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2 OS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2.2 OS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: ONDE SE

2.2.2 O que reflete a produção teórica

Os direitos humanos da criança e do adolescente, historicamente, passaram por diversas mudanças políticas, econômicas, culturais e sociais não só no cenário global, como no cenário nacional, como visto anteriormente. Os aspectos legais desenvolveram-se nos termos que, atualmente, apontam para uma proteção integral e plena da dignidade e cidadania desse segmento; na realidade da efetivação, porém, ainda há muito no que avançar.

As constantes e históricas violações vivenciadas por um número massivo de crianças e adolescente em escala global, ainda é preocupante, mesmo que tenha encontrado determinada proteção em aspectos legais, conforme expressa Milanezi (2015):

A realidade constrangedora de negação de direitos das crianças e dos adolescentes obteve respostas significantes do Estado nos últimos anos, porém ainda existem em grande escala, crianças e adolescentes sujeitos a toda forma de negação da dignidade humana o que confronta com as legislações vigentes não só em território brasileiro, mas também nas mais diversas convenções internacionais em defesa dos direitos humanos. (MILANEZI, 2015, p.22)

Acrescenta Milanezi (2015, p.22) que os dados nos quais se encontram as situações da infância e adolescência na atualidade, “imprimem uma realidade singular e difícil” vivida por este segmento. As situações nas quais se encontram este segmento, num país com territorialidade tão extensa e com distintas vivências, ainda são inquietantes.

Milanezi (2015, p.61) afirma que historicamente as intervenções voltadas para as crianças e adolescentes se desenvolveram em meio a “fortes e inúmeras contradições legais, sociais e culturais”. Sendo assim, nota que historicamente esse segmento social encontrou diversos impasses no atendimento de suas necessidades.

As intervenções voltadas para a área da infância e adolescência no país, inicialmente, foram marcadas por ações de entidades religiosas e, só posteriormente, é que o Estado propõe ações para este segmento. Porém, essas ações não continham como perspectiva, a cidadania e dignidade de fato das crianças e adolescentes.

Os protagonistas no atendimento à criança e ao adolescente foram primeiro as instituições religiosas e posteriormente o Estado, que historicamente assumiram as intervenções junto à infância e à adolescência no Brasil. Tais

protagonistas foram os responsáveis também pela elaboração de legislações destinadas às crianças e aos adolescentes, porém, mais do que defender seus direitos, propunham a ordem e o controle a partir da perspectiva do universo adulto. (MILANEZI, 2015, p.61-62)

Olhar para o histórico dos direitos da criança e do adolescente no país, é olhar para processos mútuos de retrocessos e avanços. Esse processo se situa entre diversas formas de intervenções e de políticas econômicas e sociais, com implementação de legislações que se preocupam com a defesa dos direitos e ações institucionais que projetam diversas violações aos seus direitos.

[...] descortinar a história da criança brasileira é expor um passado marcado por avanços e retrocessos, com alternância de ações em diferentes momentos históricos, com diferentes políticas econômicas e sociais, que variam entre a implantação de legislações, em defesa dos direitos desse segmento populacional, e atos institucionais de violação de direitos como o abandono institucionalizado de bebês, a venda de crianças escravas, o trabalho infantil, a violência e o alto índice de mortalidade infantil. (MILANEZI, 2015, p.62)

As intervenções na trajetória dos direitos humanos voltadas para crianças e adolescentes estabeleceram-se em face de contradições. Processos em que, inicialmente, pelo menos no aspecto legal, as perspectivas giraram em torno da adultização da infância, partiam do ponto de vista do adulto, da perspectiva de ordem e controle; ao passo que se desenvolveram perspectivas de cidadania, dignidade e condição especial desse segmento (MILANEZI, 2015).

Souza (2010), sustenta que os processos de valorização da infância e adolescência, na busca do rompimento com a visão adulta voltada para este segmento, partiram de diversos debates, na sociedade, em torno das situações de crianças e adolescentes, segundo posicionamento:

Com base em estudos das diferentes áreas das ciências humanas e sociais, observamos que o processo de valorização da criança pode ser reconhecido dentro de um quadro de preocupações que começa a se manifestar através dos discursos teóricos sobre a infância, cujas matrizes conceituais datam do século XIX, e que culminam com o surgimento de uma série de legislações que revelam uma nova sensibilidade e uma nova atitude em defesa dos direitos das crianças. (SOUZA, 2010, p.92)

Aponta Souza (2010, p.92) que no âmbito das legislações internacionais, nos seus fundamentos políticos e jurídicos, desenvolveu-se uma crescente preocupação com a valorização e garantia dos direitos da criança e adolescente. Sustentando que, nesse processo, desencadearam-se preocupações com o cuidado e a proteção de seus direitos, em oposição aos aspectos e perspectivas de tentar igualar a criança e o adolescente ao adulto.

Especificamente no Brasil, a política de atendimento voltada para a criança e o adolescente, obteve rebatimentos que traçaram novos aspectos, na segunda metade da década de 1980. Desde o Brasil Colônia até meados do século XX, as crianças e adolescentes eram vistas como objetos, e, especificamente, os pertencentes às classes mais subalternas foram vistos como objetos de “proteção social”, disciplina, repressão e controle. É possível observar nesses processos, a problemática da construção social brasileira que detém traços culturais de dominação, desigualdade e exclusão (SOUZA, 2010, p.93).

Historicamente, na constituição dos direitos da criança e do adolescente, segundo Souza (2010), tem-se obtido uma sistemática de relegar as perspectivas das crianças e adolescentes ao segundo plano, ou melhor, as expressões e impressões deste segmento, seus pontos de vista, foram, historicamente, deixados de lado. Frente a isso, a autora fundamenta a necessidade premente da participação deste segmento no processo de promoção, proteção e defesa de seus direitos:

Entendemos que as crianças e os adolescentes, no contexto das transformações contemporâneas, precisam ser compreendidos em termos processuais e relacionais a partir dos posicionamentos assimétricos a que são submetidas no confronto com as expectativas e demandas do mundo dos adultos em relação a elas. Portanto, é necessária a defesa do direito de crianças e de adolescentes serem ouvidos nas suas diferenças. (SOUZA, 2010, p. 94)

Filho (2010, p.15) reforça que as políticas públicas voltadas para o atendimento dos direitos humanos das crianças e adolescentes necessitam ser efetivas e ter o suporte de um orçamento de recursos públicos que garantam a qualidade destas políticas. Enfatiza que o recurso público é um importante e fundamental elemento que garante a concretização dos direitos humanos deste segmento social. Desta forma, o autor expressa que é necessário viabilizar o artigo 4º do Estatuto da criança e do adolescente no condicionamento das políticas públicas, o qual dispõe sobre a prioridade absoluta no atendimento das necessidades deste segmento nas políticas setoriais, as quais fazem parte da política de atendimento da criança e do adolescente.

A constituição de 1988 é apontada por Filho (2010, p.30) como um importante passo jurídico-nacional para a cidadania das crianças e adolescentes. Destaca que a efervescência política da sociedade, no processo da constituinte, foi fundamental para adoção da concepção de cidadania no ordenamento jurídico interno. Uma mobilização que fomentou a adoção, no texto constitucional, da promoção da cidadania, visando uma sociedade justa e igualitária.

O autor demarca que os aspectos legais no âmbito internacional ganharam um importante avanço para a proteção da vida da infância. Uma proteção baseada na vida digna e que requer a contemplação dos diversos direitos. Esse avanço, na tutela internacional dos direitos humanos das crianças e adolescentes, constituiu-se e se constitui como aspecto fundamental para a garantia de direitos e combate às violações historicamente vividas por este segmento (FILHO, 2010, p.38).

Filho (2010, p.34) elenca que, no campo legal internacional, a Convenção de 1989 foi essencial para romper com as invisibilidades políticas e jurídicas construídas historicamente em torno da infância e adolescência. Esta Convenção, sustenta o autor, “supera a invisibilidade política e jurídica historicamente submetida à infância e invoca os princípios dos direitos humanos para as crianças, especialmente, os da universalidade, indivisibilidade e exigibilidade” (p.34).

A convenção expressa uma preocupação não só de concretizar direitos, mas de fazer os Estados cumprirem com os termos assumidos, pela razão que, a convenção uma vez assumida, tem peso de obrigatoriedade no seu cumprimento (FILHO, 2010, p.34).

Para Filho (2010, p.45), as problemáticas na efetivação dos direitos nas políticas públicas decorrem, em grande parte, da concorrência de competências, dos impasses do orçamento e da falta de clareza dos papéis que cada ente federativo deve desenvolver. Comprometendo, desta forma, a implementação dessas políticas no sentido de garantir os direitos humanos das crianças e adolescentes.

Os aspectos legais internos e externos vieram se constituindo na contramão das injustiças, exclusões, invisibilidades e segregações históricas que a infância e a adolescência vivenciaram. Da perspectiva de menores para a de sujeito de direitos, esses elementos normativos vêm se construindo com base na perspectiva da cidadania e dignidade da vida humana. Porém, ainda há problemáticas na efetivação e concretização dos direitos humanos deste segmento pelas políticas públicas (FILHO, 2010).

Os processos pelos quais a atenção às crianças e adolescentes passou incorreu sob diversas perspectivas. Ora no seio da punição, ora no seio da proteção por meio de direitos. Ora como objetos de cuidado, ora como pessoas titulares de direitos humanos gerais e específicos. Esses aspectos mediatos por disputas de interesses, disputas entre concepções, tem também mediado o campo do combate ao trabalho infantil.

O trabalho infantil se apresenta na formação social brasileira desde tempos remotos. Ele está presente desde sua perversa colonização, e permanece violando direitos de crianças e adolescentes até os dias atuais, como busca apreender o próximo capítulo.