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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.5 Contextualizando o Estilo de Vida e Lazer na Festa do

2.5.4 Os Ciclos da Festa do Bumba-Meu-Boi

De acordo com Carvalho (1995), em seu estudo denominado “Matracas que desafiam o tempo”, são quatro os ciclos da festa do Bumba-meu-boi, na ordem apresentada: ciclo do ensaio, ciclo do batismo, ciclo de apresentações e ciclo de morte do boi. A autora coloca que o ciclo de apresentações permite ao público apreciar a festa do boi, sendo que a morte desse animal representa o ritual paradoxal da vida, onde se justifica toda a origem da festa.

x Ciclo do Ensaio

Os ensaios preparam a festa e correspondem ao momento em que o grupo de Bumba- meu-boi começa a se organizar. Nesse período é confeccionada toda a fantasia, sendo feito também o lançamento de novas toadas e a arrecadação de fundos com a venda de bebidas e comidas que ajudam nas despesas durante o ciclo da apresentação. A fase de ensaio do boi, conforme evidencia Carvalho (1995), tem seu início entre o final do mês de abril e os primeiros dias de maio, mais precisamente, no sábado de aleluia, terminando no dia 13 de junho, dia Santo Antônio. Os ensaios acontecem, geralmente, nas noites de sábado até a madrugada de domingo, na sede do boi. Em geral, há distribuição de mingau de milho ou café com bolo para os brincantes no intervalo do ensaio.

x Ciclo do batismo

O batizado é um ritual para apresentar o couro e preparar o grupo para dançar fora do terreiro. É a segunda fase do ciclo do Bumba-meu-boi, ocorrendo no dia 23 de junho, véspera de São João, marcando a temporada de apresentações nos festejos de São João, São Pedro e São Marçal nos arraiais em São Luís. É o marco do início da vida do boi e da brincadeira, sendo o momento em que os brincantes assumem o compromisso em participar da festa em todo período junino.

Durante a cerimônia do batismo é importante a presença dos devotos, padrinhos e dos brincantes, que irão pagar suas promessas, reunidos diante do altar de São João. O ritual sagrado e profano do batismo do boi é realizado quando o padre joga a água benta sobre o boi, com um ramo de vassourinha, repetindo por três vezes as palavras do rito batismal. Para Carvalho (1995) a cerimônia do batizado é momento de estréia das novas figuras bordadas no couro do boi feitos de miçangas, canutilhos, paetês e pedras, que se renovam a cada ano em segredo, até a hora do batismo. Dessa maneira, o boi traz no seu couro imagens ou nomes que retratam um tema específico de natureza, religiosidade ou de âmbito social.

x Ciclo de Apresentação

Esse ciclo é a fase em que o Bumba-meu-boi da capital e do interior, em seus diversos sotaques, irão se apresentar pelos arraiais da cidade de São Luis, localizados nas praças, avenidas, ruas e clubes, no dia 24 de junho, estendendo-se até o dia 30 de junho, mediante o pagamento de cachês ou obrigações religiosas. Albernaz (2004) destaca que tais apresentações são estabelecidas previamente nos contratos, pagamento de cachês ou por ajuda de pessoas que apóiam a brincadeira, durante a fase dos ensaios.

Nesse ciclo, as apresentações do Bumba-meu-boi acontecem na cidade, mediante a programação já estabelecida, durante todo período da festa junina. Em geral, cada apresentação tem duração de 50 minutos, sendo que cada grupo faz, em média, de cinco a seis apresentações por dia, iniciando às 22h. A cidade fica enfeitada com bandeirinhas e as apresentações do boi acontecem nos arraias do Ceprama, Largo de São Pedro, Madre Deus e em vários outros arraiais distribuídos pelos bairros da cidade.

No ritual de apresentação, primeiro o locutor apresenta a brincadeira ao público, chamando o cantador do boi, ou segundo a dramaturgia, o amo; em seguida, o locutor chama na seqüência já descrita os brincantes. Assim, primeiro entram os tocadores de matracas e pandeirões, os quais se colocam em frente ao palco da apresentação; depois, entram o boi, as índias, o caboclo de pena e os vaqueiros. Desse momento em diante o cantador passa a fazer toadas e o boi começa a dançar.

As toadas são músicas que retratam o cotidiano do grupo de Bumba-meu-boi ou prestam homenagem à cidade ou, ainda, desafiam outros cantadores em duelo que costuma acontecer entre os bois mais tradicionais, para verificar quem é o melhor.

O ponto alto das apresentações do boi acontece nos dias 28, 29 e 30 de junho, na capela de São Pedro no bairro da Madre Deus com o encontro de todos os bois de diferentes sotaques, revezando-se para receberem a benção de São Pedro.

No dia de São Marçal, 30 de junho, os bois de sotaque de matraca se reúnem por volta das 13h, na avenida do bairro do João Paulo, para prestar homenagem ao santo. Essa festa tradicional possui 75 anos de tradição, sempre no mesmo lugar, pelo fato de antigamente, ser proibida a entrada da brincadeira no centro da cidade, conforme já mencionado neste documento.

Atualmente, essa festa atrai milhares de pessoas, entre simpatizantes e turistas, durante todo dia. Os grupos de Bumba-meu-boi se concentram na avenida tocando suas músicas e dançando até o final da noite.

Após o período da festa junina, os grupos se reúnem novamente somente no primeiro domingo do mês de julho, na cidade de São José de Ribamar, para a tradicional festa do Lava Boi, a exemplo da festa de lava pratos no período pós-carnavalesco, na mesma cidade. Ainda em julho, esses grupos também se apresentam no arraial do Vale Festejar, organizado especialmente para o período de férias, possibilitando aos turistas apreciarem a brincadeira do Bumba-meu-boi, em seus vários sotaques.

x Ciclo de Morte do Boi

O ciclo de morte do boi acontece no mês de agosto ou outubro com o ritual de morte, que se caracteriza como momento de alegria, de dança e prazer. Esse ritual manifesta-se nos últimos momentos de vida do boi e ocorre nos bairros, nas casas de companheiros e amigos participantes da brincadeira. Segundo Carvalho (1995), esse é o momento em que a brincadeira-dança, para a comunidade a que pertence, encerra o ciclo anual de apresentações.

“A gente do boi situa essa festa dentro do seu universo ritualístico, como uma ocasião especial, marcada pelo encontro de todos aqueles que vivem com o boi. Esse encontro é desenvolvido sob a égide da euforia, entusiasmo e animação, sempre perpassados por uma condoída melancolia.” (CARVALHO, 1995, p.136)

Nesse sentido, o ritual de morte do boi é uma festa que não acontece isoladamente, mas apresenta relações significativas da vida social, que inserem outras atuações humanas. Queirós (1999) evidencia que estas esferas de atuação humana podem inibir ou desenvolver a vivência festiva, podendo se apresentar associadas ou diferenciadas.

Por ocasião de matança do boi desenvolvem-se várias atividades para a organização da festa, como aquisição de comidas, bebidas, licença oficial, confecção de faixas, empréstimo de mesas e cadeiras, entregas de convites, divulgação na imprensa e confecção e reparos do conjunto e material do boi.

Compondo o cenário de morte do boi tem-se o altar de homenagem ao santo de devoção, bailes dançantes que se repetem por vários dias até a despedida do santo padroeiro, que ocorre quando o boi, acompanhado do vaqueiro, entra na igreja e, de joelhos, agradece as graças alcançadas.

Para Carvalho (1995), a morte do boi é um modo de relacionamento dos indivíduos que traz a comunhão de idéias e gestos, os quais servem para unir o grupo. Esse momento é marcado pela distribuição de comida, a exemplo da carne cozida, galinha assada, camarão, peixe, feijão e doces; e de bebidas aos brincantes.

Esse ritual acontece no último domingo do mês de agosto, com uma caminhada que vai buscar o boi para seu sacrifício, com a levada do mourão (grande tronco de árvore enfeitado com brinquedos), boizinhos, chapeuzinhos de brincantes, cestinhas e outros adornos.

Durante a realização desse ritual de morte do boi, os brincantes se reúnem no final de tarde e fazem uma caminhada até a casa da madrinha do boi, onde o boi fica escondido. Em seguida, todos os brincantes se põem a cantar e a dançar, esperando a saída do boi, esse, percebendo a agitação, foge, trazendo na testa o enfeite de mato, que forma uma máscara verde simbolizando a entrada dos seus chifres escondidos.

Assim, após ser dominado pelos vaqueiros o boi é levado até o mourão para ser sacrificado, ao som dos pandeirões, matracas e toadas, que conduzem o cerimonial, em que ele dança suavemente durante a sua morte. A ação final da matança do boi cabe ao negro Chico, que executa o boi, o qual é virado de cabeça para baixo pelo amo em direção a uma bacia com vinho tinto que simboliza o sangue. O negro Chico vai cortando o pescoço do boi e retalhando o couro de chita e a carcaça de buriti, que simboliza a carne do boi.

Depois, se reparte a carne do boi e o sangue entre os brincantes, enquanto os padrinhos do boi, antigos e novos, que continuarão a festa no próximo ano, rezam agradecendo as graças alcançadas.