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Ao nos pautarmos nas discussões entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier (in: CHARTIER, 2001), que tratam a cultura enquanto as práticas dos grupos, sendo a leitura uma dessas práticas e na via traçada por Chartier (2002), que liga à leitura às “apropriações” das representações feitas pelo leitor, sempre diferenciadas e dependentes de suas relações com os textos e das determinações sociais na produção de sentidos, convém retomarmos algumas ideias acerca de cultura, sobre o que está envolvido em um processo cultural, de acordo com Pozenato (2003), Geertz (2001; 2012) e Burke (2005; 2010). Esses autores, conforme já explicamos na introdução desta tese, assim como as edificações, os monumentos, os espaços, a sociedade e as imagens, também entendem a cultura como textos, tendo em vista os contextos, os significados atribuídos pelo homem e as interpretações dadas pelos seus produtores.

José Clemente Pozenato (2003) observa que a cultura deve ser pensada como um discurso, como um conjunto de textos que têm que ser lidos e interpretados, e não como um código linguístico, pois, segundo ele, descobrindo o código de uma língua não se descobre o significado do que as pessoas dizem nessa língua. Ao afirmar que o significado não está no código, mas no discurso que é feito a partir desse código, argumenta:

[...] apenas ter o código na mão não me dá condições de compreender o discurso. Comparando com o trabalho que se faz na área da língua, o trabalho de leitura do significado do discurso está muito mais próximo da interpretação de um texto literário do que da análise constitutiva dos elementos linguísticos (POZENATO, 2003, p. 37).

Seguindo tal raciocínio, o autor sustenta que “[...] não se faz nenhuma política cultural sem uma ideologia [...]” (POZENATO, 2003, p. 34). Logo, toda representação é simbólica, política e também ideológica, sendo que a representação constrói valores e é construída pelos valores de um grupo social.

Desse modo, como símbolo de uma continuidade, o discurso ideológico liga a cidade de Antônio Prado à tradição, seja como a cidade que pode atuar para a Região Colonial Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI) como “a história viva de um povo” ou como “a mais italiana do Brasil”. Nas duas manifestações percebe-se essa ideologia no plano da representação da imagem de um grupo cultural a partir da legitimação dos significados dessa imagem.

Ao caracterizar a cultura como um sistema de sinais do qual o significado deve ser permanentemente interpretado, Clifford Geertz reforça que “a cultura é pública porque o seu

significado o é” (GEERTZ, 2012, p. 9). Utilizando a alegoria da “teia”, o antropólogo norte- americano assume a cultura como uma teia de significados tecida pelo homem e a sua análise “[...] como uma ciência interpretativa, à procura do significado” (GEERTZ, 2012, p. 4).

Peter Burke (2005), por sua vez, ao aborda a expansão do domínio de cultura, esboça a história cultural em algumas linhas principais que se entrelaçam, dividindo-a em quatro fases: a “clássica”, a da “história social da arte” (que começou na década de 1930), a da descoberta da história da cultura popular (na década de 1960) e a “nova história cultural”, assinalando que, na época, essas divisões não eram tão claras, pois apresentavam uma série de semelhanças ou continuidades entre os velhos e os novos estilos. Burke lembra que a Nova História Cultural (NHC) é o termo cunhado pela historiadora norte-americana Lynn Hunt, que também deu título a seu livro, publicado em 1989, composto por ensaios que, originalmente, foram apresentados pela autora em um seminário realizado em 1987, na Universidade da Califórnia. Peter Burke também observa que a NHC influenciou algumas das inovações mais significativas da história cultural nas décadas de 1970 e 1980, sendo que as marcas deixadas pela antropologia em geral, e por Geertz, em particular, ainda são visíveis. No entanto, o autor defende que “a chamada ‘nova história cultural’ tem mais de uma fonte de inspiração. Ela é mais eclética, tanto no plano coletivo como no individual” (BURKE, 2005, p. 68). A favor da nova vertente, também, argumenta: “A NHC é a forma dominante da história cultural – alguns até mesmo diriam a forma dominante de história – praticada hoje” (BURKE, 2005, p. 68).

Em outro momento, Peter Burke (2010), voltando a abordar a noção de cultura, aponta não ser possível estabelecer um limite preciso entre a ideia de cultura e o seu sentido estrito e amplo devido à extensão de seu significado. Nesse aspecto, destaca o valor dos ensaios recentes de Chartier pelo fato de o historiador francês ter essa indefinição em mente. Burke explicita que, seguindo Michel de Certeau e Pierre Bourdieu, Roger Chartier relaciona o consumo cotidiano a um tipo de produção ou criação, pois envolve pessoas imprimindo significados aos objetos e que, nesse sentido, todos nós estaríamos engajados em bricolage. Argumenta ele: “Chartier prossegue sugerindo que os historiadores estudem ‘não conjuntos culturais definidos como populares’, mas sim os modos específicos pelos quais esses conjuntos culturais são apropriados” (BURKE, 2010, p. 21-22). Aproximando-se da obra do historiador francês, o autor justifica sua admiração, dizendo:

O que Chartier está fazendo, ao enfocar os objetos, é complementar e não contraditório com o que fiz ao focalizar grupos sociais [...]; ou quando defini cultura com ênfase na mentalidade como “um sistema de significados, atitudes e valores compartilhados, e as formas simbólicas (apresentações, artefatos) nas quais eles se expressam ou se incorporam” (BURKE, 2010, p. 22).

Considerando ainda maiores os problemas suscitados pela utilização do conceito “cultura” do que pelo termo “popular”, na introdução do livro Cultura popular na Idade Moderna, Burke (2010) lembra que a tendência era relacionar o primeiro referindo-se à arte, literatura e música, não sendo incomum que folcloristas do século XIX buscassem equivalentes populares da música clássica, da arte acadêmica e assim por diante. Ele também assinala que, na publicação, pretendia que os termos-chave “artefatos” e “apresentações” fossem compreendidos num sentindo amplo, incluindo “doença, sujeira, gênero ou política” e “festas ou violência”, mas que, na prática, o livro concentra-se numa série mais estreita de objetos (“principalmente imagens, material impresso e casas”) e atividades (“especialmente canto, dança, representação teatral e participações em rituais”) na tentativa de colocá-los em um contexto social, econômico e político mais extenso. Contudo, nota que, hoje, seguindo o exemplo dos antropólogos, “os historiadores e outros usam o termo ‘cultura’ muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser aprendido em uma dada sociedade – como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante” (BURKE, 2010, p. 22).

Levando em conta as ações da vida cotidiana, o historiador inglês defende que cultura faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntico a ele. Nessa direção, pondera: “o que antes se costumava considerar garantido, óbvio, normal, ou ‘senso comum’ agora é visto como algo que varia de sociedade a sociedade e muda de um século a outro, que é ‘construído’ socialmente e, portanto, requer explicação e interpretação social e histórica” (BURKE, 2010, p. 23). O autor também enfatiza que os historiadores culturais têm em comum a preocupação com o simbólico e suas interpretações e que os símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados em todos os lugares, da arte à vida cotidiana, mas que a abordagem do passado em termos de simbolismo é apenas uma entre outras.

Para Roger Chartier (2011),39 nos últimos anos, a noção de representação quase veio a designar por si só a história cultural. No entanto, Chartier apoia-se no pensamento de Pierre Bourdieu, no que concerne ao seu entendimento de representação como força reguladora da vida coletiva. Nesse sentido, considera a assertiva do sociólogo francês de que a produção está sujeita a determinações de classe, posição social, poder e dominação, concedidos pelos indivíduos ou grupos, sendo que:

Uma classe é definida tanto por seu ser-percebido, quanto por seu ser, por seu consumo – que não tem necessidade de ser ostensivo para ser simbólico – quanto por sua posição nas relações de produção (mesmo que seja verdade que esta posição comanda aquele consumo) (BOURDIEU, 2007, p. 447).

39 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/nocaoderepresentacao.pdf>. Acesso em: 15 fev.

Considerando que não existe história possível se não se articulam as representações das práticas e as práticas das representações, já na introdução de seu livro A história cultural: entre práticas e representações, Chartier sinaliza que a publicação, composta por oito ensaios, publicados entre 1982 e 1986, “constitui-se como resposta à insatisfação sentida frente à história cultural francesa dos anos 60 e 70, entendida na sua dupla vertente de história das mentalidades e de história serial, quantitativa” (CHARTIER, 2002, p. 13).

Contra a crítica da noção de representação, por supostamente ignorar os comportamentos, as ações e estigmatizada como relativista, o autor argumenta: “sempre a representação das práticas tem razões, códigos, finalidades e destinatários particulares. Identificá-los é uma condição obrigatória para entender as situações ou práticas que são o objeto da representação” (CHARTIER, 2011, p. 16).40

Entendidas como uma construção do mundo social, por meio de processos de adesão ou rechaço que as produzem, Roger Chartier (2011) assinala que as representações não estão longe do real e nem do social e que tentam convencer que o mundo, a sociedade ou o passado é exatamente o que elas dizem que é. Assim, nas lutas de representações existem imposições e lutas pelo monopólio da visão da dominação, qualquer que seja, graças à violência simbólica que depende do consentimento (arbitrário) de quem a sofre. Argumenta ele: “essa é a razão pela qual muitos trabalhos de história cultural utilizaram durante os últimos anos, tanto o conceito de representação – com o sem dito termo – como a noção de dominação ou violência simbólica que supõe que quem sofre contribui para sua eficácia segundo a definição proposta por Bourdieu” (CHARTIER, 2011, p. 22).41

Mesmo quando se limita a dizer com autoridade aquilo que é, ou então, quando apenas se contenta em enunciar o ser, o auctor produz mudança no ser: pelo fato de dizer as coisas com autoridade, ou seja, diante de todos em nome de todos, pública e oficialmente, ele as destaca do arbitrário, sancionando-as, santificando-as e consagrando-as, fazendo-as existir sendo dignas de existir, ajustadas à natureza das coisas “naturais” (BOURDIEU, 1998, p. 109).

Ao citar os dados que constituem a base estatística de Pierre Bourdieu42, Roger

Chartier (2000) aponta a situação institucional e acadêmica da própria história como disciplina, nas referidas décadas de 1960 e 1970, que se encontrava intelectualmente ameaçada. Ele expõe que o desafio lançado à história pelas novas disciplinas, ou seja, pelo

40 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/nocaoderepresentacao.pdf>. Acesso em: 15 fev.

2017.

41 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gthistoriaculturalrs/nocaoderepresentacao.pdf>. Acesso em: 15 fev.

2017.

crescimento de efetivos para a linguística, a sociologia e a psicologia, no conjunto, “puseram em causa os seus objetos – desviando a atenção das hierarquias para as relações, das posições para as representações – e às suas certezas metodológicas – consideradas mal fundadas quando confrontadas com as novas exigências teóricas” (CHARTIER, 2002, p. 14). O historiador francês argumenta que os novos princípios de legitimidade de normas de cientificidade, importadas das disciplinas literárias, até então estranhas aos interesses da história econômica e social, converteram a sua fragilidade institucional, enquanto disciplina empírica, em hegemonia intelectual, permitindo apresentar outra concepção de história da cultura, entendida como uma dimensão do comportamento humano, concebida, portanto, como as significações que os homens atribuem à sua realidade, às suas práticas e a si mesmos. A partir de seus estudos e reflexões acerca das práticas de leitura, Roger Chartier (2002) analisa as formas diversificadas de apreensão dos bens simbólicos, as quais produzem usos e significados distintos. Com a ampliação do conceito de leitura e a expansão dos meios, suportes e modos de ler, incluindo a predominância da cultura digital e a dessacralização dos lugares consagrados à literatura, a prática de leitura passa a integrar não somente os espaços específicos para este fim. Assim sendo, a vida na cidade também é “povoada” de possibilidades de leituras e os deslocamentos das pessoas de um lugar a outro são acompanhados por uma profusão de “textos”, a começar pelos outdoors, placas e luminosos:

A mobilidade geográfica cotidiana em virtude da concentração das atividades econômicas nas cidades, a duração crescente do tempo de transporte necessário para ir de casa ao local de trabalho, a multiplicidade dos trajetos semanais impostos pelas exigências do dia a dia profissional, a extensão das viagens turísticas, tudo isso oferece ocasiões de leitura (HORELLOU-LAFARGE; SEGRÉ, 2010, p. 137).

Nessa perspectiva, além das cidades e seus entornos oferecerem ocasiões de leitura, também são espaços de leitura ou, ainda, aproximando-nos da ideia de representação de Chartier (2002), são objetos de leitura pela materialidade de seus textos, considerando que, nas palavras do autor, a atividade representativa está pautada em interesses diferenciados, produzindo estratégias de ação e delineando práticas. Ao destacar a importância da materialidade dos textos como portadora de parte do potencial criador de sentidos, Roger Chartier enfatiza o caráter historicamente determinante do tempo e do espaço, na elaboração de representações pelos sujeitos, além da mobilidade na recepção ou na leitura de um dado objeto. Desse modo, afirma que as representações do mundo social “são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. As percepções do social não são

de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) [...]” (CHARTIER, 2002, p. 17).

Nesse aspecto, voltemos ao discurso de italianidade que circunda a cidade de Antônio Prado e que nos leva, mais uma vez, a citarmos o romance de Calvino (1990), o qual explicita que o significado atribuído à cidade depende das relações que cada leitor estabelece com ela. E sendo a cultura vista, conforme Geertz (2008), como um texto, uma teia de significados tecida pelo homem e a antropologia a ciência que interpreta o que ocorre nas sociedades em todas as dimensões do fazer humano, pois “o trabalho do antropólogo é, em grande parte, uma interpretação de interpretações” (POZENATO, 2003, p. 17), estabelecemos uma relação com leituras da cidade na obra de Bocchese. Sem pretenderemos atribuir à artista o papel do antropólogo. No entanto, é possível considerar que Neusa Welter Bocchese faz uma leitura contextual do texto (leia-se Antônio Prado) e, consequentemente, uma leitura da região, mantendo viva a memória e a identidade dessa mesma região em suas representações, resultantes de suas interpretações da cidade.

Stuart Hall (2000) vincula a identidade às práticas e aos processos de migração forçada ou “livre” para invocar a origem de um passado histórico com o qual continua a manter uma certa correspondência. Kathyn Woodward (2000) assinala que a identidade é marcada pela diferença e por meios simbólicos de representação, e Tomaz Tadeu da Silva (2000) estabelece que diferença e identidade estão estreitamente ligadas a sistemas de significação. Em seus estudos pós-estruturalistas acerca da identidade, o autor defende que é por meio da representação que a identidade e a diferença passam a existir e que é, também, por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Para ele: “Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade” (SILVA, 2000, p. 91). Dito de outro modo, tanto a identidade como a diferença são produzidas/construídas/dependentes dos sistemas de representação que lhe dão suporte e se ligam a processos de relações de poder e de estruturas sociais.

Estreitamente ligado ao conceito de representação está a apropriação, pois, para Chartier (2002), as representações, práticas e apropriações apresentam uma imbricação que proporciona a apreensão da realidade pelos sujeitos de forma plural. Representar significa, portanto, criar ou conferir sentido, numa dinâmica de ausência e/ou presença do objeto, momento em que a dimensão sócio-histórica, tanto do sujeito como do objeto, é exposta.

Considerando o corpus deste estudo, Neusa Welter Bocchese apropria-se da cidade e, como leitora desse texto, ela é também autora e editora de novos textos, surgidos dos significados que atribui ao primeiro (a cidade de Antônio Prado), objeto de suas leituras, que

se “expõe” à artista e é “exposto” em suas representações. Sendo as apropriações, como vimos, de acordo com Chartier, apoiando-se em Bourdieu, determinadas por regras, princípios de organização socialmente compartilhados e pelas relações de poder, a criação também se inscreve numa relação de dependência das regras que regulam a vida coletiva e que se diferenciam de um grupo para outro.

Isto posto, tratando-se das leituras de Bocchese, a artista olha para a cidade, a cidade olha para ela e nessa relação entre a autora e o objeto de sua obra, ela elege os elementos aos quais atribui significados, e, como diria Pierre Bourdieu (1998), fazendo-os existir. Logo, sendo as práticas representações coletivas, os elementos simbólicos presentes na obra de Bocchese, mais uma vez apropriando-nos das palavras de Bourdieu (1998), consagram essas práticas, dizendo o que é digno de existir e para quem. Assim, mesmo quando, pela paródia intertextual, a artista traduz a tradição, esses elementos simbólicos continuam afirmando com autoridade a sua existência, em nome do grupo, materializados por sua obra. Por exemplo, ao deslocar, rearranjar ou desmontar os lambrequins das casas, muitas vezes representados em totens plantados ou estendidos no chão, formando um canteiro de flores que parece brotar da terra e convidar o público a caminhar por entre suas rendas, a artista, novamente ao usarmos as expressões de Bourdieu (1998), diz coisas diante de todos e em nome de todos acerca da cidade e da região. Ao (re)criar o texto em outro contexto, Bocchese santifica o lambrequim, elemento material e simbólico que identifica a cidade de Antônio Prado e as práticas dos colonizadores italianos, ressignificando-o no presente de sua obra.

Ao brincar com o elemento lambrequim, a artista impõe-lhe o status de símbolo sagrado da arquitetura proveniente da imigração italiana na região, conforme veremos nas imagens da seção 4.6 deste estudo. Não seria exagero considerarmos que nessas representações dos lambrequins a artista faz uma paródia intertextual, que, nesse contexto, “[...] apresenta uma sensação de presença do passado, mas de um passado que só pode ser conhecido a partir de seus textos, de seus vestígios [...]” (HUTCHEON, 1991, p. 164. grifo nosso).

O lambrequim, “vestígio do passado” e marca do trabalho artesanal de um grupo, prática essa que representa o processo cultural Itália-Brasil, tem sua existência consagrada ao ser pintado e transformado em totens a partir da apropriação que Bocchese faz dos diferentes modelos trazidos e inseridos pelos italianos nas edificações, inclusive pelo avô e bisavô da artista. Desse modo, tomando a ideia de Peter Burke (2017), Bocchese confere ao elemento lambrequim o caráter de imagem de evidência histórica, ou seja, de prova e testemunho do vivido. Se buscarmos, ainda, a contribuição de Jacques Le Goff (1996), que amplia o conceito

de documento para monumento, desse modo, expandindo o termo para além dos textos tradicionais, ao consagrar os lambrequins em totens, também se pode pensar a obra da artista como uma homenagem à cidade, que, dessa forma, se torna monumento da região.

De suas apropriações e interpretações do lido surgem suas representações – reescritas da cidade –, que Neusa Welter Bocchese devolve aos leitores da região, os receptores de sua obra, reafirmando, visualmente, as marcas e os símbolos de identidade (dignos de serem santificados) que diferenciam esse grupo e dizem quem ele é.