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CIDADE DISPERSA VERSUS CIDADE COMPACTA: O PREDOMÍNIO DO MODELO MULTIFUNCIONAL E COMPACTO

A caverna já conhecemos, falta-nos encontrar a luz

4. A ASCENSÃO DO URBANISMO INSUSTENTÁVEL?

4.2 CIDADE DISPERSA VERSUS CIDADE COMPACTA: O PREDOMÍNIO DO MODELO MULTIFUNCIONAL E COMPACTO

“Além da oportunidade social, o modelo de „cidade densa‟ pode trazer benefícios ecológicos maiores. As cidades densas, através de um planejamento integrado, podem ser pensadas tendo em vista um aumento de sua eficiência energética, menor consumo de recursos, menor nível de poluição e, além disso, evitando sua expansão sobre a área rural. Por estas razões, acredito que devemos investir na idéia de „cidade compacta‟ – uma cidade densa e socialmente diversificada onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham e

onde as comunidades sejam concentradas em torno de uma unidade de vizinhança.”

(Rogers, 2005: 33)

A sustentabilidade urbana tem como foco, antes de tudo, a esfera social e de comunidade, já que os principais problemas urbanos têm sua origem nas relações humanas. Além desses elementos, há a espacialização como componente físico na formação urbana, o que determinam morfologias distintas conforme as diversas condicionantes atuantes sobre o processo de constituição física da cidade. Esta pode ser mais compacta ou mais dispersa, mais vertical ou mais horizontal, mais integrada ou menos integrada; e o desenho urbano pode determinar níveis de coesão social (ou segregação), mobilidade, acessibilidade, identidade, entre outros diversos aspectos determinantes da qualidade de vida nem sempre compreendidos pela gestão urbana e sociedade. Por outro lado, a expansão urbana vigente nega os limites naturais impostos aos recursos finitos do planeta, colocando em conflito o sistema econômico vigente que promulga o desenvolvimento ilimitado do capital.

O urbanismo disperso gera problemas ambientais, face ao espalhamento da cidade sobre a paisagem natural, eliminado florestas, se apropriando dos recursos naturais, aumentando a demanda por consumo e energia, produzindo resíduos em excesso como resultados do modelo de consumo. A dispersão urbana exige intenso uso de veículos para transporte de mercadorias e pessoas (em âmbito local, urbano, regional, nacional e internacional) que acarretam a poluição do ar por meio da emissão de gases provenientes de combustíveis fósseis nos diversos meios e redes de transporte, bem como da

impermeabilização do solo decorrentes da pavimentação excessiva, que além de exercer sérios danos ao ciclo hidrológico, proporciona enchentes face à deficitária infraestrutura urbana, bem como impacta o clima urbano de forma considerável.

Como movimento urbano alternativo a esse panorama, discussões são postas sobre a realidade vigente das cidades, questionando e propondo modelos urbanos que correspondam às novas necessidades ambientais e de qualidade sustentável. Sobre essa lógica de compacidade, Rogers (2005) propõe a redução das distâncias urbanas como incentivo ao caminhar do pedestre ou ao uso de bicicletas (Figura 04). Acselrad (1999; 2009) por sua vez, propõe, além da compactação urbana, a descentralização dos serviços, partindo das áreas centrais para as periferias, o que promoveria um espaço urbano menos segregado e mais igualitário. Para o autor, é vital a inclusão das áreas periféricas na cidade formal, estabelecendo a distribuição dos serviços e equipamentos urbanos, integrando centro e periferia, bem como o público e o privado. Porém, o autor toca na questão da necessidade de controle demográfico paralela às mudanças no processo de gestão urbana.

Figura 04 Diagramas representativos de um urbanismo disperso, focado no zoneamento rígido das funções urbana e promoção de monofuncionalismo para uso do automóvel em

grandes distâncias, e a alternativa sustentável de urbanização compacta que encurta as distâncias para o pedestre e bicicleta, sobrepõe funções e induz à diversidade criando bairros sustentáveis cheios de vitalidade.

Fonte: Autor (2011), Adaptado de ROGERS, 2005: 39.

A suburbanização exerce no país um fenômeno distinto ao processo de periferização na Europa, Oceania (Austrália e Nova Zelândia) e EUA (Figuras 05 e 06), nos quais o espalhamento urbano é resultado de um planejamento burguês das periferias e consequente abandono dos centros urbanos antigos à procura de melhor qualidade de vida. A disponibilidade de recursos, qualidade de equipamentos urbanos e de infraestrutura também definem um urbano de “alto padrão”, muito distinto dos modelos reproduzidos nos países mais pobres ou em desenvolvimento.

Figura 05 Relação entre transporte e consumo de energia (Gigajoules per capita por

ano) em conforme a densidade urbana (habitantes por ha).

Fonte: Newman & Kenworthy, 1989; Atlas Environnement du Monde Diplomatique, 200719.

19 Disponível em: < http://maps.grida.no/go/graphic/urban-density-and-transport-

related-energy-consumption>. Acesso em: 11/08/2011.

Figura 06 Gráfico do estudo de Newman e Kenworthy em 1989, que se refere à

demonstração de uma relação entre a densidade urbana global (m²/pessoa) e uso de energia de transporte (gigajoule/pessoa).

Fonte: Newman & Kenworthy, 1989.

No Brasil, a periferização ocorre de forma desordenada e não planejada pela gestão pública, resultando em cortiços, favelas, palafitas, mocambos, entre outras designações para a improvisação de abrigos à população mais pobre. Somente nas últimas décadas que se proliferam nas periferias das cidades brasileiras os condomínios fechados20, que nas décadas de 1990 e 2000 atuaram nas principais cidades brasileiras, à procura de terra barata, isolamento social e qualidade ambiental que majoram os ganhos especulativos do empreendedor (DUARTE, 2006). Surpreendentemente, os conjuntos

20 Atualmente, nas grandes e médias cidades brasileiras, há uma disputa urbana

periférica (periurbanização) entre os condomínios legais de classe baixa, média e alta, como também a ocupação irregular de moradias de baixa renda, caracterizando uma nova forma de disputa pelo urbano, muitas vezes não contabilizada pelas estatísticas oficiais.

habitacionais regulares de baixa renda também disputam o território da periferia no Brasil desde a década de 1960.

Contudo, mais recentemente, os governos passam a implementar condomínios-fechados de baixa renda, estabelecendo um diálogo fragmentado de espalhamento urbano, segregando por castas socioeconômicas e transformando as cidades em aglomerados habitacionais murados. Deste modo, segue-se à lógica de espalhamento urbano de forma não planejada (ou planejada de forma incorreta) e incoerente com as novas discussões urbanas de sustentabilidade, densidade e diversidade.

Para Rueda (1999), a análise dicotômica entre os dois modelos opostos de ocupação urbana – a cidade compacta e a difusa – permite estabelecer critérios de análise que comparam a eficácia dos sistemas. A minimização do consumo de materiais, energia, e água, bem como a otimização de infraestrutura, o aumento da complexidade dos sistemas e coesão social destacam a supremacia do modelo compacto sobre o difuso na promoção da sustentabilidade urbana (ver Quadro 01).

Quadro 01 Comparação dos modelos de cidade difusa e compacta desde o marco da unidade sistema-entorno.

MODELO DE CIDADE DIFUSA MODELO DE CIDADE COMPACTA

Pressão sobre os sistemas de suporte por exploração nível causa nível causa

Consumo de

materiais. Para a produção e a manutenção do modelo urbano. > A dispersão da edificação e as infraestruturas. A superfície edificada por habitante é maior. Tipologia edificatória com maior manutenção.

< A proximidade entre os usos e funções supõe um menor consumo de materiais. A superfície edificada / habitante é menor. Tipologia edificatória com menor manutenção.

Consumo de

energia Em relação ao modelo de mobilidade. > O modelo de mobilidade está focado no veículo privado. < A maioria das viagens se podem realizar a pé, de bicicleta ou por transporte público. Consumo de

energia. Em relação às tipologias edificadas. > Consome-se mais energia nas tipologias de edificação unifamiliares. < As demandas energéticas em blocos de apartamentos (multifamiliares) é menor. Consumo de

energia. Em relação aos serviços. > Dispersão das redes < Por proximidade das redes. Consumo de água. Em relação às tipologias edificadas. > Consumo em jardim, piscina, etc. < Em edificação multifamiliar é menor.

Pressão sobre os sistemas de suporte por impacto

nível causa nível causa

Consumo de solo e perda de solo

superficial e fértil. > Explosão urbana do modelo sem crescimento demográfico. < Consumo restringido, subordinado ao crescimento da população. Perda de biodiversidade. > Formação de Ilhas nos sistemas agrícolas e naturais devido à

expansão das redes de mobilidade. < Conservação dos sistemas agrícolas e naturais. Conservação do mosaico agrícola, florestal, pastos e cercas, típico da Europa temperada.

Perda da capacidade de infiltração da água. Aumento da velocidade da água pluvial até chegar ao mar.

> Impermeabilização das áreas de infiltração e outras e canalização

dos rios. < Conservação das áreas de infiltração e das margens dos leitos respeitando as áreas protegidas. Emissão de gases de efeito estufa. > Pelo maior consumo energético. < O consumo energético é menor.

Emissão de contaminação atmosférica. > Pelo modelo de mobilidade e o modelo energético. < É menor pelo menor consumo de energia e uma maior acessibilidade.

Manutenção e aumento da organização do sistema urbano nível causa nível causa

espaço se encontram portadores de informações similares: os operários com os operários nas áreas industriais, os estudantes com os estudantes no campus universitário, etc.

Compacidade e proximidade entre os

portadores de informação. < A dispersão de usos e funções no território proporciona tecidos urbanos fragmentados. > A concentração de edifícios dá lugar a tecidos densos e de usos e funções próximas entre si. Coesão social. < Segrega a população no espaço segundo etnia, religião, classe social, etc. > A mescla de pessoas e famílias com características econômicas, etnias, religiões, etc, supõe uma maior estabilidade social porque

aumenta o número de circuitos reguladores recorrentes.

Qualidade urbana Contaminação atmosférica < A separação de usos permite obter níveis de emissão menores. > O uso mais intenso do tecido urbano proporciona níveis de emissão maiores. Qualidade urbana Ruído < É menor em certos tecidos urbanos e sensivelmente igual ou maior

em outros.

> A concentração de veículos provoca um aumento das emissões ruidosas. A redução do nº de veículos circulando pode supor uma diminuição do ruído urbano.

Qualidade urbana Espaço público < Reduz-se e se substitui por espaços privados em grandes concorrentes urbanos: desportivos, comerciais, de transporte, etc. > A rua e a praça constituem os espaços de contato e de convivência por excelência, que pode combinar-se com o uso de espaços grandes concorrentes.

Legenda: “>” para maior e “<” para menor. Fonte: RUEDA (1999: 17) - Adaptação e tradução do autor (2010).

No campo do embate entre os arquétipos urbanos de ocupação territorial, as pesquisas de Rueda (1998; 1999; 2001 e 2002) destacam dois modelos de cidades representados pela cidade compacta e complexa, e pela cidade difusa e dispersa no território (Figuras 07 e 08). O autor afirma que estes modelos não se encontram em estado puro, podendo-se identificar cada modelo respectivamente por meio das suas características mais próximas. Atualmente, segundo Rueda, a tendência urbana é a implantação de usos e funções de modo mais disperso, baseado na localização das atividades econômicas nas redes que o urbanismo vai desenhando, chamado de planejamento funcionalista.

As conexões no sistema urbano das cidades difusas se realizam por meio das redes viárias, as quais promovem a dispersão urbana, pois se transformam em um verdadeiro estruturador do território. O produto desse formato urbano é um espaço segregado que separa socialmente a população no território disperso. Esta imposição de transporte e locomoção em grandes distâncias implica em

inúmeros transtornos: congestionamentos, emissão de gases, ruídos, acidentes e aumento do tempo no transporte de pessoas, serviços, materiais e mercadorias. As soluções para a crescente demanda urbana consistem no aumento do sistema viário, agravando com isto a dispersão territorial e o consumo de energia.

Figura 07 Modelo de cidade difusa.