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DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RECURSOS RETÓRICO-ARGUMENTATIVOS Eu sou estas casas

3.3 O discurso retórico

3.4.1 Forma e matéria

A argumentação tem sua sistematização registrada, pela primeira vez, nos tempos iniciais da Retórica Antiga. A Grécia submetida ao poderio do dominador romano seduziu e dominou o conquistador não pelo contingente militar, mas, sobretudo, pela palavra. É em Aristóteles que se encontra o esquema da estrutura e funcionamento do discurso, até hoje empregado, consideradas as modificações advindas do progresso dos estudos da linguagem.

Notadamente, essas instâncias dispõem-se em uma seqüência lógica e permitem afirmar a sua atualização nos pressupostos da lingüística textual desenvolvida, sobretudo,

na Europa, a partir da década de 60 do século passado. O conceito de texto, na visão etimológica texere, parte da idéia de entrelaçamento das partes para formar um todo significativo e passa pela noção de textualidade, onde os recursos coesivos, relacionados com o material conceitual e lingüístico formam um conjunto de condições para que fatores pragmáticos como a intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade, intertextualidade, entre outros, promovam um resultado coerente neste processo sociocomunicativo.

Diante do modelo clássico e das formulações atuais, é possível perceber a incidência dessa estrutura em diversas modalidades discursivas que operam leves adequações com a intenção de dar ao orador recursos suficientes para articular fatos e conceitos, num exercício de progressividade e compatibilidade entre as ocorrências explícitas e as possíveis inferências, de tal forma que seja mantida a unidade, mesmo diante da apresentação de novas informações. Tudo isto na perspectiva de compor um texto cujos aspectos lingüísticos, formais e pragmáticos interajam harmonicamente de modo a interagir, também, com o contexto de recepção.

Assim sendo, acredito ser bastante coerente a aproximação do velho ao novo pelo fato de não se poder creditar ao texto uma inocente solitude, quando sobreleva o reconhecimento de um já-dito em relação a outros anteriores que funcionam como seu contexto. Desta forma, o exórdio é reconhecido como o preâmbulo, o início, a introdução; os meios de refutação correspondem aos recursos, à metodologia adequada; da narração enfeixa a exposição dos fatos, das opiniões que se quer partilhar; na instância das provas reside toda a carga argumentativa, o que por sua vez recorrerá a outros expedientes que concorram para a verossimilhança, qualidade esta que individualiza o texto retórico; o epílogo se encarrega do fechamento das atividades discursivas, reiterando a plausibilidade de tal posicionamento perante aquela realidade ou a necessidade de mudança.

Em sua Arte retórica, Aristóteles trata de componentes significativos da linguagem como a gramática, a filosofia da linguagem, a estilística e as relações da retórica com a dialética. Nesse Tratado, o Autor categoriza as provas referindo-se a provas técnicas, extratécnicas, morais e subjetivas, as quais comporiam um conjunto de regras que ensinariam como se faz e qual o significado dos procedimentos persuasivos.

A palavra dialética deriva de dialegesthai (falar com, discorrer, raciocinar). O falar com já pressupõe a presença de um interlocutor. Posteriormente, a significação da palavra foi ampliada para “discorrer com o fim de atingir a verdade que pode executar-se através de duas pessoas ou ser o diálogo silenciosamente conduzido pela alma consigo mesma”, conforme se lê na República (PLATÃO, 1972, p. xxxi).

O raciocínio dialético não pretende se afirmar nem conseguir a adesão dos interlocutores lançando mão de quaisquer meios; não se afigura como um expediente retórico, cujo principal objetivo é a vitória nos embates, não legitima toda e qualquer manifestação do intelecto humano. De acordo com Tringali (1988, p.192),

(...) o sentido pejorativo acompanha a Retórica desde suas remotas origens com os sofistas, que só cuidam de ensinar a técnica da Retórica, como um instrumento independente do conteúdo e, como conseqüência, defende-se indiferentemente o justo como o injusto, pois, o que interessa acima de tudo, é tornar forte uma causa fraca, salvar causas perdidas,

O raciocínio dialético é aberto a discussões, permitindo controvérsias e discussões, embora a intenção do orador esteja voltada para trabalhar as hipóteses de maneira a convencer o auditório daquela que pretende seja mais aceitável.

Vale ressaltar, neste passo, a lição de Gadamer (1999, p. 536), ao discutir questões relativas à colocação de uma pergunta, ou seja, se uma pergunta pode ser correta ou falsa. E, ele mesmo responde que “uma pergunta é falsa quando não alcança o aberto, mas o desloca pela manutenção de falsos pressupostos”, em cuja anterior argumentação assim orienta:

Na medida em que a pergunta se coloca no aberto, abarca sempre o que foi julgado, tanto no sim como no não. Nisso se estriba a relação essencial entre perguntar e saber. Pois a essência do saber não consiste somente em julgar corretamente, mas em excluir o incorreto ao mesmo tempo e pela mesma razão. A decisão é o caminho para o saber.(...). Só se chega a saber a coisa mesma quando se resolvem as instâncias contrárias e quando a vista perpassa os contra-argumentos na sua incorrectura. (GADAMER, 1999, p.357)

A retórica é uma variante do raciocínio dialético, é um espaço que concilia dados racionais e emocionais, que não pode evitar os debates, antes, sim, deve considerar os argumentos que se usam em determinadas ocasiões, embora privilegie o envolvimento do auditório. Trata-se, pois, de instaurar o pluralismo de opiniões, tendentes a uma abertura interativa, em que os meios empregados não desvirtuem a noção de ética e nem conduzam à perversão da palavra e do discurso.

A estrutura do primeiro discurso acadêmico produzido por Hélio Serejo, por ocasião de sua tomada de posse na Academia Mato-grossense de Letras em 1973, lembra a lição clássica. Existe aqui a tentativa de investigar a sua aproximação ao modelo aristotélico, tendo por princípio norteador a noção de assunto e a finalidade a que deve obedecer cada uma das partes45. Ainda, verificar a composição do discurso laudatório sob o ponto de vista material e formal através do conteúdo retórico e do molde argumentativo empregado para revesti-lo.

3. 5 Instâncias do discurso: Descrição e análise