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2. REVISÃO DE LITERATURA

4.3 Representações da Festa do Bumba-Meu-Boi

4.3.1 Atributos Simbólicos

4.3.1.2 Expressão Corporal Utilizada

O processo de desenvolvimento social nas sociedades primitivas e modernas foi marcado por mudanças que começaram pela percepção sensível da ação do corporal, em que o ser humano utilizava a agilidades de seus movimentos para caçar e plantar, de acordo com as mudanças na natureza e, também, pela instrumentalização do corpo, na sociedade ocidental.

O ser humano está ligado à forma como o corpo se comporta em relação aos aspectos sociais e culturais, revelando características individuais e de grupo, que marcam seus valores, crenças e sentimentos. Gonçalves (1994) chama a atenção para a importância das técnicas corporais dos movimentos expressivos das posturas, gestos, expressões faciais, como aspectos que diferem e ordenam uma sociedade.

De acordo com Kofes (1986) o corpo escreve costumes sociais, podendo ser um espaço de transgressão desses próprios costumes.

Eliade (1992), por sua vez, aponta para essa possibilidade da manifestação dos movimentos corporais expressivos acontecerem através do tempo festivo da festa, em que os participantes desse evento saem dos seus momentos profanos, pessoais e intrapessoais para ingressarem no tempo mítico e sagrado, efetuados pelos deuses e antepassados.

O autor relata que durante uma cerimônia sagrada anual australiana, os participantes da festa retomam o itinerário seguido pelo seu antepassado divino, repetindo os mesmos gestos e ritual de jejum durante toda a cerimônia, abstendo-se do contato com suas mulheres e outros membros. Ele ressalta que na festa encontra-se plenamente a dimensão sagrada da vida e experimenta-se a santidade da existência humana, aprendendo como os deuses ou

antepassados míticos criaram o ser humano e ensinaram os comportamentos sociais e os trabalhos práticos, por intermédio do entendimento religioso dos gestos divinos.

O movimento do corpo que confere significado para a manifestação sagrada e profana da festa introduz aos sujeitos participantes posturas, gestos e comportamentos sociais, revelando singularidades do corpo de cada indivíduo e, também, as características do grupo, que identificam como uma unidade.

Na festa do Bumba-meu-boi, objeto de estudo da dissertação, os movimentos expressivos do corpo destacados aqui, dizem respeito aos corpos dos brincantes que, durante a cerimônia de apresentação da brincadeira do boi, revelam inúmeras formas de movimentos, gestos, posturas estilizadas no cotidiano da vida, mostradas por meio da dança, da música e dos sentimentos durante a festividade. De acordo com Rosa (1998, p.96) “[...] essa atividade expressiva é um modo de dizer alguma coisa, uma idéia ou estado espiritual”.

Na representação da festa, a ritualização da dimensão divina dos movimentos expressivos da brincadeira do boi, inicia-se com ritual do batismo, que demarca a passagem do boi de um estado pagão, antes de ser batizado, para a benção de proteção, purificação e permissão de proteção, para sair do mundo de casa e conhecer o mundo da rua. Essa cerimônia confere ao boi o estado de cristão, ou seja, garante ao grupo de participantes que, a partir da consagração, estão aptos a receberem boas influências, afastando todo o mal.

As observações realizadas durante a festa através do ritual de batismo, das apresentações do boi da Maioba revelaram uma série de gestualidades referente às ações do corpo quando os sujeitos participantes da festa realizaram o ritual de saudação ou de despedida, estando presentes as expressões de emoção, alegria, cansaço, com base em um sinal de mão, aceno com a cabeça, aperto de mão, abraços, beijos no rosto, mímicas ou em outras maneiras de consentir ou negar, com movimentos da face e do corpo, ou mesmo, o direcionamento no olhar, presentes como signos (LE BRETON, 2007).

A festa, neste ano de 2007 teve início uma semana antes, com o batizado do boi antecipado do dia 23 de junho, véspera de São João, para o dia 16 de junho, por motivo do lançamento do novo CD e DVD do grupo de Bumba-meu-boi. A cerimônia aconteceu na capela de São João na Vila Jenipapeiro, quando foi apresentado o novo couro do boi, acompanhado por uma grande festa que perdurou até a madrugada do dia seguinte.

Essa dimensão sagrada da festa transcorreu com o ritual do batismo, por meio das rezas Ave Maria, Pai Nosso, Salve Rainha e Glória ao Pai. Nesses instantes, muitos participantes choraram, com as mãos erguidas pediam proteção e agradeciam pelas graças alcançadas. Em seguida, todos finalizaram com o grito de viva a São João, aos padrinhos, aos

brincantes e ao boi. As observações revelaram que, durante a cerimônia, muitos brincantes se abraçavam, apertavam as mãos, entre um choro e outro, logo depois, os três amos do Boi da Maioba passaram a cantar as toadas para celebrar esse momento do batismo, com o acompanhamento dos músicos.

As apresentações do boi que acontecem depois do batismo, demarcam um novo ciclo de vida do boi, que caracteriza o ritual de passagem de casa para a rua, quando o grupo de Bumba-meu-boi da Maioba começa as suas apresentações nos arraiais da cidade de São Luís.

A partir dessas considerações percebeu-se que em 2007 na fase de apresentação do Bumba-meu-boi, o grupo da Maioba, em suas passagens nos arraiais da cidade espalhados em praças, avenidas e clubes, os participantes da festa estabeleciam entre si varias expressões corporais, as mais comuns foram relacionadas aos gestos de aperto de mão, abraços, trocas de olhares e a dança.

Esses elementos expressivos puderam ser mais observados nos acontecimentos da apresentação do boi da Maioba no arraial do Anil, em que os brincantes se confraternizavam, se abraçavam e apertavam as mãos em cumprimento, antes da apresentação do boi, o arraial do Anil. O arraial estava enfeitado com muitas bandeirinhas e decorações com armações de boi, sendo localizado em um ponto estratégico próximo da avenida, tendo como atrativo uma pequena edícula que vendia bebidas, onde havia grande concentração de gente, cujas linguagens eram variadas e expressivas, além da clara satisfação que se podia perceber nessas pessoas.

Conforme Volp et al. (1995, p. 53):

“A satisfação, mais que prazer, é a sensação sentida não só quando foi atingido um objetivo, necessidade, desejo, mas quando foi alcançado algo mais, além do esperado, num movimento à frente, que resulta em auto- realização. Seria como que um prazer ampliado”.

O Bumba-meu-boi da Maioba, ao iniciar sua apresentação, os brincantes tocadores posicionaram-se à esquerda da entrada principal, enquanto os demais brincantes formaram um círculo, primeiro com vaqueiros ou rajados, depois com caboclos de pena, logo em seguida, vieram as índias e o boi, primeiro e segundo vaqueiro, que facilitava a organização da brincadeira. Os três cantadores do boi ficavam no centro da roda, eles são responsáveis em cantar as toadas e também animar o batalhão de brincantes. Os gestos dos três cantadores mais comuns durante a apresentação eram o de elevar a mão direita, de posse do maracá e de um apito para sinalizar o início e término de cada toada.

Na ritualização da brincadeira do boi eles representam a figura do amo (o dono da fazenda e do boi), a eles cabia o papel de liderança na condução da brincadeira, eles sempre gesticulavam com os braços quando os tocadores não estavam no mesmo ritmo. O personagem do boi, conduzido pelo miolo, era composto por um rapaz que, embaixo da armação do boi, fazia movimentos de giros, seguindo em várias direções, com o intuito de fugir dos seus perseguidores.

Os tocadores matracas e pandeirões gesticulavam muito com seus instrumentos, aproximando-se uns dos outros, para ouvirem melhor o som que estava sendo produzido. No intervalo de uma música para outra era feita a distribuição de vinho, água e cachaça, para estimular os mesmos.

Os outros personagens, índias e caboclo de pena, realizavam gestos que representavam a caça dos índios pela mata em busca do boi, esses movimentos são realizados com base em coreografias. O caboclo de pena tinha o olhar mais fixo durante as apresentações, eles representam os índios conhecedores da mata. Segundo Paulo, caboclo de pena da Maioba:

“[...] Só como índio guerreiro já brinco há 10 anos. Mas também tenho outras participações como matraqueiro e sucessivamente. Isso aqui, nós brincamos por espontânea vontade, nós não somos remunerados, brincamos por amor a nossa brincadeira que nós somos maiobeiros de raiz. Isso pra nós é importante [...]” (Paulo4, caboclo de pena)

Com as especificidades dos gestos, os brincantes expressam todo seu respeito em dançar todos os anos na brincadeira, pois, para eles, é bem mais que um divertimento, é um compromisso de fé e uma revitalização da amizade e da tradição.