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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RECURSOS RETÓRICO-ARGUMENTATIVOS Eu sou estas casas

3.1 Ciências da linguagem: alguns enfoques

O estudo da linguagem, preliminarmente, requer a fixação de alguns conceitos, para não subverter o fio condutor que norteia a tessitura deste trabalho e, ainda, possui a finalidade de especificar o seu campo de abrangência. Para tanto, e pela natureza desta pesquisa, as Ciências da Linguagem serão avocadas nos aspectos em que se aproximam, corroborando, assim, para a clareza da análise do objeto de estudo e, conseqüentemente, da produção de sentido.

3.1.1 Concepções de Linguagem

O modo como se concebe a natureza fundamental da linguagem, uma vez considerada a intenção que norteia os objetivos, é responsável pela forma sobre a qual se assenta a estrutura de um texto, pela escolha lexical, adequações terminológicas e, sobretudo, pela geração de sentido capaz de traduzir o ânimo motor daquela produção.

Parece conveniente ainda, apenas em termos conceituais, abordar cada uma das três possibilidades distintas de conceber a linguagem, para tecer maiores considerações sobre aquela concepção pertinente ao objetivo inicial.

3.1.1.1. Expressão do pensamento

Para Travaglia (1996), a primeira concepção vê a linguagem como forma de expressão do pensamento. Segundo essa concepção, a expressão se constrói no interior da mente, exteriorizada por uma espécie de tradução de um ato monológico, individual, sem qualquer influência das circunstâncias contextuais. Assim, as leis de organização lingüística estão atreladas às leis da psicologia individual e à capacidade particular de organizar um pensamento lógico. Essa concepção é adepta da presunção de que existem regras a serem

seguidas para a organização lógica do pensamento e conseqüentemente da linguagem. Estas estão consubstanciadas nas normas gramaticais do “bem” falar e escrever, resultando no que se convencionou chamar de gramática normativa.

3.1.1.2. Instrumento de comunicação

A segunda concepção, de acordo com o lingüista acima citado, vê a linguagem como instrumento de comunicação. Aqui a língua é vista como um código, ou, por outras palavras, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, que permite instaurar a transmissão e recepção de mensagens e informações entre falantes que dominam um mesmo código. Dessa forma, Neder (apud TRAVAGLIA,1996) esclarece que:

o sistema lingüístico é percebido como um fato objetivo externo à consciência individual e independente desta. A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indestrutível, peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal.

Essa visão monológica, partidária de uma perspectiva formalista, estuda a língua enquanto código virtual, desvinculado de sua utilização na fala ou no desempenho, conforme os pressupostos do estruturalismo de Saussure e o transformacionalismo de Chomsky, o que reduz o estudo ao funcionamento interno da língua, afastando-se do que nesta é social e histórico.

3.1.1.3. Forma de interação

A terceira concepção, continuando na mesma esteira, vê a linguagem como forma ou processo de interação. Isto significa que ao usuário da língua é permitido fazer desta uma ferramenta capaz de ajudá-lo na aproximação com seus semelhantes e no entendimento dos anseios da espécie humana. Esta concepção de linguagem não se configura tão-somente pelo fato de traduzir e exteriorizar pensamentos; não se detém apenas na esfera da transmissão de mensagens a outrem; não comunga o pressuposto de que a verdadeira substância da linguagem seja constituída de um sistema abstrato de formas

lingüísticas; antes, prevê que a interação verbal, como uma realidade essencial da linguagem, permite ao falante atuar sobre o interlocutor, ou melhor dizendo, interagir com o seu ouvinte e/ou leitor. Nessa perspectiva,

A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido, entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e falam e ouvem desses lugares de acordo com formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais (TRAVAGLIA, 1996, p. 23).

Convém lembrar que o termo interação, em alguns momentos, acaba extrapolando a conceituação de concepção de linguagem, para ser empregado com a intenção de descrever o processo de comunhão homem-natureza, donde os elementos humanos e naturais se mesclam e se absorvem, no sentido de produzir novos efeitos de sentido a partir das qualificações que se emprestam mutuamente, resultando num efeito artístico de criação do belo através da palavra.

Diante do exposto, afigura-se com bastante clareza a opção que neste estudo se faz pelo enfoque contemplado pela terceira concepção de linguagem – linguagem como

processo de interação. Em primeiro lugar, esta opção, além de ser coerente com o objeto

deste estudo, encontra também sua justificativa nas noções acerca da teoria da linguagem literária – estilística léxico-semântica - uma vez que a visão panorâmica compõe-se de obras literárias, donde se pretende extrair e analisar, à luz dessas teorias, imagens verbais representativas de um universo sociocultural, ideológico, produzidas pela veia regional do autor sul mato-grossense Hélio Serejo.

Por outro lado, a necessária delimitação do corpus, objeto da análise, requer um exame à luz da teoria retórico-argumentativa. Para tanto, se faz mister trazer conceitos, alguns dados e elementos estruturais desta teorização de maneira a estabelecer uma íntima sintonia entre o processo interacional da linguagem e a técnica retórico-argumentativa. Já foi dito que aquela concepção de linguagem preza, sobremaneira, pela aproximação do homem com o seu semelhante, ou seja, pelo encontro do ego com o alter. Mas esse encontro não é mecânico, gratuito. Ao contrário, está carregado de intenção. Enseja

compartilhar e, nesse sentido, procura a adesão, o convencimento, a persuasão. Neste momento entram em cena os recursos retórico-argumentativos compatíveis ao processo.