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“A cidade existe e possui um segredo muito simples: só conhece partidas e não retornos”. Italo Calvino

As correntes migratórias do norte da Itália que colonizaram a Região Nordeste do estado do Rio Grande do Sul começaram a chegar e a se fixar no período de 1875 até a primeira década do século XX, por iniciativa do governo imperial, que adotou o sistema de lotes, no desejo de importar mão de obra europeia e vender suas terras, aumentando, desse modo, tanto a população quanto a produção agrícola. Mas, até chegar a seu lote, o imigrante não poderia ser fraco se quisesse vencer. No romance A cocanha, ele percorre um longo arranha-céu de árvores “aberto a facão”:

Agora vão em direção a seu pedação de terra, e por isso estão de alma leve. Bépi chega a entoar um canto, mas logo guarda o fôlego. Pela frente há pedras, barro, troncos de árvores no chão, riachos, não é uma caminhada fácil. [...].

Depois de seis horas andando, o caminho por onde vinham se fecha. Diante deles está o mato, tão denso que não dá para imaginar por onde entrar. [...]. Daí para frente, terão que abrir caminho a facão. [...].

Penetram então, pela primeira vez, numa verdadeira floresta da América. Ela é sombria como uma igreja, pois o sol não passa pelos galhos de árvores. E têm de andar um atrás do outro, em fila, cuidando para não perder o chapéu no emaranhado dos cipós e do mato rasteiro. Apesar dos cuidados, Bépi tem o braço arranhado nos espinhos e solta uma blasfêmia. [...].

– Aqui começam as terras não ocupadas – informa o guia. – Elas descem na direção do rio das Antas. Aqui em cima são ainda planas. Mas para baixo, já são pirambeiras. Prestem atenção que vão ver pequenas estacas dividindo os lotes. (POZENATO, 2000, p. 113-114).

A mata fechada enfrentada por Bépi e seus companheiros, até Cósimo escolher a sua terra, que daria ao lugar o nome de Santa Corona, de certo modo, assemelha-se à selva que era Antônio Prado, ou seja, a floresta intocada, ou ainda, tomando as palavras de Williams (1989), a “terra selvagem ou inata”, até que seus penhascos fossem desbravados por volta de 1880. Conforme Fidelis Dalcin Barbosa (1980), Simão David de Oliveira, solteiro, analfabeto, com 43 anos, vindo de São Paulo com seu agregado Joaquim, casado e com um filho, fundou o povoado que daria início para a futura fundação da Colônia Antônio Prado. No local criou- se um passo para a travessia do Rio das Antas que ficou conhecido, popularmente, como Passo do Simão, estrada que até hoje liga a margem do rio à cidade.

No mesmo período, alguns imigrantes poloneses e suecos estabeleceram-se nas proximidades de onde hoje se situa o município de Nova Roma do Sul, fundando a primeira capela denominada Santa Ana Velha. Já outros imigrantes italianos estabeleceram-se no povoado iniciado por Simão e seu agregado. Após a criação dos núcleos de Conde D’Eu (hoje Garibaldi), Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e nas proximidades da cidade de Santa Maria (a Colônia Silveira Martins), iniciou-se um movimento para a construção de uma picada e, mediante contrato entre o engenheiro-chefe Henrique Cristiano da Silva Guerra e Camilo Marcantônio – que firmava a construção de um barracão, de uma casa canônica para o capelão (cargo ocupado, em 1888, pelo Padre Alexandre Pelegrini) e de um cemitério no Passo do Simão –, foi fundada a nova colônia nomeada de Paese Nuovo.

Considerado um dos pioneiros de Antônio Prado, em função de tal contrato, Marcantônio, nascido em Trento em 1838, imigrou para o Brasil com a família em 1877, “[...] instalando-se, a princípio, no Barracão dos Imigrantes de Campo dos Bugres (Caxias) e, a seguir, abriu casa de comércio, tendo sido um dos primeiros negociantes de Caxias” (ASSIS, 2008, p. 136). Tal como Camilo Marcantônio, procedente da Colônia Caxias,48 ao longo dos

anos foram chegando à Colônia Paese Nuovo imigrantes das famílias Bocchese, Citton, Dellagiustina, Dotti, Grazziotin, Letti, Michelon, Roveda, muitos deles proprietários das casas hoje tombadas da cidade de Antônio Prado. Esses imigrantes recém-chegados foram contratados para trabalhar na implantação da Colônia Antônio Prado, que, como descrevem os autores Vitalina Maria Frosi e Ciro Mioranza (2009, p. 60), “[...] tinha como área de influência as glebas compreendidas entre o rio da Prata e os Campos de Cima da Serra” (FROSI; MIORANZA, 2009, p. 60) e, portanto, como novo núcleo, necessitava de médicos, padres, engenheiros, fiscais, escriturários e agrimensores.

Com a fundação oficial, em 14 de maio de 1886, a Colônia passa a se chamar Conselheiro Antônio Prado, em homenagem ao paulista Antônio da Silva Prado, formado em Direito, nascido em 1840 e falecido em 1929, no Rio de Janeiro, e que além de ter sido delegado de polícia, vereador, jornalista, agricultor e pecuarista, trabalhou no Parlamento, a favor da imigração:

[...] foi nessa data que o engenheiro-chefe da Comissão de Medição de Lotes, Bacharel Manuel Barata Góes enviou à Província de São Pedro do Rio Grande do Sul um ofício informando o orçamento com as prováveis despesas para o assentamento de imigrantes na nova colônia que seria fundada em terras à margem direita do rio das Antas. Nesse mesmo ofício, sugere e solicita ao Exmo. Ministro da Agricultura a permissão para que seja denominada a nova colônia Paese Novo de

48 “A primeira colônia a ser demarcada é a dos fundos de Nova Palmira, mais tarde colônia Caxias [...]”

Conselheiro Antônio Prado. Antônio da Silva Prado era Ministro da Agricultura do Império, exercendo importante influência no Parlamento para a criação de núcleos coloniais no Rio Grande do Sul, o que lhe valeu o nome de uma das colônias (BARBOSA apud ROVEDA, 2003, p. 41).

Já em 1887, a então Colônia Conselheiro Antônio Prado apresentou um acelerado crescimento decorrente da vinda de levas de colonos. De acordo com Loraine Slomp Giron e Heloisa Eberle Bergamaschi (2004), no mesmo ano, foi edificada a primeira casa na zona urbana e foram plantados o primeiro parreiral e árvores frutíferas no centro da sede. Em 11 de fevereiro de 1899, a Colônia deixou de ser o 5º Distrito, sob a jurisdição do município de Vacaria, passando a ser, oficialmente, município de Antônio Prado, com uma população de aproximadamente dez mil habitantes, a maioria composta por italianos. As autoras também apontam que no mesmo ano foi organizada uma cooperativa de consumo dirigida pelo Padre Alexandre Pellegrini. Cabe ressaltar que, assim como o médico, o prefeito e o delegado, o padre representava para a colônia e, depois, para o município, uma liderança social e, ao mesmo tempo, política, pois era na capela que os imigrantes se reuniam aos domingos, para a missa e as discussões em geral. O pesquisador Valdemir Guzzo aponta que “o padre desempenhava um papel importante na comunidade. Sua presença era fundamental para manter a fé cristã, fator de integração social que vai transformando e assistindo a sociedade em que atua. No padre concentra-se a busca de proteção, de conforto e de conselhos” (GUZZO, 2008, p. 100). O autor complementa:

O padre participa da organização da sociedade e também da definição de seus aspectos ideológicos. Estava ligado à comunidade e, pela sua importância, considerado essencial. É o centro da vida do povoado. É ele o poder político e espiritual. É o líder comunitário. Líder na fé, detentor da verdade e líder social (GUZZO, 2008, p. 100).

Assim, em 1889, Antônio Prado contava com duas fábricas de cerveja, uma farmácia, uma paróquia, uma escola de irmãs francesas da Congregação de São José (com 230 alunos) e várias casas de negócios, responsáveis pelo fornecimento de grande parte de seus produtos a Vacaria.

Por conseguinte, nas primeiras décadas do século XX, o município tinha um intenso comércio, indústrias, hotéis e pousadas, devido à Estrada Júlio de Castilhos, construída pelo governo do Estado, que pretendia conectar a região com a estrada de ferro em construção entre Porto Alegre e Caxias do Sul. Inaugurada em 1902, a Estrada Júlio de Castilhos passava pelo centro de Antônio Prado, ligando a cidade aos atuais municípios de Farroupilha, Vacaria, Nova Roma do Sul e Ipê. O intenso comércio e o fluxo de pessoas que utilizavam o trajeto para transportar mercadorias motivaram as tentativas para construir a primeira ponte sobre o

Rio das Antas, no Passo do Simão. Até então, só era possível transpor o rio que ligava Antônio Prado a Flores da Cunha por uma balsa de madeira, recurso lento e pouco seguro, que suportava baixo peso, sendo, ainda, impossível a travessia, com a elevação da água, em dias de intensa chuva, interrompendo o tráfego, muitas vezes, por semanas. Mas, em função de divergências de interesses políticos, a ponte metálica encomendada da Alemanha pelo governo do estado que seria erguida no Passo do Simão, principal acesso, na época, ao município de Antônio Prado, ligando-o a Flores da Cunha e esta a Caxias do Sul e a Porto Alegre, foi transferida para o Passo do Korf, em Criúva, distrito de Caxias do Sul, mediante autorização do então Presidente do estado, Borges de Medeiros. A alteração do lugar de instalação da ponte trouxe entraves significativos para o município: “Em 1907, foi inaugurada a primeira ponte sobre o Rio das Antas. Esse foi o grande revés sofrido por Antônio Prado e as consequências foram o isolamento do município por várias décadas” (ROVEDA, 2003, p. 45).

Sabe-se, no entanto, que o desvio do local da ponte, embora tenha sido o principal fator que tornou a cidade de Antônio Prado isolada por anos, também não foi o único problema. Por volta de 1915, muitas famílias deixaram o município em virtude das ofertas de terras pelos governos nos Estados de Santa Catarina e Paraná. Nessa época, havia, no município, aproximadamente vinte estabelecimentos comerciais, que passaram a abastecer não somente Vacaria, mas também Bom Jesus, Lagoa Vermelha e até mesmo a cidade de Lages, do vizinho Estado de Santa Catarina. Como os moradores desses municípios se deslocavam até Antônio Prado para comprar e vender mercadorias e nessas negociações deixavam dinheiro na cidade, ao contrário da maioria dos colonos locais que pagavam conforme o ciclo da colheita de seus produtos, os proprietários dos estabelecimentos comerciais abriram filiais para abastecer seus clientes em suas cidades. Ao procurar atender a grande demanda desses municípios, Antônio Prado teve como consequência uma redução expressiva em seu comércio. A situação econômica foi ainda agravada com a abertura da BR- 2, hoje BR-116, ligando o Brasil de Norte a Sul, o que excluiu Antônio Prado do tráfego rodoviário do país, pois a Estrada Júlio de Castilhos, que atravessava a cidade, envolvendo-a em intensas relações de comércio em função de figurar na antiga Rota das Tropas, deixou de servir como sistema viário no final da década de 1930. O uso de uma nova rota pelo traçado da BR-2, somado ao desvio da ponte, “culminou num golpe quase fatal para a cidade, que, em pouco tempo, já mostrava sinais de retração no comércio, com seus hotéis fechando e famílias inteiras deixando a comunidade, para fugir do isolamento que condenava o município à estagnação” (ROVEDA, 2003, p. 47).

Como se já não bastassem tais motivos que ocasionaram o revés econômico, também se atribui ao conflito de 25 de maio de 1936 uma grande contribuição para o êxodo dos Antônio-pradenses. Os registros oficiais sobre o episódio dão conta de um tiroteio que se instalou, repentinamente, em plena Praça Garibaldi,49 em frente ao prédio da Prefeitura Municipal,50 quando os colonos protestavam contra o aumento de impostos. Relativo ao sistema de impostos da época, Valdemir Guzzo (2008) destaca que a Constituição Federal de 1934 determinava a autonomia dos municípios em relação à organização, arrecadação e distribuição dos impostos e taxas:

A Lei 55, de 24/12/1934, na administração de Marcantônio, determinava a cobrança por lotes ou fração de lotes. A Constituição Estadual de 1935 determinava a elaboração da lei orgânica municipal pela Câmara Municipal e promulgada pelo Prefeito. Para o exercício de 1936 é então assinada a Lei de n. 43, que regulamenta a cobrança por percentuais a partir da renda bruta da propriedade rural. Embora modificadas as leis, os valores não tiveram alteração significativa, uma vez que propiciavam a redução para muitos pequenos agricultores e o acréscimo de valores aos maiores produtores (GUZZO, 2008, p 102-103).

O resultado do protesto contra os impostos gerou o confronto que culminou em vários feridos e nas mortes do delegado Armindo Cesa, genro do então prefeito Oscar Hampe, e, ainda, de Antônio Perosa, Vitório Meneguzzi e Pedro Pastore, os três últimos, moradores da Linha São Pedro, área rural do município.

No romance A cocanha, de José Clemente Pozenato, em uma das conversas entre Bépi, Cósimo e Roco, a bordo do navio, a menos de duas semanas de chegarem ao Brasil, a taxa de impostos cobrada na Itália é apontada pelos amigos como uma das razões para terem deixado a terra natal. Diferentemente da realidade vivida pelos colonos de Antônio Prado, o que parece ter sido o gerador do Conflito de 25 de maio de 1936, além da quantidade de terras para plantar, das vacas e porcos que pretendiam criar para produzir leite, queijos e carnes e das pipas de vinhos que desejavam encher, os imigrantes italianos também vieram para América movidos pelo sonho de viver em um país livre de impostos. Roco lembra aos colegas de viagem que no Brasil não se pagam impostos, motivo que levou Cósimo a exclamar: “– Casso! [...]. Só isso me basta. Viver sem pagar imposto. Vocês são mais novos, não sabem o que foi o imposto da farinha, a tassa sul macinato” (POZENATO, 2000, p. 61). No entanto,

49 Praça abraçada pelo Centro Histórico tombado pelo IPHAN.

50 De acordo com Fernando Roveda (2003), a Casa Vitório Faccioli/Intendência e Prefeitura, localizada na Rua

Francisco Marcantônio, número 57, e tombada pelo IPHAN, foi construída por Vitório Faccioli, para uso comercial e moradia, entre 1896 e 1900. A “mansão” – como a intitularam na época –, em alvenaria e com dois pisos, no entanto, nunca foi usada por ele ou pela família, pois com a emancipação política do município e por ser considerada uma edificação muito luxuosa, foi alugada para abrigar a Intendência Municipal. Em 1921, Vitório Faccioli vendeu o prédio para o município, que além de Intendência/Prefeitura, serviu, no subsolo, como cadeia. A casa, que já passou por várias reformas, continua a ser ocupada pela Prefeitura Municipal.

Roco sabia disso, pois seu tio havia ficado preso durante anos por ter sido acusado de participar de incêndios de celeiros, sendo solto somente depois de abolida a tassa sul macinato:

O imposto sobre a moagem, que o governo dizia ser necessário para salvar a nação, deixava os camponeses enfurecidos. Era uma taxa que atingia os mais pobres, os que viviam de pão e polenta, e era chamada de imposto sobre a fome. Não havia possibilidade de burla, o que a tornava ainda mais odiosa. O governo instalara nas moendas um contador que funcionava automaticamente. Quem ia retirar farinha tinha que pagar ao moinheiro um acréscimo de duas liras por quintal do produto. Duas liras eram nada, até para os cofres públicos. Mas para quem pegava uma criança na roda dos expostos, para ter cinco liras ao mês, duas liras eram uma extorsão. As estradas da Itália, da Sicília a Milão, viram passar procissões de camponeses emigrados por causa da tassa sul macinato. E o país inteiro fora sacudido por revoltas de camponeses. Era a guerra do pão. Houve centenas de mortos nos confrontos com os gendarmes e pelo menos quatro mil foram parar nas prisões (POZENATO, 2000, p. 61).

Assim como o tio de Roco, Cósimo conta aos amigos que ele também havia parado na cadeia nessa guerra de pão. Diz Cósimo:

– Vocês eram novos para saber o que foi aquilo. Eu estava junto num protesto, em Arzignano, e veio a gendarmeria. A única coisa que achei na bolsa para atirar foi um pedaço de pão velho. Atirei aquilo mesmo e acertei na testa de um gendarme. E não é que abriu uma brecha, de correr sangue? Vejam que pão eu comia. Pior que pedra – riu. Vieram como cães raivosos para cima de mim, me encheram de pauladas nas costas e me levaram in galera. Um mês, me deixaram mofando aqueles animais (POZENATO, 2000, p. 62).

Cósimo prossegue enraivecido: “– O novo governo prometeu acabar com o imposto e nada fez [...]. – Vira e mexe, ficou tudo como estava. Para mim isso foi a gota d’água. Aí eu entendi que na Itália nada vai mudar nunca. Era tempo de ir embora” (POZENATO, 2000, p. 62). Ao ouvir o relato de Cósimo, Roco observou: “Interesse de gente poderosa [...]. O povo não pode nada contra eles. E acham que isso não vai ter na América? Senhores existem em toda a parte” (POZENATO, 2000, p. 62).

Roco, assim como Bépi e Cósimo, não sabia que senhores teriam na América, mas segundo ele, seria um milagre que eles não existissem. Parece que Roco estava certo. Do outro lado do oceano, mais de meio século depois, o episódio de 1936, em Antônio Prado, é semelhante aos conflitos vividos, outrora, pelos imigrantes italianos em continente europeu. Como na Itália, no País da Cocanha não esteve livre de impostos e das mortes causadas pelos confrontos entre as lideranças políticas e os camponeses.

Valdemir Guzzo (2008), relata que ao chegar a Antônio Prado, em 1986, transferido do município de Sananduva, RS, para trabalhar na agência do Banco do Brasil da cidade, uma placa colocada junto ao acesso principal do prédio da Prefeitura Municipal chamou sua atenção, pelos seguintes dizeres: “Homenagem a Armindo Cesa, aqui tombado heroicamente,

no dia 25/05/1936, na defesa da ordem e das instituições, aos 24 anos de idade, como delegado de polícia” (GUZZO, 2008, p. 96). Para tentar compreender o incidente procurou, então, estudar alguns aspectos religiosos e políticos do município, constatando que desde sua instalação Antônio Prado viveu politicamente dependente das ordens do governo estadual, sendo que o partido governista nunca havia perdido as eleições.

Em sua investigação, Guzzo analisou documentos e fontes bibliográficas e ouviu depoimentos de nove pessoas, algumas presentes no episódio, que narraram a história, e outras que contaram as versões recebidas, de forma oral, por familiares. Os disparos foram atribuídos ao Dr. Oswaldo Hampe, mas, conforme salienta Guzzo, os depoimentos se contradizem e, em meio ao número de disparos e à quantidade de pessoas envolvidas, ficou difícil comprovar a origem dos tiros, sendo que, para o pesquisador, há muito folclore por trás da história. O autor declara:

Lembro que muitos dos fatos foram relatados muitos anos após os acontecimentos e a memória dos entrevistados, invariavelmente, incorpora fatos novos sem que necessariamente tenham ocorrido. Tive o cuidado de buscar dados nas delegacias regionais e em jornais da época para confrontá-los, uma vez que a memória, especialmente depois de tantos anos, pode nos trair (GUZZO, Informação verbal, 15 jan. 2015).

Entretanto, Guzzo observa que o médico cirurgião Oswaldo Hampe, irmão de Oscar Hampe tomou para si as atividades médicas do município, antes exercidas pelo farmacêutico italiano Vicente Palombini, que, muitas vezes, atuava como médico e que foi proprietário da primeira farmácia, que levava o seu nome. Na eleição de Oscar Hampe, o município já vinha dividido em duas fortes correntes: uma representada pela situação, e a outra, pelo oposicionista Calvino Palombini, filho do farmacêutico Vicente, outrora companheiro do médico. Sobre as acirradas disputas políticas vividas na cidade, Guzzo assinala que em seu livro, Reminiscências da vida de um cirurgião, Oswaldo Hampe assinala as dificuldades para a implantação de uma usina elétrica na cidade, situação criada, segundo ele, pelos contrários à administração de seu irmão. Nesse levantamento do ocorrido, o pesquisador também chama atenção para o fato de Oscar Hampe exercer a função de delegado no governo do Major Francisco Marcantônio:

Eleito prefeito, Hampe nomeia para delegado o Sr. Armindo Cesa (seu genro), que permanece no cargo pouco mais de um mês. Íntegro, respeitador das normas, defensor da lei e da ordem, Armindo não aceitou a sugestão de impedir com uma barreira policial o acesso à cidade dos colonos que se deslocavam do interior naquela tarde de 25 de maio (GUZZO, 2008, p. 105).

As acirradas divergências políticas também se estendiam ao campo religioso. A estrutura da Igreja Católica, administrada por mais de trinta anos pelo Cônego Benini, de

personalidade marcante, que, ao contrário do que se buscava na figura do padre, mais amedrontaria os fiéis do que transmitiria auxílio espiritual, também demarcou os conflitos entre as lideranças do município. Mas “a situação de dissidência aumenta em 1916 com a