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Capítulo III – Crowdfunding como modelo de negócio para o ciberjornalismo

1. Crise dos modelos de negócios tradicionais

O jornalismo não nasceu como um negócio comercial. A atividade não visava lucro e os jornais viviam da boa vontade da aristocracia. Nos séculos 18 e 19, a imprensa era subsidiada pelas empresas de impressão e recebia recursos de poucas fontes, notadamente do poder público e de partidos políticos. Estes não apenas financiavam, como também esperavam um retorno positivo das publicações (Picard, 2010, p. 18).

Durante o século 19, a imprensa nos Estados Unidos era partidária, oficialmente alinhada aos partidos Republicano ou Democrata. Os benefícios para os veículos incluíam subsídios diretos e indiretos das legendas e acesso garantido a informações políticas. Em compensação, o conteúdo das publicações era controlado pelos interesses dos políticos e não se destinava a uma audiência heterogênea, com visões de mundo distintas. Os partidos tinham o poder de decisão e a liberdade para determinar o que o jornal podia ou não imprimir em suas páginas (Petrova, 2009, p. 7).

As primeiras iniciativas que quebrariam essa regra vigente na imprensa norte-americana surgiram nos anos 1830 com a chamada penny press. Vendidos a apenas um centavo, muito mais barato que os seis cobrados pelos jornais tradicionais, os penny papers ganharam circulação e, consequentemente, atraíram a atenção das empresas para que estampassem suas marcas no papel. Saíram os apoios políticos e as assinaturas e entraram em cena a publicidade e a venda avulsa. “Fontes de receita que dependiam de laços sociais ou posição política foram substituídas por receitas de publicidade e vendas com base no mercado” (Schudson, 2010, p. 30).

O primeiro penny paper foi o New York Sun, fundado em 1833, seguido por diversos outros por todos os Estados Unidos. O conteúdo se diferenciava pela quase ausência de assuntos políticos e pela forte cobertura popular, como crimes e esportes. Ao invés de estarem a serviço dos partidos políticos e de comerciantes, os jornais que surgiram com essa estratégia comercial “vendiam um produto ao leitor geral, e vendia o leitor ao anunciante” (Schudson, ibid., p. 37). Esse modelo que chegou às massas só se tornou viável devido à mudança estrutural na sociedade norte-americana, alimentada pela

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“industrial revolution, urbanisation, and the spread of wage labour” (Picard, 2010, p. 18).

O modelo baseado na publicidade ganhou corpo somente após a década de 1860 e se consolidou no início do século 20, difundindo-se, inclusive, para o rincão dos jornais que cobriam e seguiam próximos dos assuntos políticos. Essa nova ordem tornou a imprensa dos Estados Unidos mais independente do ponto de vista editorial, posto que estavam cada vez mais distantes do apoio financeiro até então garantidos pelos partidos políticos (Petrova, 2009, p. 25).

No Brasil, o modelo baseado na publicidade deu os primeiros passos perto da segunda metade do século 20. Entretanto, a verba era pequena e, mesmo somada às vendas avulsas e assinaturas, não era suficiente para manter o negócio. Por isso, a maioria das publicações continuava a servir como instrumento político. Apesar de se transformarem em empresas capitalistas, com equipamentos modernos e caros, apoiados em grupos privados para sobreviver, “continuavam atrelados aos interesses da sociedade política, que moldavam o conteúdo das suas publicações” (Ribeiro, 2016, p. 74).

Os anos 1960 foram importantes para a imprensa brasileira. O crescimento do mercado interno e da indústria desenvolveu a publicidade, fazendo com que empresas injetassem recursos vultuosos nos órgãos de comunicação e se transformasse na principal fonte de receita na imprensa. Os gastos de produção dos jornais aumentaram significativamente no mesmo período, motivados pela despesa maior com pessoal, bem como em relação à parte gráfica, com equipamentos e uso de papel e tinta mais despendiosos (Ribeiro, ibid., p. 115).

As abundantes receitas provenientes dos anunciantes mascararam por anos a preocupação com a contabilidade dos veículos impressos em todo o mundo. As últimas décadas do século 20 foram de crescimento não apenas financeiro, mas também em tiragem e na venda de jornais (Downie e Schudson, 2009).

No entanto, o surgimento e o avanço da internet abalaram o modelo que sustentou a imprensa por mais de cem anos. Canavilhas diz que a rede “ha modificado los equilibrios en el ecosistema mediático, introduciendo nuevas variables que los medios tradicionales deberían poder controlar” (2015, p. 361). Como consequência, ficou óbvio que o modelo

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da publicidade ruiu e manter o negócio tornou-se difícil e impossível em muitos casos (Jones e Salter, 2012, p. 37).

The press were blamed for a failure to respond quickly enough to this new reality with a lack of foresight and management talent and an inability to comprehend the strategic significance of the web. The fundamental problem for newspapers was that advertising was moving online. Traditionally printed newspapers contained bundles of content with display advertising supplementing the cover price (Jones e Salter, ibid., p. 36).

Ao mesmo tempo em que os órgãos tradicionais de comunicação se viram diante de uma crise de receita, eles projetaram na internet uma nova maneira de manter o negócio vivo. Imaginavam que transportariam os recursos dos anunciantes para suas versões eletrônicas, mas as empresas que garantiam o dinheiro da publicidade encontraram formas mais rentáveis e diretas de comunicar com seu público por meio de sítios de busca, redes sociais e páginas de classificados, sem precisar de um intermediário tal como um jornal eletrônico. “Digital advertising alone was unlikely to ever generate revenues to sustain significant investments in news production” (Fletcher e Nielsen, 2017, p. 1175).

Um dos aspectos que separam os mundos do papel e do digital é a forma como a informação transita pela internet. Anderson (2009, p. 12) fala de economia dos átomos em choque com a economia dos bits. Nesta, as coisas tendem a ficar mais baratas, chegando ao zero. Stewart Brand aponta que a informação tem um custo, ela quer ser cara, mas na rede ela também quer ser grátis, pois o custo para acessá-la é cada vez menor. São “duas forças lutando uma contra a outra” (cit. in Anderson, 2009, p. 97).

Cientes disso, os veículos impressos que migraram para o digital decidiram oferecer inicialmente todo o seu conteúdo de graça aos leitores. A estratégia era atrair audiência e, consequentemente, os anunciantes para gerar receita, porém mesmo com o rápido crescimento de público e leitura, os recursos de entrada que foram projetados não se confirmaram (Downie e Schudson, 2009). A questão é que os órgãos de comunicação se tornaram, ao mesmo tempo, dependentes da audiência gerada pelos sites de busca e redes sociais, e concorrentes desses mesmos sítios, como o Google (Jones e Salter, 2012, p. 45).

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seja total ou parcialmente, visto que as fontes tradicionais de recursos continuarão a apresentar declínio. Elas terão de desenvolver novos modelos de negócios para produzir jornalismo na rede (Fletcher e Nielsen, 2017, p. 1175). Isso passa também pelo próprio conteúdo. Quando a velocidade é mais importante que a qualidade, os veículos não conseguem cobrar (Bradshaw, 2014, p. 133). Mas sem recursos para subsidiar jornalismo aprofundado e de impacto, prejudicam-se as práticas que garantem qualidade (Carvajal, García-Avilés e González, 2012, p. 639).

Por isso, é urgente que a imprensa reflita sobre novos modelos de negócios que estejam alinhados ao potencial tecnológico, mas “sem omitir a questão essencial da sustentabilidade” (Coelho, 2015, p. 213). Bom jornalismo exige tempo e recursos, portanto, o desafio é compreender as tecnologias que se renovam constantemente e tirar proveito delas para atrair investimentos e entregar ao público um conteúdo relevante e necessário nas sociedades democráticas (Jones e Salter, 2012, p. 25).