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6 O PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL (PETI) E

6.2 CIDADANIA ATIVA E O PETI

Para iniciarmos, analisemos o primeiro eixo das ações estratégicas do PETI, presente no art. 5º da resolução nº 8 de 2013, o qual trata da informação e mobilização nos territórios. Logo no primeiro inciso, a normativa aponta a necessidade de desenvolver a sensibilização de atores e segmentos que trabalham com a temática. Poderíamos considerar a sensibilização como uma das diversas formas que impulsionam a construção da cidadania ativa, mas não podemos considerar que diz respeito a ela. Isto porque, lembrando, conforme Silva e Tavares (2011), a cidadania ativa se trata de todo o desenvolvimento do indivíduo, e não de ações esporádicas como campanhas e sensibilizações, por exemplo.

O segundo inciso trata da mobilização social daqueles mesmos atores que o primeiro inciso trata, e podemos considerar a mesma conclusão, que mobilizar não significa conceder e efetivar a cidadania ativa. Isto porque a cidadania ativa, conforme aponta Silva e Tavares (2011), refere-se a todas as dimensões da vida do indivíduo, e não se constitui como mera transmissão de conhecimento, mas uma construção individual e coletiva, uma visão que esta pesquisa defende.

O terceiro trata de campanhas que sejam feitas para informar os agravos do trabalho infantil e o quarto disserta sobre acompanhamentos feitos junto a entidades de responsabilização no que tange a essa violação de direitos. Mas, campanhas e acompanhamento de entidades de responsabilização não significam propiciar a realização da cidadania ativa. O que esses quatros pontos ressaltam, não instrumentalizam o programa para que se propicie a realização da cidadania ativa. Porque a cidadania ativa, como defendem Silva e Tavares (2011), está muito além de transmissões de conhecimento ou alusões aos conhecimentos referentes à cidadania, necessita de uma construção que esteja imbricada em todos os aspectos da vida individual e coletiva para instrumentalizar a todas e todos. Necessita tornar os indivíduos como protagonistas de seus direitos, como pondera Benevides (1994).

Além do mais, nem instrumentalizam o programa para que essas ações, de fato, cheguem até as famílias e crianças/adolescentes que estejam no trabalho infantil. Uma sensibilização e mobilização que não é diretamente direcionada aos que estão na situação de violação de direitos, isto é, a normativa prevê ações junto aos atores e entidades que trabalham em torno da temática, mas não com os que estão diretamente passando por essa situação de violação.

O artigo 6º, segundo eixo, que trata da identificação de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil aponta duas ações. Uma a respeito da identificação e busca ativa, e a outra a respeito do registro no CadÚnico das famílias e crianças e adolescentes que estejam em situação de trabalho infantil. Ambas as ações não apontam para a viabilidade da cidadania ativa. Isto porque identificar e realizar uma busca ativa, não traz elementos que efetivem a cidadania ativa defendida nesta pesquisa, aquela que media e constrói processos em que possibilite, às pessoas, uma vivência plena e completa dos direitos humanos, uma apreensão que se relacione ao seu dia a dia e realidade, e garanta a possibilidade de ações que venham materializar esses direitos.

No terceiro eixo, artigo 7º, o qual disserta sobre a proteção social, contempla encaminhamentos, porém não contém nenhuma forma que possibilite, nem que indique construção de espaço e ações para a efetivação da cidadania ativa. Ou melhor, se tratam de encaminhamentos primários, sem que exista nenhum tipo de acompanhamento dessas crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e suas famílias, acompanhamento necessário que poderia viabilizar o exercício da cidadania ativa. Porque a cidadania ativa, conforme evidenciam e defendem Silva e Tavares (2011), se trata de apreensão de conteúdos de direitos humanos e valores no sentido do fortalecimento da democracia e justiça social. Ademais, a cidadania ativa, relembrando Benevides (1994), trata não só de tornar os indivíduos como

aqueles que possuem deveres e direitos, mas, sobretudo, torná-los criadores de seus direitos para que se abram novos espaços de participação política.

Temos no artigo 8º o eixo da defesa e responsabilização. Neste dispõe-se sobre ações de acompanhamentos de famílias com aplicação de medidas protetivas; articulação com superintendências, gerências e agências regionais do trabalho e emprego para fins de fiscalização; articulação com o Poder Judiciário e Ministério Público nos casos de medida de proteção; articulação com Conselhos Tutelares nos casos também de medida protetiva. Essas ações, de longe, trazem algum aspecto que possa ser entendido como construção e efetivação da cidadania ativa, uma vez que não elenca uma noção que vise construir processos que permitam a plena vivência e respeito aos direitos humanos, através de um trabalho, de forma individual e coletiva ,com os indivíduos envolvidos e prejudicados pelo trabalho infantil.

No que tange ao monitoramento, eixo que se encontra no artigo 9º, aponta sobre o registro e monitoramento das ações, que também não mostram nenhuma ligação para a consecução da cidadania ativa, uma vez que é preciso dimensionar processos para a efetivação desta, para que instrumentalize as pessoas no exercício da cidadania, conforme apontam Silva e Tavares (2011).

Nesta resolução é possível concluir que a cidadania ativa não encontra meios de concretização, e que nem se faz alusão à mesma, em que viabilize os indivíduos em situação de trabalho infantil no exercício, construção, luta, exigência, e vivência dos direitos humanos, como defendem as autoras acima.

O Estatuto da criança e do adolescente, lei 8.069/90, estabelece que toda criança e adolescente têm direito à liberdade e, para isso, considera o direito de ir, vir e estar nos espaços públicos e comunitários; de expressão e opinião; de crença e culto religioso, de participar da vida familiar e comunitária; de participar da vida política; de buscar refúgio, auxílio e orientação. Essa disposição reflete a importância de se concretizar processos para a efetivação e viabilização desses direitos, e mesmo que este dispositivo traga este avanço, a normativa do PETI não reflete isto.

A Convenção Internacional sobre os direitos da Criança de 1989, elenca que se deve respeitar as responsabilidades dos responsáveis pela criança e adolescente, em conformidade com os costumes locais, dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis, de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas e acordes com a evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos nesta convenção. Ainda que esta traga estes aspectos considerados importantes para a categoria em análise, o PETI não se dimensiona como tal.

Dessa forma, o PETI não traz imbricações que possam ser defendidas como cidadania ativa, pois conforme Silva e Tavares (2011), faz-se necessário que não só se conheçam esses direitos, mas que haja uma formação tal que faça com que cada indivíduo, coletivamente, tenha como exigir e vivenciar seus direitos de forma ativa. Nem explicitamente, nem implicitamente, trazem disposições sobre a cidadania ativa, uma vez que, para que essa exista, faz-se necessário propiciar ações e espaços em que se conheçam os seus direitos, os direitos das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e suas famílias, que os instrumentalizem para estes lutarem e vivenciarem estes direitos. Para que possam ativamente lutar, reivindicar e exercer seus direitos, com autonomia.

6.3 PROTEÇÃO INTEGRAL E O PETI

A resolução nº 8/2013 – que reordena o PETI - quando expõe sobre o eixo da informação e mobilização, propõe elementos que se constituem importantes para a proteção integral, que é a promoção de direitos e prevenção de violações. Isso, porque, quando se trata de sensibilização, campanhas e mobilizações, aponta para o fortalecimento dessa promoção e prevenção, mas não para a garantia de uma proteção integral que diga respeito a diversas dimensões, ou seja, onde ficam o estabelecimento, a garantia e proteção dos direitos? Essas dimensões, conforme Campos (2009), são componentes essenciais da proteção integral. Vale ressaltar também, que quando se realiza sensibilização e mobilização com atores e órgãos/instituições que trabalham em torno da temática do trabalho infantil, não se prevê que estas cheguem ao público alvo (crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e suas famílias), pois a normativa dispõe sobre a sensibilização e mobilização daqueles. Do mesmo modo pode-se dizer a respeito das campanhas. Uma vez que o PETI dispõe isto, não garante processos que desenvolvam a proteção integral que se referem aos múltiplos órgãos e atendimentos das múltiplas necessidades, defendidas por Morlachetti (2013).

O segundo eixo, qual seja o da identificação, que se refere a busca ativa, identificação e registro no CadÚnido, não traz referências sobre a proteção integral, ou seja, não menciona nenhum aspecto que se refira aos atendimentos das múltiplas necessidades das crianças e adolescentes.

No eixo da proteção social, artigo 7º, elenca sobre a transferência de renda (lembrando que este é repassado pelo PBF) – inciso I; sobre inserção em serviços socioassistenciais porém sem que o PETI acompanhe, o que não dá garantia de atendimento e