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2. REVISÃO DE LITERATURA

4.3 Representações da Festa do Bumba-Meu-Boi

4.3.1 Atributos Simbólicos

4.3.1.1 Linguagens

As linguagens utilizadas na festa do Bumba-meu-boi são formadas pelo conjunto de palavras nas quais as pessoas que participam, coordenam, tocam, dançam e acompanham a festa, durante todos os ciclos, usam para estabelecerem uma comunicação própria. Essa linguagem expressiva no universo do boi ainda passa pela leitura corporal, em que participantes festejantes, público e turistas utilizam no cotidiano da festa.

O grupo de Bumba-meu-boi da Maioba é conhecido como um dos maiores grupos de São Luís, pelo número significativo de brincantes que acompanha esta brincadeira durante os festejos juninos. Nesse universo, a brincadeira é chamada de “batalhão” e os participantes são conhecidos como “boeiros”.

Essa forma de expressão ganha sentindo, principalmente durante as apresentações nos arraiais da cidade de São Luís. A cidade fica em festa na época dos festejos juninos, em que praças, ruas e avenidas se transformam em verdadeiros arraiais ao ar livre, enfeitadas com bandeirinhas e balões de São João. Nessa ocasião é que o público e o turista se tornam “boeiro” nas apresentações, em que cada brincante toca sua matraca e pandeiro ou apenas dança ou canta.

Com base em uma apresentação ocorrida em 26 de junho, uma terça feira, às oito horas da noite, no arraial do Anil, após aproximadamente seis “toadas” de boi, os tocadores matraqueiros e pandeiristas falaram todos juntos para o “amo” avisar às “mutucas” que estava na hora de “molhar o boi”, porque o boi estava com sede. Esta expressão ganha um amplo significado na linguagem da brincadeira do boi, pois significa um intervalo para que todos os brincantes possam beber água ou tomar uma pinga.

Nesse momento, as mutucas, mulheres que acompanham e que fazem parte da comunidade e também alguns homens, que são voluntários, passam com um copo e uma garrafa de “cachaça”, oferecendo aos matraqueiros, pandeiristas e alguns brincantes vestidos com fantasias, entre eles, o caboclo de pena, vaqueiros e miolo do boi.

Outra linguagem comum entre os brincantes durante a apresentação é “atravessar o boi”, que se refere ao momento em que ocorre certa tensão entre os brincantes, quando o ritmo das matracas e pandeirões não estão em sintonia com a canção que o amo do boi está cantando. Esta passagem pode ser retratada em uma apresentação que aconteceu na quarta- feira, no arraial da Vila Palmeira, por volta da meia noite, quando o amo da brincadeira, cantor do boi da Maioba reclamou aos tocadores de matracas e pandeirões, que o som não estava bom, todos pararam de tocar e reiniciaram a “toada”, ou seja, a música do boi.

Observou-se que o amo do Boi ocupa um papel privilegiado, sendo dele boa parte da linguagem do boi. Ele exerce um papel de liderança no grupo e, pela forma que canta as toadas, é conhecido como “Chagas o mediático”, a ele cabe guarnecer o batalhão, ou seja, reunir a brincadeira para apresentação. Em algumas situações o amo, ao se referir aos brincantes para terem pressa na organização da brincadeira, usa o termo “vamos lá rapaziada”. Este termo, que quer dizer o conjunto de brincantes foi usado principalmente para definir o caráter masculino da brincadeira, pois, no passado, não se admitiam mulheres brincando no boi, com o argumento de que elas não agüentariam a maratona de apresentações do boi na época junina.

Nessa época de não participação feminina na festa, até a personagem da Catirina era representado por um homem, devido à proibição das mulheres em dançarem no “cordão” da brincadeira. A elas era permitido apenas o papel de “Mutuca”, ou seja, uma referência aos mosquitos, que ficam no campo em volta do gado, na brincadeira do Bumba-meu-boi, servia apenas para acompanhar o boi, distribuindo bebidas, como vinho e conhaque.

Outro aspecto importante que confere uma linguagem própria à brincadeira é o momento que antecede a apresentação do Bumba-meu-boi da Maioba. Notou-se, durante a apresentação do Bumba-meu-boi da Maioba, em uma quarta-feira, no arraial da TV Difusora, no bairro do Cohatrac, que o locutor Oswaldo, brincante do Boi da Maioba, seguia o ritual de anunciar a chegada do boi da Maioba, isto ocorrendo em todos os arraiais, em que o mesmo, apresentando a brincadeira para o público, chamava o cantador o Amo dizendo: “apresento agora o maior cantador de Bumba-meu-boi, Chagas o Mediático”

Esse, por sua vez, chamava para o “terreiro” os brincantes, ou seja, para o local de apresentação, seguindo uma ordem: primeiramente vem o Pai Francisco, índias, o boi, caboclo de pena, vaqueiros e depois matraqueiros e panderões. Após a formação do cordão, o cantador Amo deu prosseguimento, com a segunda etapa da apresentação, que é conhecida como “Guarnicê”, que significa o convite do amo para que os brincantes se reúnam no local da apresentação. Na terceira etapa, o Amo, cantou a primeira toada chamada de “La vai”, que significa um aviso para o público presente de que a apresentação vai começar.

Logo depois, o cantador Chagas faz a saudação ao público, como uma toada de louvação ao boi e ao dono da casa, a partir desse momento, começa a apresentação, até o encerramento, com a toada de “Urrou”, que significa o momento de alegria e confraternização dos brincantes e do público, que se misturam para festejar o boi, por este estar vivo. O último dessa apresentação é conhecido como “Despedida”, correspondendo ao final da apresentação,

em que o grupo retira-se com a toada de adeus e de saudade que o boi deixa e leva, prometendo voltar no próximo ano.

No universo do Bumba-meu-boi da Maioba, observou-se a presença de instrumentos musicais característicos do seu sotaque como matraca, que conforme já descrito é feita por dois pedaços de madeira que retratam o som do trote de cavalo. O pandeiro ou pandeirão, também observado naquele universo, era do tipo coberto com pele de boi ou de acrílico, enquanto que os tambores onça pertencentes ao grupo eram semelhantes a uma cuíca, cobertos de pele, que ao serem tocados reproduziam o som do urro do boi.

Percebeu-se que os instrumentos de pandeiro traziam muitas gravuras com expressões que mostravam o carinho pelo boi, a exemplo da frase “o príncipe da ilha”, “Maioba 100”, “Maioba do Gildo” e outros, que traziam gravuras e símbolos dos times de futebol. As matracas, de tamanhos variados, também traziam os nomes dos donos gravados.