contribuirá para o aumento das temperaturas médias globais em longo prazo.

Dados paleoclimáticos podem agregar novos parâmetros, complementares aos modelos matemáticos, na definição de valores mais sólidos para a sensibilidade climática (Ruddiman et al., 2005). Em trabalho recente, Hansen (2008), professor da Columbia University e pesquisador da NASA, estimou por meio de testemunhos de gelo e modelos matemáticos que, ao incorporar as retroalimentações climáticas de resposta lenta, a sensibilidade climática pode chegar a 6ºC - o dobro considerado pelo IPCC em seu último relatório – e identificou a concentração de 450ppm de CO2 atmosférico como limite acima do qual a superfície terrestre caminhará inevitavelmente para um cenário de ausência total de coberturas de gelo, o que implicaria em impactos imensuráveis aos sistemas humanos, uma vez que a maior parte da população do planeta localiza-se próxima a costa (Hansen et al., 2008; Berger e Loutre, 2002). Este valor de concentração é o limiar (tipping point) após o qual o sistema climático transmuta-se para um novo estado de equilíbrio, sendo sua realização inexorável, mesmo que se efetive a redução das emissões antropogênicas (Folke et. al., 2004, Hansen et al, 2008, Friedlingstein, 2005 , Scheffer, 2001 ).

Atualmente (2008) as concentrações de CO2 giram em torno de 385ppm, com taxa média de crescimento de 2 ppm/ano, o que implica que, se nada for feito,

46 chegaremos ao limiar de CO2 proposto por Hansen em cerca de 30 anos. Um tempo muito curto diante da inércia comportamental da sociedade e político-institucional, principalmente quando falamos em escala global. Ele ainda ressalta que este limiar pode estar superestimado e há possibilidade das atuais concentrações já implicarem em efeitos deletérios irreversíveis.

Ademais, espera-se que o aumento das temperaturas intensifique a freqüência e a força de eventos extremos como estiagens, cheias e ondas de calor, com incalculáveis prejuízos socioeconômicos, ambientais e psicológicos (Perry, 2008; IPCC AR 4, 2007). A elevação do nível do mar, a perda de biodiversidade e a proliferação de refugiados climáticos agregam mais desafios à sustentabilidade das gerações futuras.

Segundo a defesa civil brasileira, as enchentes que atingiram 207 municípios em sete estados nordestinos no primeiro semestre de 2009 resultaram em prejuízos de mais de 1 bilhão de reais, afetando 800 mil pessoas. Cenários semelhantes foram observados nas enchentes do vale do Itajaí em Santa Catarina e dos tributários do rio Amazonas no estado homônimo, também em 2009, com graves impactos na infra- estrutura, perdas de vida e disseminação de doenças de vinculação hídrica. Ironicamente, estiagens atípicas assolaram o sul do país no mesmo período, comprometendo safras inteiras, tornando vulnerável a situação financeira de muitos agricultores. Mais recentemente, na primeira quinzena de setembro, chuvas intensas assolaram São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A maior região metropolitana do país parou: ruas alagaram, encostas deslizaram e inúmeras pessoas ficaram desabrigadas. Também foram registrados óbitos. Em Santa Catarina, na mesma semana, tempestades severas atingiram 28 municípios do estado, deixando no espaço de alguns dias 17.000 pessoas sem casa, entre desalojados e desabrigados, sendo a zona rural a mais afetada11. É a segunda vez este ano que SC vê seu território severamente assolado por extremos climáticos.