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Ciberjornalismo e a evolução para um meio próprio e singular

Capítulo II – Ciberjornalismo como ambiente de evolução da reportagem

2. Ciberjornalismo e a evolução para um meio próprio e singular

O sítio jornalístico do Departamento de Jornalismo da Universidade da Florida, nos Estados Unidos, é considerado o primeiro do tipo em operação no mundo. Ele foi ao ar em 1993, poucos meses após o lançamento do navegador Mosaic. Era uma página básica,

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estática, com uma imagem do departamento, e atualizações esporádicas durante as noites e os finais de semana (Siapera e Beglis, 2012, p. 1).

Logo em janeiro do ano seguinte, o primeiro veículo tradicionalmente impresso a entrar para o mundo online foi o Palo Alto Weekly (Díaz Noci, 2013, p. 258). No Reino Unido, em novembro de 1994, o Daily Telegraph lançou sua página na internet, um ambiente estático e com links para artigos. As atualizações ocorriam apenas uma vez ao dia, seguindo o ritmo da rotativa de papel (Siapera e Beglis, op. cit., p. 1).

O ano de 1995 foi um período marcante para os primeiros passos do jornalismo na internet, quando mais de 150 jornais já estavam na World Wide Web. Não havia, entretanto, preocupações com o mundo digital como um meio próprio. Tratava-se mais de um movimento estratégico para evitar que se ficasse longe da revolução tecnológica que batia às portas da redação do que, propriamente, a criação de veículos puramente online (Díaz Noci, op. cit., p. 258).

No Brasil, o primeiro sítio jornalístico foi o do Jornal do Brasil, em maio de 1995. Na sequência o jornal O Globo e a agência de notícias do Grupo Estado também lançaram suas versões eletrônicas. (Ferrari, 2017, p. 25). Apesar de nos Estados Unidos o surgimento de portais de conteúdo estar ligado aos sites de busca, no Brasil e no restante do mundo foram os jornais “o primeiro meio a avançar para as edições na Web” (Edo, 2002, p. 103, cit. in Canavilhas, 2014a, p. 3).

Nessa primeira fase de contato do jornalismo com a internet, entre 1997 e o final de 2000, os principais sítios de conteúdo, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, apostaram na “oferta abundante de conteúdo, muito mais voltado ao volume de notícias do que ao aprofundamento da matéria” (Ferrari, 2017, p. 28).

Em vez de ver a web como um novo meio, com características próprias, as empresas tradicionais a encararam como uma nova ferramenta para distribuir conteúdos, originalmente produzidos em outros formatos. Na melhor das hipóteses, via-se a presença na Internet como uma extensão ou um complemento do produto tradicional. Assim, esta primeira década do jornalismo digital foi caracterizada por este pecado original: a simples transferência do conteúdo de um meio tradicional para outro novo, com pouca ou nenhuma adaptação. Nos Estados Unidos, este processo ficou

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conhecido como shovelware, um termo que acabou sendo pejorativo, por demonstrar a preguiça e a falta de visão das empresas que se lançavam muito timidamente à web (Alves, 2006, p. 94).

González (2001, p. 75) denomina esse modelo do jornalismo na internet de “facsimilar”. Na fase inicial, os jornais simplesmente reproduziam as páginas impressas e enviavam em formato PDF para suas versões eletrônicas. Na sequência, uma breve evolução ficou marcada por um modelo adaptado, no qual transpunham-se os textos da versão impressa para páginas na internet, com o incipiente uso de links, abuso excessivo de texto e simplicidade no design.

Na cronologia dos produtos jornalísticos na web, Canavilhas (2014b, pp. 120-121) divide sua evolução em três gerações. A primeira mantém a ligação com a versão impressa, baseada em transposição de conteúdo. Na segunda, inicia-se a utilização de hipertexto e elementos multimídia. No terceiro momento, acaba-se com a periodicidade de atualizações e passam a ser usados corriqueiramente a hipertextualidade, a interatividade e multimidialidade.

De acordo com Ferrari, essa terceira fase ocorre a partir de 2001 no Brasil, quando os proprietários de jornais perceberam que era preciso fazer investimentos em tecnologia e design para levarem suas marcas de forma consolidada e original para o mundo digital. “O mercado passou a preocupar-se mais seriamente com a integração entre conteúdo de qualidade, design acessível e viabilidade financeira” (2017, p. 28).

O que os veículos tradicionais de imprensa demoraram a perceber é que o ciberespaço é “nuevo medio con características proprias que lo hacen diferente del espacio impreso o del audiovisual” e mesmo que não se consiga se despreender dos meios anteriores, apropriando-se de formatos consolidados, o jornalismo na web tem seus traços bem definidos (Díaz Noci, 2004, p. 8).

Siapera e Veglis (2012, p. 4) analisam que o jornalismo online pode ser visto como um caso de adaptação a um novo ambiente por meio de uma reinterpretação do próprio jornalismo, com seus valores e processos. Entretanto, as autoras apontam para uma nova forma de jornalismo, com suas características próprias e que se encaixam perfeitamente no nosso ambiente.

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Salaverría é taxativo: “El ciberperiodismo es mucho más que el periodismo en la Web” (2015, p. 224). Opinião compartilhada por Ferrari, que coloca a internet como algo novo e diferente, “uma outra verdade e consequentemente uma outra mídia”, mais ligada à Sociologia e com particularidades únicas (2017, p. 47).

O ciberjornalismo, portanto, está apoiado nas possibilidades narrativas e modelos comunicacionais específicos para a internet. As características, segundo Bozza, são construídas por padrões e recursos “criados pelo ciberespaço e pela conectividade com redes computacionais e dispositivos móveis” que alteraram significativamente as práticas e rotinas produtivas, bem como a circulação de conteúdo (2018, p. 112).

The development of digital media technologies has been particularly crucial and radically altered virtually every aspect of news gathering, writing and reporting. The collapse of traditional business models to fund and resource a critical and independent journalism, as well as the absence of any widely accepted alternative funding strategy, has triggered a radical reshaping of journalists’ employment, their work places, products, role perceptions, ethical values and ways of working (Franklin, 2013, p. 1).

A internet interferiu significativamente no fazer jornalístico e de forma muito rápida. Essas transformações, que afetam o funcionamento da sociedade e das estruturas que a compõem, não são de simples compreensão, mas “resultado de um complexo conjunto de fatores (...) que, de fato, se encontra associado aos desenvolvimentos tecnológicos” (Ferreira, 2018, p. 132).

Suárez-Villegas (2015, p. 394) alerta que as novidades advindas a partir da web não devem ser ignoradas e que elas constituem uma mudança substancial na interação entre veículos e cidadãos. Exatamente por isso, a internet criou grandes expectativas para o jornalismo, que agora poderia deixar para trás determinados vícios da prática diária nas redações de veículos impressos, e buscar uma reconciliação com a sociedade com práticas sociais mais inclusivas e com mais participação dos cidadãos (Correia, 2012, p. 105).