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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RECURSOS RETÓRICO-ARGUMENTATIVOS Eu sou estas casas

3.3 O discurso retórico

3.5.8 Vim, meus irmãos, dos entreveros da fronteira, dos ervais

sombrios, dos caminhos perdidos, do pôr-do-sol que magnetiza, dos galpões das estâncias, do chão poeirento das encruzilhadas; vim conduzido pelas mãos bondosas, amigas e piedosas do eternamente lembrado José de Mesquita, o estilista suave, cuidadoso e brilhante; de Rubens de Mendonça, historiador fecundo e poeta de permanente inspiração, e de tantos outros vultos proeminentes das letras de Mato Grosso, que fazem parte deste sodalício. (Da linha 166-75, doc. original p. 150)

O penúltimo bloco (3.5.8) pode ser visto como o portador das provas: Vim, meus irmãos ... deste sodalício. O fato de ter como antecedente um passado de lutas, sofrimentos, dificuldades e sensibilidade creditam-lhe um conjunto de prerrogativas que faz com que ele seja reconhecido por aqueles que cultivam esses mesmos valores, funcionando, agora, como elo entre os que comungam os mesmos ideais. Não se dá de forma gratuita a sua entrada e permanência na Academia. Prova disso é o argumento de autoridade alicerçado em nomes como o dos Acadêmicos José de Mesquita e Rubens de Mendonça que, na voz de Serejo, são detentores de brilhantismo e inspiração, reconhecem também as suas qualidades de estilo e fecundidade de trabalho e conduzem-no pela mão, assim como o Mestre fez com seus discípulos.

Para Breton (2003, p.75-80), o argumento de autoridade está situado dentro da categoria ‘o enquadramento do real’ que permite construir o fundo no qual a opinião proposta encontrará, harmoniosamente, o seu lugar. Esse real de referência será, para o auditório, a condição de aceitabilidade do que se deseja convencer. Nessa perspectiva, essa autoridade deve ser, também, aceita pelo auditório, para que o resultado seja a aceitação da

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Perelman (2002, p. 220) define como “quase-lógicos” os argumentos que podem ser comparáveis a raciocínios formais, lógicos ou matemáticos. Daí, uma espécie de garantia de sua força persuasiva, uma vez que esta advém de sua aproximação com raciocínios incontestes. Este autor classifica estes argumentos em: “aqueles que apelam para estruturas lógicas – contradição, identidade total ou parcial, transitividade; em segundo, os que apelam para relações matemáticas – relação da parte com o todo, do menor com o maior, relação de freqüência”.

proposta pela sua verossimilhança. “Aceitação do argumento de autoridade funciona, então, como uma delegação permanente do saber”. Isto traz à tona a conhecida questão retórica da confiança, ou seja, se o orador inspira confiança, o enquadramento do real por ele proposto terá maior aceitabilidade. Mais adiante Breton (2003, p. 80-4) explica que o argumento de autoridade se perfaz por três tipos de raciocínio: pela competência, pela experiência e pelo testemunho. Breton, estribado na lição de Perelman (2002, p. 415), destaca: “geralmente, antes de invocar uma autoridade, nós a confirmamos, procuramos consolidá-la e dar-lhe o caráter de seriedade de uma testemunha aceitável”.

Vale destacar, neste ponto, a recorrência às características descritas no segundo bloco analisado, reiterando-as como uma forma de dizer que embora o seu “jeito xucro” ele chegara até esse momento solene e formal. Isso em nada o deprecia, ao contrário, revela a sua fibra, seu caráter, sua personalidade, pois mesmo diante de tão significativa circunstância, ele não se deixou corromper pela vaidade, pelo orgulho, ou pela negação de suas origens. Continua simples e terno como se descrevera inicialmente, revelando, também, o seu lado como leitor atento conhecedor do mundo da escrita através do esboço de crítica aos seus patronos e conterrâneos. E é este, justamente, o argumento que valida a sua passagem, ou seja, o fato de conhecer e ser conhecido.

3.5..9 Vim, meus impolutos e nobres confrades, para ficar ao lado de

todos, indistintamente, e de todos receber, diuturnamente, as lições de cultura, que forjarão no coração do prosador rude a compreensão de sabedoria. Com a ajuda cristã de todos – formadores do mar bravio, revolto e tempestuoso da cultura – a gota de orvalho, pequenina e insignificante, crescerá também.

Que o Onipotente me dê forças para acompanhar-vos na grande caminhada cultural! Sou fraco e tão pequeno, mas desejo crescer amparado, piedosamente pelos luminares da cultura mato grossense. Tudo por Mato Grosso, hoje, amanhã e sempre, mestres de muita sabença e irmãos de ideais literários56. (Da linha 176-90, doc. original p. 150)

No último bloco (3.5.9), “Vim, meus impolutos e nobres... [...] ...irmãos de ideais literários”, o orador retoma todo raciocínio anteriormente encetado para reiterar sua

56 Esta disposição não corresponde à paragrafação feita pelo autor. Procurei dispor o texto em blocos porque

permitirá visualizar de forma mais clara os recursos retórico-argumentativos existentes em cada conjunto, para depois relaciona-los ao todo. No documento anexo, a partir da p. 14? O Discurso, objeto desse estudo encontra numerado em linhas de cinco em cinco, momento em que se respeita a paragrafação original.

pequenez diante dos Confrades e de Deus e faz um apelo a Este para que ele possa ser, primeiramente, receptor e, depois, transmissor da cultura mato-grossense. Vale ressaltar que o orador retoma a metáfora da água para com ela reiterar a identidade de matéria. Isto se confirma também com o emprego do advérbio indistintamente, que pode ser traduzido como sem diferença, sem separação. Aquilo que não apresenta distinção semelhante é. Tanto é evidente a noção de paridade que ele sabe ser o seu lugar ao lado de todos.

O último parágrafo desse bloco final contém um apelo veemente, é um quase-grito em que os ecos da tópica do abandono expressa pelo clamor para que “o Onipotente me dê forças para acompanhar-vos”, ou seja, “não me deixem”, “não me abandonem”, cantada pelos antigos e pelos nossos poetas parnasianos, se mesclam com os ecos da tópica do oprimido em “sou fraco, pequeno”, para ressoar fortemente na tópica do ufanismo em “tudo por Mato Grosso, hoje amanhã e sempre”. É interessante como as noções de grau de capacidade e de dimensão temporal são levadas ao extremo ( - O que faremos? - Tudo! - Quando? – Sempre! ). É o momento da epifania (para usar uma figura presente na obra de Clarice Lispector), momento em que se descortina uma revelação: o que aparece é o Acadêmico cuja qualidade da obra e tenacidade laboriosa abriram-lhe a porta daquela Instituição Cultural.

Convém destacar, neste momento, que o discurso na íntegra não se encera aqui. Há, ainda, a saudação ao Patrono, ao antecessor do Patrono com relatos de glórias e mortes trágicas, uma homenagem a Cuiabá, mas não foi objeto deste estudo, pois o recorte feito se mostrou produtivo à proposta inicial. Com isso quero salientar que a observação de todas as partes de um discurso clássico pode não ser perfeitamente visíveis. No entanto, das cinco etapas para a elaboração (inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio) as três primeiras foram percorridas pelo próprio orador. A memorização não foi realizada uma vez que a apresentação ao público foi feita por um terceiro como dito anteriormente.