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4. CUSTOS E BENEFÍCIOS DA CONSERVAÇÃO

4.2. Estado, Mercado e Sociedade

Além de atuar como doador de volumosas quantias para fundos climáticos globais e investir diretamente em pesquisas relacionadas ao tema, os Estados tem papel crítico na regulação do Mercado, outra força fundamental na governança climática global e cuja voracidade impacta diretamente na intensidade com a qual a natureza é explorada pelo homem.

A atual crise econômica explicita os perigos de um mercado sem os olhos e as mãos do Estado. Ao contrário do que alardearam alguns idealistas anacrônicos, não foram as fundações do capitalismo que tiveram suas estruturas abaladas, mas sim o paradigma do livre comércio, do Estado mínimo neoliberal, da confiança cega na mão invisível do mercado, regulando a si próprio e capaz, assim, de garantir a saúde econômica e social (Bava, 2008). A ignorância consciente por parte das elites políticas dos perigos associados ao enfraquecimento do Leviatã levou a atual crise. De modo reativo, os Estados intervieram no mercado como há muito não se via, transferindo trilhões de dólares do Capital público para o setor privado a fim de mitigar as conseqüências da crise. Do ponto de vista ambiental, as conseqüências são ambíguas. Se por um lado uma recessão global implica na redução do crescimento econômico e, por conseguinte, da pressão sobre os recursos naturais, por outro, parte do capital que estava sendo mobilizado para políticas e pesquisas relativas às questões ambientais e, em especial, para as mudanças climáticas, foi redirecionado na contenção de um colapso econômico com impactos sociais imensuráveis.

Abriu-se uma oportunidade de retomar o crescimento econômico e reduzir o desemprego por meio do que muitos chamaram de New Deal verde (UNEP, 2009) fomentado o desenvolvimento por meio do fomento a práticas produtivas mais sustentáveis. Porém, visando aquecer a economia e diminuir o impacto nas vagas de trabalho, o governo brasileiro, como nunca antes na história deste país, resolveu reduzir o IPI dos carros, estimulando as vendas de automóveis. A alternativa adotada pelo governo potencializou a proliferação de um transporte individual, emissor de gases de efeito estufa e responsável por infindáveis congestionamentos, sem ao menos criar condicionantes ambientais para a consolidação de indústria

123 automobilística mais limpa, como fez a gestão Obama. A oportunidade se transformou em retrocesso, e a medida paliativa de hoje, imediatista e reducionista, pode contribuir para o aumento das contribuições brasileiras de CO2, aumentando a inércia comportamental e nos aproximando um pouco mais do colapso.

Ademais, a perspectiva de redução do crédito internacional nos próximos anos pode interferir negativamente nas estratégias de mitigação e adaptação que envolva instrumentos econômicos na sua execução, porém não justifica a negação da utilidade destes na gestão climática em curto prazo.

Existe uma série de instrumentos focados no Mercado que podem fomentar cadeias produtivas menos intensivas em carbono ou gerar recursos que possam ser destinados ao PSA pela regulação climática. O fortalecimento do Estado frente ao mercado é essencial nesse processo, regulando setores e direcionando o desenvolvimento por meio das regras do próprio mercado, como o estabelecimento de ecotaxas que modifiquem a relação entre os custos e benefícios de atividades intensivas em carbono, resultando na alteração da tomada de decisão dos atores individuais e de mercado (Lemos e Agrawal, 2006).

4.2.1. Estado: Impostos e Taxas

Além de agregarem complexidade aos critérios de escolha, as ecotaxas também recolhem divisas que podem financiar projetos de mitigação e adaptação como a própria compensação financeira dos atores responsáveis pela conservação florestal.

O ICMS ecológico, por exemplo, é uma iniciativa que alguns estados brasileiros tomaram, destinando parte dos impostos arrecadados sobre circulação de mercadoria e serviços para os municípios que tenham ações ambientais em seus territórios. Normalmente, os estados consideram a contribuição de cada município para a economia estadual como principal critério na hora de redistribuir o quinhão correspondente do ICMS. A proposta do ICMS ecológico é agregar critérios ambientais à esta distribuição, sem aumentar a arrecadação. Portanto, não é mais uma forma de taxação; é, antes de tudo, uma modalidade de pagamento por serviços ambientais que redireciona recursos já existentes aos municípios que contemplem em seus limites certas práticas ambientais30. O Rio de Janeiro, por exemplo, definiu a efetiva implementação de Unidades de Conservação, inclusive RPPNs, coleta e destinação dos resíduos sólidos e qualidade dos recursos hídricos como critérios na redistribuição dos 25% do ICMS destinados as municipalidades (lei Estadual nº 5100, 2007). Is so

30

124 não implica que tais divisas serão reinvestidas na área ambiental, mas já é um incentivo a adoção pelas prefeituras de parâmetros ambientais a fim de aumentar os seus orçamentos, resultando em adequações que transcendem a conservação da biodiversidade e os serviços por esta prestada, mas também impacta positivamente no planejamento e gestão urbana.

Novas taxas sobre produtos e serviços também podem ser estratégias interessantes. Na Costa Rica, país referência no que tange ao PSA, a taxação do petróleo vem contribuindo para o pagamento de U$ 40 por hectare de remanescente de floresta conservado para proprietários rurais que assim procedam (Castro, 1998 apud Balmoford e Whitten, 2008). Outras cadeias produtivas intimamente relacionadas ao petróleo também podem ser oneradas, como a indústria automobilística e construção civil. Cabe a ressalve que medidas desse tipo exigem simultaneamente alternativas como transporte público de qualidade e materiais de construção menos intensivos em carbono.

Outra taxa que merece ser citada é a Tobin. Proposta em 1972 pelo Nobel James Tobin previa uma alíquota incidente sobre as transações financeiras internacionais, variando entre 0,1% e 0,25%, cujo objetivo consistia em reduzir a especulação do mercado financeiro, (Neto, 2007). Além de regular a especulação inconseqüente, prática responsável pela crise econômica de 2008, a arrecadação seria depositada em um fundo e investida na redução da pobreza e suas vertentes.

De forma semelhante, parte dos recursos poderia ser redirecionada a conservação ou a outras propostas de cunho ambiental. Considerando as alíquotas acima apresentadas e que, em 2002, as transações financeiras globais giravam diariamente em torno de U$ 1,5 trilhões (Neto, 2007), seriam arrecadados entre U$ 500 – 1.300 bilhões anualmente, um valor muito superior aos U$ 16 bilhões estimados como suficientes para cobrir os custos ativos e passivos da Conservação (Balmoford e Whitten, 2008). A questão climática tem apelo significativo na comunidade internacional para justificar taxações dessa ordem.

4.2.2. Mercado de Carbono

Mercados de carbono apresentam-se como outra forma de angariar fundos para estratégias de mitigação às mudanças climáticas. O princípio que subjaz tal abordagem consiste no reconhecimento dos limites ecossistêmicos em comportar as externalidades ambientais negativas geradas pela apropriação humana da natureza, buscando, portanto, estabelecer tetos de emissão que orientem o seu uso. É uma

125 forma de amenizar os custos associados à mitigação, diminuindo o preço exigido por unidade de redução ao remunerar práticas que do contrário não seriam tomadas caso não houvesse incentivos econômicos (Sandor, et. al, 2002, Napster, 2008).

Alguns críticos analisam de forma superficial o mercado de carbono dentro do contexto de Kyoto, afirmando que tem pouca efetividade, pois permite aos países emissores do Anexo 1 “pagarem” pelo direito de emitir gases do efeito estufa. Tal afirmação não está tão longe da realidade e alerta para perigos ocultos nesta proposta, porém há outras perspectivas a serem analisadas a partir da mesma constatação. As metas de redução estabelecidas no Protocolo de Kyoto para os países industrializados exigem mudanças drásticas na matriz energética e tecnológica que suporta a produção e, por conseguinte, a economia destes países. As adequações a esses requisitos demandam tempo e dinheiro, tendo que ser visto dentro de uma perspectiva de médio-longo prazo. Assim, a geração de créditos por meio de projetos de MDL ou outras formas de flexibilização propostas no protocolo permite uma redução líquida global das emissões, apesar de individualmente alguns países terem incrementado suas contribuições. Paralelamente, fomenta escolhas de tecnologias menos intensivas em carbono nos países em desenvolvimento.

Sistemas pautados em mercados que comercializam créditos relacionados ao cumprimento de metas pré-determinadas são chamados sistemas Cap-and-trade (cadernos NAE, 2005). O resultado líquido das contribuições individuais, seja de empresas ou setores da economia, seja de países, associadas a transações envolvendo permissões, devem atingir tetos estabelecidos ex ante. De um ponto de vista pragmático, o resultado é eficiente.

O mercado de SO2 instituído nos EUA na década de 1990 é um caso bem sucedido das potencialidades dos sistemas cap-and-trade. Tendo como objetivo amenizar as conseqüências das emissões de dióxido de enxofre, os créditos comercializados, também referidas como permissões de emissões, viabilizaram a redução significativa do volume de SO2 nos EUA a um custo anual de US$ 1-2 bilhões, significativamente menor que a economia com saúde pública estimados em US$ 12-40 bilhões (Sandor et. al , 2002). Adicionalmente, incentivaram-se soluções e inovações tecnológicas mais eficientes e menos custosas. É um exemplo que pode subsidiar a construção de mercados de carbono. Algumas estimativas apontam que os créditos de carbono mobilizarão cerca de US$ 10 bilhões em 2010, sendo que 10% deste valor corresponderia ao Brasil (Banco Mundial, MIT e UNCTD, 2004, apud cadernos NAE, 2005).

126 Entretanto, a emergência de uma nova economia que incorpore o mercado de carbono no enfretamento da questão climática, pautada em uma gestão global, encontra dificuldades na incorporação de realidades ecológicas e sociais locais (Adger et. al, 2001, apud Brown, 2003). Tal dificuldade resulta em parte do fato dos mercados não surgirem espontaneamente, mas sim impostos de cima para baixo, criados por instituições globais e nacionais, ignorando especificidades locais como relações tradicionais de direito a propriedade e uso da biodiversidade.

Outro desafio crítico é a construção de uma rede institucional que proporcione uma interação equitativa e satisfatória entre os atores envolvidos e estabeleça projetos de desenvolvimento sustentável nas comunidades locais. A maioria dos estudos até aqui empreendidos no assunto focaram aspectos técnicos e de custos de projetos, porém tiveram pouca ênfase no aspecto institucional e, mesmo quando este foi alvo de pesquisas, centrou-se em arranjos institucionais na escala internacional e nacional, com pouca atenção dada a interface entre atores nacionais, engenheiros de projeto e comunidades locais (Brown et. al, 2003).

Atualmente, há um receio por parte dos mercados de carbono em incorporar projetos de Conservação como estratégias de mitigação das mudanças climáticas devido a uma série de incertezas na verificação e monitoramento das emissões evitadas, assim como o perigo de vazamento do desmatamento para outras regiões que não sejam contempladas por projetos de tal magnitude. Portanto, os programas chamados em conjunto de Reduções das Emissões do Desmatamento e da Degradação (REDD) não encontraram espaço no protocolo de Kyoto, apesar de ter grande potencialidade nos acordos internacionais pós 2012.

4.2.3. Escolha individual: O cidadão como sujeito da Governança

Climática

Por fim, da perspectiva econômica, o cidadão pode atuar como sujeito na gestão climática global. Uma vez que a lógica do mercado esteve sempre baseada na relação entre demanda e consumo, a exigência por parte dos consumidores de produtos que sejam menos insustentáveis do ponto de vista climático pode promover modificações significativas no padrão de emissões de gases do efeito estufa, principalmente em uma economia globalizada que vem se consolidando ao longo dos últimos cinqüenta anos.

Mais uma vez o uso de indicadores pode fazer contribuições significativas ao fornecer informações que subsidiem a tomada de decisão do consumidor sensível a

127 questão climática. Para a efetividade da ação individual, sistemas de certificação e rotulagem devem ser desenvolvidos a contento, de modo a garantir o comprometimento das cadeias produtivas de mercadorias e serviços com a mitigação das mudanças climáticas (Lemos e Agrawal, 2006; Balmoford e Whitten, 2008).