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3.2 A concepção processual de carreira

3.2.2 Ciclos, estágios e transições

O desenvolvimento de carreira, numa perspectiva contemporânea, é o processo cíclico e contínuo no qual os indivíduos progridem por estágios ou etapas caracterizadas por questões, tarefas e temas próprios.

Milkovich e Boudreau (2000) explicam que, tradicionalmente, pensava-se em carreira em termos biológicos, quando uma pessoa jovem iniciaria sua vida profissional com um período exploratório, continuaria progredindo até tornar-se estável na organização e ocupação, depois entraria em uma fase de manutenção de realizações produtivas e estáveis e, finalmente, passaria para um estágio de declínio ou transição. Evans (1996) utiliza a metáfora da “carreira como uma escada” para se referir a este modelo de desenvolvimento de carreira, quando uma pessoa, ao entrar no mercado de trabalho, busca uma escada e ao encontrá-la, vai subindo cada degrau, assumindo níveis mais altos de responsabilidade, de status ou de salário.

A partir de um comparativo realizado entre os modelos de desenvolvimento de carreira e de ciclo de vida, tais como os estudos de Erik Erikson, Daniel Levinson e Donald Super, Hall (2002) propôs um modelo integrado de desenvolvimento de carreira em quatro estágios, conforme Figura 7.

FIGURA 7 – Modelo integrado de estágios de carreira.

Fonte: Hall (2002, p. 103).

O autor explica que o modelo acima é composto de quatro estágios. O período inicial é chamado de exploração ou carreira inicial, vai do nascimento aos vinte e cinco anos de idade e representa a fase na qual ocorre o início da vida profissional de uma pessoa. Em seguida, há o estágio de desenvolvimento, que abrange a faixa entre os vinte e cinco e quarenta e cinco anos, na qual a pessoa passa por treinamentos e aprendizados até estabelecer- se profissionalmente. Dos quarenta e cinco aos sessenta e cinco anos, o indivíduo encontra-se na carreira intermediária ou fase de manutenção. Neste estágio, em termos de desenvolvimento, algumas pessoas continuam crescendo e se desenvolvendo profissionalmente e outras apenas buscam manter o que já conquistaram durante toda sua vida laboral, não sendo uma fase de muitas mudanças. Outros, já nesta fase, poderão entrar em um processo de estagnação, dando início ao estágio de declínio. Por fim, o último estágio é chamado de declínio, inicia-se aos sessenta e cinco anos e segue até o momento em que o indivíduo interrompe suas atividades laborais definitivamente. Trata-se de um período

D E S E M P E N H O 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 Exploração Treinamento Desenvolvimento Estabelecimento Manutenção? Estagnação? Crescimento? Declínio? Alto Baixo

caracterizado pelo afastamento do ambiente do trabalho, embora este possa ocorrer de várias maneiras e em momentos diferenciados, já que muitas pessoas ainda continuam trabalhando, o que corresponde a uma carreira tardia.

Esses estágios, conforme Hall (2002) não mais se apresentam definidos claramente, em virtude do caráter flexível e instável das carreiras contemporâneas. London e Stumpf (1982) ressaltam que a concepção atual de carreira envolve uma série de estágios e a ocorrência de transições que refletem necessidades, motivos, aspirações individuais e expectativas e imposições das organizações e da sociedade. Neste sentido, Evans (1996) destaca que as carreiras estão ganhando uma “natureza espiral”, em ziguezague, e não de escadas, na qual as pessoas não se vêem apenas com uma única carreira, mas sim com duas ou mais, durante o curso de suas vidas. Assim, Hall (2002) defende que, embora a noção de estágios seja ainda relevante para a compreensão do desenvolvimento das carreiras atuais, é necessário compreender que as interações entre ciclo de vida e os estágios se tornaram mais intensas e complexas.

O que se vê atualmente, como explicam Harrington e Hall (2007), é que as carreiras não se fecham em estágios ao longo do tempo, mas tornam-se flexíveis, adaptando-se a novos começos e mudanças, passando a ser vistas como uma série de ciclos de aprendizado ao longo da vida de uma pessoa. Elas não mais se desenvolvem de forma ordenada como as tradicionais teorias de carreira e desenvolvimento de estágios de vida adulta sugerem e passam a se desenvolver de forma horizontal, com metas e objetivos voltados para o crescimento, o aprendizado, o sucesso psicológico e à expansão da identidade. Segundo Hall (2002), isso ocorre porque uma das chaves para a compreensão do novo contrato de carreira é o fato de que as necessidades das pessoas e seus interesses em relação à carreira mudam ao longo do curso da mesma, de uma maneira muito mais dinâmica do que ocorria no passado.

Nesta nova perspectiva, Harrington e Hall (2007) explicam que as carreiras tendem a se tornar uma sucessão de mini-estágios (ou estágios de um curto ciclo de aprendizado) de exploração, treinamento, domínio, estabelecimento e saída, nos quais as atividades profissionais do indivíduo se movem para dentro ou fora de várias áreas de produtos, tecnologias, funções, organizações e outros ambientes de trabalho, como é mostrado na

FIGURA 8 - Um modelo de carreira como ciclos de aprendizado.

Fonte: Harrington e Hall (2007, p. 187).

Nestes ciclos, a aprendizagem pode ser do tipo experiencial, principalmente na exploração da carreira. Segundo Kolb (1984), aprendizagem experiencial é o processo pelo qual o conhecimento é criado por meio da transformação da experiência. Tal definição enfatiza que o conhecimento é um processo de transformação, sendo continuamente criado e recriado. A aprendizagem transforma a experiência tanto no seu caráter objetivo como no subjetivo. Mediante experiências de imitação e de comunicação com outras pessoas e de interação com o ambiente físico, as potencialidades de desenvolvimento são estimuladas e colocadas em prática até que internalizadas como desenvolvimento efetivo independente.

A questão chave que determina um estágio de aprendizado, segundo Harrington e Hall (2007), não será a idade cronológica (na qual o período entre os 40 e 50 anos de idade pode ser considerado carreira intermediária), mas a idade da carreira, onde talvez o período de cinco anos de desenvolvimento de uma determinada atividade ou especialidade já possa ser considerado como a carreira intermediária naquela área ou atividade. Assim, a extensão do estágio de carreira passa a ser guiada pelo perfil intermediário de competência em determinada especialidade ou campo de atuação profissional.

Desta forma, Harrington e Hall (2007) explicam que rotinas de carreira nos estágios de carreira intermediária ou carreira tardia de um indivíduo podem ser interrompidas por vários gatilhos relacionados à vida pessoal ou ao ambiente, levando a exploração consciente de caminhos alternativos de ser, “de quebra de rotina” e novos ciclos de aprendizado. Essas

Ex T Es D S Ex T Es D S Ex T Es D S

Legenda: Ex – Exploração T – Treinamento Es – Estabelecimento D – Domínio S – Saída 0 1 2 3 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 IDADE DA CARREIRA Baixo Alto SUC E S SO PSI C OL ÓGI C O

mudanças na carreira, conforme Hall (1995 apud MILKOVICH; BOUDREAU, 2000), são desencadeadas por uma variedade de oportunidades ou por dificuldades (gatilhos), bem como aspectos relacionados à personalidade:

 Gatilhos: mudança de função ou de empresa, mudança na vida pessoal, eventos externos, aumento do ambiente, recompensas pelas mudanças, experiência/crescimento do papel funcional, modelos de papéis, relacionamentos para o desenvolvimento, dificuldades no desempenho atual;

 Personalidade: flexibilidade, tolerância para com a ambiguidade e a incerteza, domínio e independência.

Diante do exposto, Harrington e Hall (2007) concluem que a nova carreira provavelmente não é feita de um longo ciclo de carreira contendo estágios (exploração, treinamento, estabelecimento e domínio), como descrito nas carreiras tradicionais. As carreiras hoje são compostas por muitos curtos ciclos ou episódios que duram talvez dois anos, durante os quais a pessoa aprende e domina uma nova área de trabalho. Cada episódio pode ter uma fase de exploração, um período de treinamento ou teste e um período de estabelecimento ou domínio do trabalho. Então, seja por razões externas, tais como novas tecnologias e mudanças no mercado, ou por razões internas tais como necessidades e valores pessoais ou familiares, uma pessoa pode começar a explorar um novo terreno ou atividade, em qualquer estágio de carreira.