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2. REVISÃO DE LITERATURA

4.2 Relações Interpessoais

Pode-se observar que as relações estabelecidas pelos participantes da festa do Bumba- meu-boi, em geral, são feitas pelos laços familiares, de trabalho e do lazer. A brincadeira do Bumba-meu-boi para a comunidade da Maioba não é apenas uma diversão para preencher o tempo disponível, a percepção dessa festa a aproxima dos valores sagrados, que, por vez, se repetem na memória coletiva de cada indivíduo, para lembrar-se de um parente próximo ou de um amigo.

Nesse contexto, as mulheres têm um papel significativo no acompanhamento do boi, pois são filhos, maridos e amigos que, a todo o momento, buscam a sua presença, como se observou na família do brincante Jorge. Na dinâmica da festa, seus familiares realizam ações que incluem limpeza da casa, bem como, participação na brincadeira do Bumba-meu-boi. As pessoas mais velhas do grupo são mais respeitadas e quando determinadas brincadeiras por parte dos jovens atingem os mais velhos, esses são logo repreendidos. Outra forma de relação interpessoal é o papel que o cantador do boi exerce, assumindo um perfil de liderança no grupo. Por este ser o mais ilustre, cabe a ele organizar o grupo e cantar as toadas mais vibrantes para estimular os outros brincantes. Ele começa e encerra a apresentação do boi. Percebeu-se, então, que as relações do grupo são realizadas fortemente entre pessoas da comunidade, mas envolvem também os de fora dela, considerando que muitos brincantes vêm de outros bairros.

A ajuda mútua entre os brincantes é visível, em cada apresentação o número de brincantes cresce movido pela paixão ao Bumba-meu-boi, como esclarece o brincante Marcos, matraqueiro do Boi: “o boeiro vai brincar pela emoção, quem brinca no boi se doa”. Percebe-se que a relação do brincante com a festa envolve sentimentos de alegria e paixão, que começa com os preparativos da festa, por meio dos ensaios realizados nas noites de sábado, até as manhãs de domingo. Dessa maneira, os motivos que levam os brincantes a participarem da festa por meio da emoção e doação revelam a responsabilidade e compromisso com essa manifestação, como Benedita salienta:

“Eu brinco boi há oito anos. Olha a gente não tem como descrever a emoção, é uma coisa bonita, muito gostosa, a gente se arrepia mesmo quando começa a cantar a toada. Há muitos anos tinha vontade em sair no boi de matraca, mas meu pai muito rígido não deixava. Depois que me casei

fiquei viúva, casei de novo e vim pra cá, e aqui realizei meu sonho”. (Benedita3, cabocla de pena)

Após esse ciclo de ensaio, as observações realizadas no ciclo de apresentação revelaram que os elementos mais aglutinadores entre os participantes do boi da Maioba ocorreram nessa ocasião. Na Vila Jenipapeiro, a Praça Viva Maioba era o local de encontro dos brincantes, em que se estabeleciam os primeiros preparativos da festa com as tarefas distribuídas entre o presidente da brincadeira, o diretor de patrimônio e um participante. O presidente do Bumba-meu-boi da Maioba sempre estava pela manhã, para dar início aos preparativos do boi e se ocupava com os trabalhos mais burocráticos. Enquanto o seu Ribamar, diretor de patrimônio da brincadeira tinha sob sua responsabilidade fazer a manutenção do Boi, fantasias e instrumentos trabalhando em dois turnos, parando apenas para o almoço. Ao anoitecer, a cada apresentação, este tinha a função de entregar a cada brincante sua fantasia e, no final da apresentação, recolher o material até a sede boi.

Observou-se que o trabalho de conserto da fantasia era realizado imediatamente no dia após a apresentação do boi, com a costura das fantasias. Importante destacar a participação discreta que o seu Ribamar. mantinha durante a apresentação da brincadeira nos arraiais da cidade. Em uma das apresentações do boi Maioba no arraial do IPASE, indagado porque não participava da festa, ele afirmara que, quando jovem, costumava sair no boi tocando matraca, mas, agora, preferia assistir. Em todas as apresentações o seu Ribamar seguia o mesmo ritual em arrumar todas as fantasias logo cedo, para distribuir para os brincantes.

As fantasias do caboclo de pena eram colocadas em um caminhão pequeno e todos os brincantes que representavam essas fantasias ajudavam nessa tarefa de levá-las até o carro. A segunda atividade observada para o preparativo foi o trabalho do brincante Jorge. que desempenhava as atividades realizando a manutenção do carro de som e também de apoio para brincadeira durante as apresentações.

4.2.1 Comportamento Social: Motivos, Fatos e Ocorrências das Interações

Entre os motivos que levam as interações percebidas entre os brincantes do Bumba- meu-boi da Maioba por ocasião da festa o maior contato acontece durante o ciclo de apresentação quando o público e o turista estão presentes nos arraiais. Nesse período, o boi

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Relatos espontâneos ocorridos durante o processo de observação, na Pesquisa de campo realizada na Comunidade da Maioba, em 28 de junho de 2007.

que sai de casa e vai para rua, marcando, também, o início de relações de amizades entre todos esses participantes do grupo de Bumba-meu-boi da Maioba.

Cada apresentação da brincadeira atrai outros brincantes anônimos, admiradores que, pela primeira vez, estão participando da festa e se juntam a outros participantes mais experientes, passando a acompanhar e formando um grande batalhão. A partir desse momento, esse brincante se torna um membro do grupo é reconhecido como “boeiro”, ao chegar a cada arraial de matraca em punho, ou com seu pandeiro.

No grupo de Bumba-meu-boi da Maioba as interações parecem se consolidar nas relações de amizades, danças e nas batidas dos instrumentos, quando se presencia todo a emoção e alegria em participar da brincadeira, com coesão e compartilhamento. O convívio entre os brincantes começa ainda na sede da brincadeira na comunidade da Maioba, reunidos na praça, a espera do transporte, formam-se pequenos grupos, que conversam acompanhados de bebidas, de vinho, evidenciando uma atmosfera em que todos são amigos ou parentes.

Logo depois, já é possível perceber que, a partir da primeira apresentação da noite do Bumba-meu-boi, muitos brincantes advindos de outras localidades já aguardam os seus companheiros, fortalecendo os laços de cooperação e amizades. Esse momento de encontro é marcado com abraços e apertos de mãos entre eles, que seguem acompanhados pelas toadas tocadas no arraial.

Em outras ocasiões, essas relações eram formadas por laços de parentesco e coleguismo, feitos durante a distribuição de bebidas de água para as índias e da pinga para os demais brincantes, principalmente aos tocadores de matraca e pandeiro. Por meio desse compromisso em participar de todas as apresentações os brincantes passam a ter um convívio mais próximo e, pela grandiosidade da brincadeira, as amizades se fortalecem de acordo com o espaço que cada brincante ocupa, ou seja, grupos dos matraqueiros e pandeirões têm mais afinidade; o grupo das índias juntamente com os caboclos de penas e vaqueiros tem mais proximidade.

Oficialmente, o boi tem cento e trinta participantes, embora se perceba que esse número de brincante é maior durante as apresentações nos arraiais, pois o público é atraído pelos gestos da dança dos caboclos de pena, das índias, vaqueiros, Pai Francisco e Catirina e pelo som das matracas e pandeirões.

Percebe-se que as ações sociais que o Bumba-meu-boi da Maioba concretiza, estão ligadas ao caráter sagrado e profano dessa festa, sendo capaz de aproximar diversão, devoção e memória daqueles que participam.

A musicalidade é outro importante elemento de interação da festa, que se destaca nas vozes dos cantadores. Elas retratam vários temas relacionados, às vezes, à natureza ou em homenagens póstumas às pessoas da comunidade, sendo classificadas em toadas de chegada, pique, lá vai e despedida, conforme os momentos em que são envolvidas na festa. É um elemento de unidade do grupo que expressa a alegria e emoção que todos os participantes compartilham do mesmo momento. A canção “As sete estrelas” era a mais tocada pelos cantadores, a pedido do público presente nos arraiais.

x Discussão desse Item

Conforme se abordou, a festa do Bumba-meu-boi possibilita muitas interações entre brincantes, públicos e turistas. As principais formas de inter-relação acontecem por meio da música, dos laços familiares e das amizades motivadas pela dinâmica da festa. Isto ocorreu principalmente no núcleo do grupo do Bumba-meu-boi da Maioba, nos momentos preliminares da apresentação entre todos os brincantes, o que caracteriza esse aspecto de amizades.

A esse respeito, Magnani (1998) salienta que esses aspectos interpessoais ocorrem devido à proximidade das pessoas na mesma comunidade, esse “pedaço” significa poder ser reconhecido em qualquer circunstância, como parte do grupo. O autor reforça a idéia da vivência dos participantes acontecerem de forma homogênea nas relações de amizades e companheirismo, que se revelam durante a apresentação do boi.

Os participantes turistas e o público em geral, mesmo não tendo um vínculo mais próximo com o grupo do Bumba-meu-boi da Maioba, durante o desenrolar da festa parecem se integrar perfeitamente à conquista de novos amigos.

Magnani também contribui para essa discussão, quando observa que o futebol de várzea, ou a excursão de farofeiro, o concurso de violeiros, entre outros exemplos fundamentam as relações no núcleo do “pedaço”.

Marcellino (2002) salienta que o relacionamento social também pode ser realizado por meio do lazer, conhecido por associativismos informais, que se estabelecem a partir das atividades de artesanato, esportes e festas, etc. Dessa maneira, entende-se que entre as formas de associativismo, a festa do Bumba-meu-boi pode ser um importante exemplo, pois por meio dela, podem-se encontrar participações voluntárias dos brincantes, relações de amizades, coleguismo, memória e devoção, que se manifestam durante as apresentações nos arraiais da cidade, bem como as associações para sanar os problemas e intercorrências.

Por sua vez Stoppa (2007) ressalta que a idéia de associativismo está ligada ao desenvolvimento de sentimento e de pertencimento de um grupo, que deseje visualizar a possibilidade de mudança na vida cotidiana, denominado de “posse”, como espaço de organização do movimento. Dessa forma, a brincadeira do Bumba-meu-boi da Maioba torna- se um elemento de participação, organização e experiências coletivas, vista como processo educativo entre os participantes da festa e a comunidade. Assim, esse processo de pertencimento à comunidade como brincantes acontece na fase dos ensaios, batizado, apresentação e morte do boi, despertando nos sujeitos para a importância de preservar a tradição da manifestação, como ocorre no projeto da comunidade, que leva até às crianças as vivências com essa brincadeira.