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Capítulo V – Agência Pública: jornalismo investigativo como missão

Apêndice 2: Entrevista com Fausto Salvadori

Qual a sua trajetória profissional e qual a sua relação com a Agência Pública? Eu me formei em 1999, então sou jornalista há 20 anos. Trabalhei uma parte do tempo com veículos impressos e depois na internet. Passei pelo grupo Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, Grupo Folha, Agora São Paulo, depois a versão online da Folha, que era chamada de Folha Online. Fui colaborador de várias revistas da Abril e da Globo, como a Galileu e outras. Trabalhei no jornal Metro também. Em 2014 fui um dos fundadores da Ponte Jornalismo, que começou dentro da Agência Pública. Ela hospedou a gente por alguns meses, então minha relação com a Pública é próxima. Já tinha feito uma reportagem para a Pública no mesmo projeto, que chamava Guerra e Periferia, com campanhas de microbolsas. Fiz outras pautas com a Pública, então sou um colaborador da Pública, colaboro de vez em quando. A última colaboração foi essa reportagem.

Como surgiu a ideia da pauta?

A própria Natalia (Viana) me procurou e me sugeriu que participasse, inclusive com o tema. Ela tinha visto algum comentário sobre assessoria de imprensa no grupo de discussão da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e disse que eu era a pessoa perfeita para abordar esse assunto que ninguém queria falar. E disse para eu sugerir no grupo para ver se era escolhido. E pesquisei um pouco sobre o tema., não tinha muita coisa sobre isso, e acabei selecionado. E fiz aa matéria.

Especificamente sobre a reportagem, qual foi o principal desafio? Era trazer um tema do mundo jornalístico para o público em geral?

Nós acabamos subestimando o público em geral. O tema de como são feitas as notícias, o mundo por trás do noticiário, as pessoas se interessam. Se não fosse não teriam tantos filmes com bastidores da profissão. Isso só não é mais abordado porque é um tema muito difícil de ser trabalhado em contexto de redação. Quando falamos de agências de comunicação, muitos têm o ‘rabo preso’. Não passa informações, tem uma rotatividade muito grande entre os profissionais, um dia trabalha no jornal, outro na agência. Essa promiscuidade que existe nas agências torna muito difícil abordar esse tema de maneira crítica. Não é comum essa abordagem. O público tem interesse, mas não fazemos mais porque em muitas redações não há independência suficiente para entrar nesse tema. Como

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a proposta da Agência Pública é ser financiado por leitores, não tem rabo preso com ninguém, é um tema que consegue avançar.

Como foi o processo de apuração, encontrar os personagens, e depois a redação? A proposta inicial é diferente do que acabou virando a matéria. Uma das dificuldades foi definir o tema com mais clareza. O tema de assessorias de comunicação é muito amplo e difícil de ser trabalhado e torná-lo interessante. Teria que fazer estudos muito longos. Precisava encontrar um foco, onde o tema fosse mais forte e contraditório, e que chamasse atenção e mostrasse injustiças, um aspecto de denúncia. A chave que encontrei foi quando decidi focar nas agências que trabalham na área pública, na contradição entre a obrigação exigida pela Constituição de que os órgãos públicos informem o público com máximo de transparência possível e ao mesmo tempo os órgãos públicos contratam agências de comunicação que, dada à sua própria natureza, são especializadas em ocultar as informações do público. Aí fui atrás de exemplos e histórias de onde isso acontece. A história que abre a matéria, um raro caso em que a pessoa foi exposta publicamente por conta de ter falado claramente sobre estratégia de lidar com pedido de informação público, na medida do possível dificultar a vida do jornalista, evitar divulgar informações, totalmente contraditório do que um órgão público deveria fazer, mas totalmente lógico dentro da visão política de quem vê a comunicação como arma de guerra para defender um grupo político que está no poder. A matéria foi muito rica porque falei com ele. Conversei primeiro com o chefe dele e fez questão de passar o telefone dele para contar a versão de como tudo aconteceu. Ele foi muito sincero, foi aberto e não se escondeu e fez um retrato exato de como a comunicação pública é tratada no Brasil. O embasamento teórico também foi importante, então a leitura do Eugenio Bucci e a entrevista com ele foi importante para o embasamento teórico para a denúncia que faço na reportagem de que as agências de comunicação que trabalham para órgãos públicos seguem uma lógica privada e não deveria ser assim, citando Constituição, entrevistas, dando outro peso para a matéria. A Amazônia Real também passou um episódio. Com tudo isso montei esse mosaico.

Falando sobre jornalismo investigativo, trazer um assunto que esteja escondido, nessa matéria você conseguiu fazer isso?

Eu consegui trazer a questão desse papel sorrateiro desempenhado pelas agências de comunicação nos órgãos públicos, que são pagas por dinheiro público para esconder

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informação do público. Não é algo totalmente oculto, quem lida com isso no dia a dia, principalmente jornalistas, se acostumaram com isso e acreditam que tem que ser assim. O grande público desconhece. A questão foi chamar atenção a isso, que não é normal isso que aconteça, é um absurdo, dinheiro público para esconder informação pública, é o ponto central da matéria que revelei. A informação pública deveria ser pública, por definição. Além disso, revelar o que tem de errado em algo que muitos consideram banal, e algo que não está à vista das pessoas, do absurdo inerente a esse comportamento. E contar também histórias dos bastidores do jornalismo, que muitos não têm contato.

Em relação à campanha de financiamento, um dos focos é a pauta sendo escolhida pelo leitor. E para isso o jornalista precisa vender essa pauta. Como é defender a pauta, que normalmente é feito para um editor, mas nesse caso é para o leitor. Como você analisa essa mudança de paradigma?

Eu acho que não muda tanto, o jornalista está sempre vendendo a pauta. O jornalista que trabalha num ambiente hierárquico, ele vende pauta para o editor. Mesmo jornalistas que trabalham em ambiente horizontal, como é o caso da Ponte, vendemos pauta uns para os outros. E finalmente a matéria estando pronta, tem que vender para o leitor, estar atraente para o leitor. É um processo que ficou mais importante do que nunca. Como a leitura depende muito das redes sociais, a embalagem se torna muito importante, o título, a foto, são coisas mais importantes do que costumavam ser. Hoje, como todos os veículos dependem das redes sociais para serem lidos, isso de apresentar a notícia com título interessante, imagem, é muito importante. Como era no início do impresso, quando as manchetes eram gritadas na rua. Hoje gritamos nas redes sociais. Esse processo de venda é muito parecido. Na hora de vender a pauta para os leitores da Público foi um pouco parecido com isso, pensar em tornar aquela matéria interessante, chamar a atenção para o tema, como algo envolvente e impactante. Eu acho que como tem muito jornalista, estudante de jornalismo, esse tema acabou chamando muita atenção. É um tema inédito, raramente abordado. Mas é a mesma venda para um jornalista.

E o processo de votação, chegou a acompanhar ou só aguardou o resultado?

Sem muita ansiedade. Eu gostava dos temas que estavam concorrendo comigo, pelo menos uma delas pensei que seria legal ganhar também. Claro que eu queria ganhar e fazer a matéria. Quando eu ganhei, pensei, e agora, porque eu estava preocupado que a pauta estava um pouco aberta. Ela ainda estava muito aberta. Chegou um momento em

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que começou aquele pânico, de não conseguir entregar a matéria que foi prometida, por causa do tema. Mas consegui, com a delimitação do tema, encontrar o foco para a matéria saiu.

E essa pressão de não conseguir entregar a matéria. Isso pesa mais em relação ao leitor que escolheu?

É um compromisso de entregar aquela matéria. É como qualquer compromisso. É a pressão natural de qualquer compromisso profissional que tenha.

Em relação ao crowdfunding, você considera uma boa saída para o jornalismo independente, se não o único, mas um dos caminhos no Brasil?

Uma reportagem como essa, abordando agências de comunicação, não é tipo de reportagem que seria feita em outro veículo, com essa visão crítica, não é comum. Porque as redações trabalham com muita promiscuidade com agências de comunicação, que dependem como fontes de informação, como profissional que fazem muita rotatividade entre redações e agências. Por esses fatores, a reportagem com crowdfunding permite independência e facilita abordar temas mais espinhosos e difíceis de serem tratados em redações tradicionais. Só isso é uma vantagem. E finalmente também permite a sobrevivência de veículos de comunicação, dos nativos digitais, e mesmo nas redações tradicionais com formatos tradicionais, como anunciantes, já não sobrevivem da mesma maneira. O crowdfunding é muito interessante porque tem o leitor que financia, mas ao mesmo tempo o resultado disso é público. É um aspecto muito saudável. Na Ponte também, todo o material que produzimos é aberto, é diferente de um sistema de paywall, onde o acesso é para quem paga. O crowdfunding existe é porque acreditam no projeto e querem ver aquela informação disseminada pela sociedade.

E a matéria ganha capilaridade justamente pela distribuição ser livre. Isso contribui ainda mais para o jornalismo investigativo produzido por veículos independentes no Brasil?

Não sei se tem algum veículo vivendo só de crowdfunding, é uma ferramenta entre outras. Junta também fundações, projetos de conteúdo, geralmente há sistemas mistos de financiamento. Isso tudo permite um ecossistema de veículos nativos digitais surgidos nos últimos 10 anos e que vem mudando a cara do jornalismo feito no Brasil e no resto do mundo.

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É interessante também ver o material republicado em outros veículos, inclusive em veículos grandes e tradicionais, de chegar a um público grande?

No começo na Ponte tínhamos até um debate sobre a questão se deveríamos liberar ou não conteúdo para outros veículos com o risco de canibalizar o que fazemos. Por outro lado, o conteúdo chegar a um número maior de pessoas. A solução foi remunerar na fonte, na própria produção. Porque pagamento pelos veículos, não seria sustentável, são temas que não interessam a eles. A solução foi a remuneração na produção, seja por crowdfunding ou fundações. A matéria já nasce remunerada e podemos distribuir pelos veículos. Temos uma parceira com El País, que mais republica a gente. O leitor recebe de graça o que outros leitores financiaram porque acreditam no projeto e na informação sendo disseminada.

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