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Fonte: https://www.google.com.br/maps. Acesso: 20 de nov. de 2018. Editado por mim.

Alguns autores como Foweraker (1982) e Martins (2010; 2014) realizaram diversos estudos visando compreender o processo de ocupação e o avanço do que denominamos aqui como a

frente ou zona pioneira para uma região de fronteira. José de Souza Martins (2014) explica

que o termo frente pioneira começou a aparecer a partir da governo de Getúlio Vargas, em 1943, com a Marcha para Oeste, em que o Estado passou a interferir diretamente na aceleração dos típicos agentes da frente pioneira sobre territórios, em geral já ocupados por deslocamentos anteriores (em nosso caso, os posseiros e pequenos proprietários de terra).

Joe Foweraker (1982), em seu consagrado estudo sobre a economia da fronteira pioneira no Brasil vai destacar que a expansão nessa região se dá ao longo de um ciclo de acumulação economicamente determinado, se realizando por diferentes formas de mediação política. Essa atuação do Estado é quase sempre violenta, “[...] a violência é parte integrante da luta, meditando-a tanto quanto resultado dela.” (FOWERAKER, 1982, p.42). O autor salienta também a própria questão dos litígios – que são frequentes em região de fronteira – afirmando que “[...] a maior parte dos litígios sobre a terra não é entre indivíduos, mas entre grandes

grupos de interesses econômicos e setores de administração pública (o estado em suas várias manifestações burocráticas.” (FOWERAKER, 1982, p.123).

Diante desse contexto, passamos a compreender o “pano de fundo” da própria questão de limites e os problemas oriundos na região contestada. A partir da década de 1940, o governo do Espírito Santo avança sobre esse extremo noroeste, buscando não somente “colonizar”, mas ocupar de fato, visando, principalmente, os interesses econômicos na fronteira. A partir de um telegrama enviado ao presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, em 1949, através da comarca de Barra de São Francisco, podemos ter uma ideia da real fartura de terras devolutas que a região ofertava,

[...] Cessada essa pendência, Senhor Presidente, cessarão, tambem, os sofrimentos morais e materiais de milhares de brasileiros, que vivem n’ um ambiente de absoluta insegurança, ciosos das prerrogativas de que gosam os seus coestaduanos, assistidos pelos Poderes Publicos sob todos os aspectos da vida, especialmente de ordem policial, judicial, sanitária e instrutiva, para que, com saude, sua inteligência desenvolvida e a salvo de “atropelias” dos maus elementos, que infestam a região, possam dar integralmente o maior e melhor de seus esforços em prol do desenvolvimento desta Zona, soberba na sua riqueza natural, exuberante na sua

fertilidade e cujas terras se nivelam ás melhores de nosso Grande e Querido Brasil [...] (ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1945e, grifo meu).

Podemos compreender também o que estava em jogo para os interesses econômicos e também políticos das autoridades capixabas. No Espírito Santo, com a política de Jones dos Santos Neves, ocorreu o avanço da frente pioneira sobre os territórios na fronteira. Segundo Ramires,

A ocupação do extremo-noroeste, como foi delineada na Marcha para o Oeste, traz as indeléveis marcas do avanço do capitalismo por intermédio das frentes madeireira e pecuária, as quais tinham notórios grileiros de terras devolutas como frente avançada, a garantia, quanto à estrutura da propriedade da terra, da prevalência da grande propriedade, o chamado padrão oligárquico de apropriação, e a mais que evidente ausência de projetos de colonização com base na pequena propriedade. Assim, o Estado, na mediação dos conflitos, colocava-se ao lado dos grandes proprietários, os quais desenvolviam uma política agressiva, baseada no uso da violência, contra aqueles setores sociais que constituíam como entraves aos seus projetos (RAMIRES, 2015, p.57).

A presença capixaba no Noroeste a partir da década de 1940 fica explícita a preferência de ocupação na grande propriedade. A própria Delegacia de Terras de São Domingos, distrito do município de Colatina no período, consolidou-se como um importante órgão e mecanismo para a execução dessa política fundiária, atuando com “vista grossa” aos requerimentos e compras ilegais realizadas por grileiros, que alegavam ser proprietários das áreas, com documentos até mesmo em delegacias de cidades mineiras.

Os rotineiros choques que irão ocorrer entre os posseiros e pecuaristas/grileiros na região extrema do noroeste, particularmente em Ecoporanga no estado do Espírito Santo, resultaram,

dentre outras situações, das divergências presentes entre os posseiros e pequenos camponeses que praticavam agricultura de subsistência, familiar e local, e, posteriormente, foram acometidos com os interesses das grandes fazendas, produção em larga escala e a própria devastação das lavouras para o uso da pastagem, ou seja, a produção da frente pecuária.

A violência praticada contra os posseiros na região é resultado de toda uma conjuntura que formou-se em uma região típica de fronteira – o choque entre os modos de produção, a resistência camponesa, a ausência de leis (de um Estado regulador) e por fim, da indefinição dos limites (o que consequentemente ocasionava em dupla jurisdição e quase nula prática da justiça) tornando a região um “terreno fértil” para tais práticas violentas. Segundo Pontes (2007, p. 92), essa violência era exercida mediante “[...] ameaças, agressões físicas, espoliação de bens e atentados contra a vida que se sucederam cotidianamente no rastro da impunidade e ausência quase completa do Estado [...]”. Acirram-se os conflitos e a região é transformada em uma verdadeira “rinha” política, pela posse da terra e por fim, pela sobrevivência.

O objetivo do nosso trabalho não é explorar os processos de disputas por terras que ocorreram na região contestada62, mas a partir desses fatos analisar a conjuntura da própria questão lindeira. Verificamos que a região ao norte do rio Doce foi fortemente identificada como uma riquíssima região de terras devolutas, o que estimulou os interesses dos governos mineiro e capixaba em defender o direito de posse e jurisdição no território. Nesse sentido, com base nas análises de Leo Waibel, Joe Foweraker e José de Souza Martins, identificamos a região como uma zona pioneira, em que há o avanço dos interesses econômicos sobre a fronteira – interesses por grandes latifúndios para a expansão da pecuária, interesses madeireiros – sobre as pequenas propriedades baseada em uma agricultura familiar.

Toda essa política de expansão agrária é amplamente apoiada pelos órgãos oficiais e pelo aparelho estatal. O próprio uso da violência como política de manutenção dos interesses pelas terras. Joe Foweraker (1982, p.55) salienta que “[...] a violência na fronteira indica suas estreitas ligações com o aparelho legal e administrativo do Estado”, sendo esse quadro burocrático estatal presente na fronteira composto por “[...] funcionários, empregados e conselheiros técnicos de departamentos e repartições estaduais [...] principalmente de “desenvolvimento” e de terras [...] e a lei manifesta-se na polícia, nos advogados e nos juízes”

62 Para saber mais sobre esse as disputas por terras na região do Contestado indico os trabalhos de Pontes (2007), Garcia (2015), Muramatsu (2015), Pena (2016) e OLIVEIRA; GARCIA; PENA; FOLETTO (Orgs.) (2018).

(FOWERAKER, 1982, p.48), conforme pode ser visto na disputa de limites entre os estados do Espírito Santo e Minas Gerais.

Doravante, a política capixaba de ocupação e interesse pela região de fronteira fortalece o discurso de defender o direito de posse a qualquer custo, ou seja, ceder o espaço a Minas Gerais era ceder uma vasta região riquíssima de suma importância para os objetivos e planos econômicos do governo do estado do Espírito Santo, que também é apropriado para o discurso mineiro, no qual, desde o declínio da produção aurífera, intensificou os processos de ocupação ao leste do estado visando novas aberturas de terras para a expansão da pecuária, como para o cultivo do café. Nesse sentido, entender as dificuldades do acordo de limites e a própria intensificação no discurso do conflito armado – no qual veremos com melhor profundidade na sequência deste trabalho – é também compreender a própria visão que passou a ter sobre essa fronteira. Não era mais somente uma mata fechada, um rio, uma linha ou uma montanha que “cortava” a indefinição. A contestação era a posse de uma área com aproximadamente dez mil quilômetros quadrados de terras devolutas riquíssimas.

Outra questão que acentuou a disputa entre os dois estados, foi a ideia do porto de mar para

Minas. O interesse mineiro pelo porto estabeleceu-se no imaginário capixaba, sedimentado

com a própria idealização da invasão mineira em territórios espírito-santense ao norte do rio Doce. A concepção é fantasiosa, no entanto, fez parte do imaginário capixaba depois da segunda metade do século XX (OLIVEIRA; GARCIA, 2018, p.108).

Em um texto publicado em Vitória, no dia 22 de dezembro de 1947, sem autoria, intitulado “A divisa Espírito Santo-Minas Gerais – um estranho problema nacional” destaca os propósitos mineiros – visto pelas autoridades capixabas – a partir do avanço à Serra dos Aimorés, sendo então esse avanço como uma necessidade para conquistar-se uma saída para o mar. Segue-se assim, “[...] se fosse possível aplicar a terminologia psicanalítica a uma circunscrição administrativa poderíamos dizer que Minas sofre de um “complexo de porto de mar” [...]”. O documento completa afirmando que [...] Teófilo Otoni, ao deixar a direção da Companhia de Mucurí, dizia que lastimava apenas abandonar a tarefa “antes de ter dado um porto de mar à terra que o viu nascer.” [...]” (ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1947c). As elites capixabas durante o século XX chegaram a estabelecer diversas parcerias com as elites mineiras no intuito de “[...] abrir estradas e realizar outras benfeitorias que pudessem materializar a integração econômica da região, beneficiando as respectivas elites locais” (OLIVEIRA; GARCIA., 2018, p.109). Sendo assim, notamos que o real problema não era em

discutir uma saída mineira ao mar, de escoamento e integração com terras capixabas, mas relacionar a questão com a própria discussão acerca da indefinição dos limites.

A questão mostrava-se tão evidente que uma matéria foi publicada no jornal paulista, Lavoura

e Commercio (SP), no ano de 1956, destacando que a negociação dos limites teria como

propósito o governo capixaba ceder um pedaço de território com passagem para o mar ao estado de Minas Gerais:

Minas e Espírito Santo realizam, presentemente, através de seus governadores, que se encontram na Capital da Republica, importantes entendimentos para por fim a questão de limites na “região do Contestado”. Esses entendimentos orientam-se no sentido de ser entregue ao Espirito Santo uma larga faixa do território mineiro, onde se localizam, entre outros, os ricos municípios de Mantena e Ataleia. Grandes produtores do café. Em compensação, caberia a Minas uma passagem para o mar

através do território capichaba, na altura de Conceição da Barra, na fronteira com

a Bahia. Neste ponto, o governo mineiro construiria um porto, que colocaria a produção do Estado diretamente em contacto com o mar [...] (LAVOURA E COMMERCIO, 1956, não paginado, grifo meu).

Em novembro de 1947, de autor desconhecido, um documento de Vitória-ES afirma:

A pendência de limites é uma questão de direito. O caso do porto é um interesse econômico. Prefiro nada dizer sobre a ideia de associar o Governo de Minas na exploração do porto de Vitória. Entretanto, sobre esse assunto estamos todos em acordo em que o caso deverá ser tratado separadamente da questão de limites. O Estado de Minas, naturalmente, pensa de modo contrário (ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 1947d).

O que justifica a nossa hipótese e em acordo com as afirmações de Oliveira e Garcia (2018). O problema não estava na saída ao mar, mas no entrelaçamento da proposta como um acordo para a própria questão de limites,

Para alcançar um porto de mar, ainda que sempre de forma negociada, os persistentes mineiros tratavam, constantemente, de procurar entrelaçar a questão do porto com a questão de limites, algo que, definitivamente, não poderia interessar ao Espírito Santo, por lhe ser prejudicial (OLIVEIRA; GARCIA, 2018, p.111).

Além disso, todo esse impasse, que desenrolou no imaginário capixaba quanto a uma suposta invasão mineira e pela busca por uma saída ao mar, vai ao encontro com as próprias considerações de Moreira (1998) aqui já indicadas, afirmando que a própria campanha de ocupação ao norte do rio Doce a partir de 1943, no governo de Jones dos Santos Neves, seria uma resposta a esse avanço mineiro na região.

II - Guerra do Contestado: O possível choque armado

Defenderei a integridade do Estado mesmo à custa de derramamento de sangue” (Carlos Lindenberg, governador do Espírito Santo ao jornal DIÁRIO DA NOITE, 22 de abr. de 1948).

A matéria, desse mesmo jornal, anunciava a tensão na região do contestado – “[...] A posse de dez mil quilômetros quadrados de terra, ao norte do rio Doce, está levando os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo a uma luta armada de sérias e imprevisíveis consequências [...]” (DIÁRIO DA NOITE, 22 de abr. de 1948). A reportagem foi realizada por um jornalista enviado ao Contestado para realizar os relatos dos acontecimentos, sem nenhum objetivo de posicionar-se para a causa dos envolvidos no conflito. Baseado na matéria, verifica-se a insegurança que imperava, prejudicando toda a população local com a presença das forças militares de cada unidade federativa:

A região do contestado é uma verdadeira terra de ninguém. Tanto as autoridades do Espírito Santo (baseadas no laudo arbitral do Serviço Geográfico do Exército) como as de Minas Gerais [...] os Estados brasileiros, se consideram com jurisdição nesses dez mil quilômetros quadrados. O resultado dessa disputa que já vai para mais de um século, é a constante paralização de suas atividades econômicas pelo pânico provocado cada vez que essa questão recrudesce. Os posseiros dessa zona, para ficarem em suas terras pagam os impostos aos dois Estados e se sujeitam a maior guerra de nervos pela presença constante das autoridades policiais dessas duas unidades da federação [...] (DIÁRIO DA NOITE, 22 de abr. de 1948).

Assim, através de uma série de materiais jornalísticos (escritos e iconográficos), telegramas e dentro outros documentos oficiais de governo, buscamos compreender – no âmbito político, econômico e também representativo – as razões que levaram ambos os estados a mobilizarem tropas estaduais e encaminhá-las para uma verdadeira guerra em defesa do seu território.

No pleito de 1947, foi eleito governador do estado do Espírito Santo, Carlos Lindenberg, pelo PSD. Pensando no seu programa e diretrizes da política de desenvolvimento socioeconômico, ressaltava a necessidade de orientar os esforços pelo progresso e desenvolvimento das zonas rurais. Em suma, as ações pretendidas pelo governador, visavam, de acordo com Marta Zorzal e Silva (1986, p.367) “[...] a promoção e diversificação das atividades econômicas capazes de dar ritmo e forma ao processo de desenvolvimento sócio-econômico preconizado pelas forças agrofundiárias.”

Naquele período, os recursos destinados aos estados via União não eram regulares e dependiam, em suma, da atuação dos deputados e senadores no Congresso Nacional. Desse modo, a maior parte das receitas estaduais tinham suas origens nos impostos e taxas sobre a produção e comércio. No caso do estado do Espírito Santo, a principal receita era com base nos impostos oriundos da produção cafeeira. Lindenberg visava estabelecer o seu alicerce político e econômico por meio da sua política de desenvolvimento das zonas rurais – através da construção de estradas, pontes, atendendo aos interesses dos grupos ligados aos coronéis – o que constituiu, de certo modo, apoio político também com a realização das obras, com o

intuito de estabelecer de forma segura o escoamento da principal receita do estado, que era a produção de café. Sobre tal aspecto, afirma Marta Zorzal e Silva:

Por conseguinte, a ênfase de Carlos Lindenberg no que tange a aplicação dos recursos foi o investimento em obras públicas, tanto na construção de estradas e pontes, como também, em prédios escolares. Estes últimos, visando atender demandas das populações rurais, ligadas aos coronéis do interior do Estado, os quais constituiam o necessário suporte político (SILVA, 1986, p.366, grifo da autora).

Marta Zorzal e Silva (1986) salienta que o processo de desenvolvimento que ocorreu no estado do Espírito Santo pós-1945 foi distinto do que ocorria ao mesmo tempo, em outras regiões do Brasil, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A diferença estava no que diz respeito ao processo de industrialização e, consequentemente, da urbanização – que ocorria com o deslocamento das camadas mais pobres do interior e do campo para as capitais estaduais e centros urbanos –. No Espírito Santo, no entanto, o processo era “[...] da expansão da fronteira agrícola, via processo de recolonização de descendentes dos imigrantes estrangeiros aqui fixados no último quartil do século XIX.” (SILVA, 1986, p.375). Nesse sentido, completa a autora:

Essa maior ocupação territorial aumentou o contingente das classes formadas na pequena e média produção rural e gerou um maior dinamismo econômico, resultando na ampliação do espectro das atividades terciárias e expandindo dessa forma os centros urbanos (SILVA, 1986, p.375).

As negociações realizadas com as forças políticas regionais, visando consolidar a hegemonia das forças agrofundiárias na direção do aparelho estatal, em busca dos seus objetivos, Carlos Lindenberg reforçava os laços de sobrevivência das práticas coronelísticas.

Um dos trabalhos mais renomados sobre o coronelismo na historiografia brasileira sem dúvidas é o realizado por Victor Nunes Leal (1948), intitulado “Coronelismo, enxada e voto”. Nas próprias palavras do autor:

o que procurei examinar foi sobretudo o sistema. O coronel entrou na análise por ser parte do sistema, mas o que mais me preocupava era o sistema, a estrutura e a maneira pelas quais as relações de poder se desenvolviam na Primeira República, a partir do município" (Leal, 2012, p.13).

Na análise de Leal (2012), o coronelismo é um sistema político, emergente da Primeira República, com uma complexa rede de relações que vai desde o coronel (dono da terra) até a maior autoridade política, como o Presidente da República, envolvendo estreitos laços e compromissos bilaterais. Victor Nunes Leal concebe o coronelismo como “[...] um resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada” (LEAL, 2012, p.43).

Embora a presença dessa política tenha sido vigente na Primeira República, alguns autores salientam que as práticas ainda persistem. O fenômeno ele se transforma ao longo do tempo, numa evolução natural. A urbanização, industrialização, difusão das práticas liberais vai minguando o prestígio e a influência do coronel, surgem, ao longo do tempo, novas lideranças – em torno do comércio, da indústria e outros setores liberais – o que não quer dizer que tenha sido o fim do coronelismo, o coronel ainda permanece com o seu terreno.

Marta Zorzal e Silva (1986, p.374, grifo da autora) vai afirmar que:

Entretanto, a permanência das formas de lealdade, baseadas em vínculos de solidariedade coronelística, não significou simplesmente a reedição de uma prática cuja vigência pautou as relações sócio-políticas da Primeira República. Na medida em que tanto o espaço político-institucional brasileiro, como a base estrutural do campo social espiritossantense haviam se modificado, as oligarquias dominantes para garantirem, quer a sua permanência ou o acesso à direção do Aparelho de Estado, quer o controle político das classes dominadas, necessitaram criar, ao longo do tempo, mecanismos de ajustes para as referidas práticas de articulação e mediação política.

Sendo assim, a autora conclui que a gestão Lindenberg pautou-se em reafirmar os laços de articulação e mediação política com base no coronelismo,

Em síntese, a gestão de Carlos Lindenberg expressou a reedição adaptada da forma

coronelística de articulação e mediação de interesses, onde o caráter personalista e

autoritário, remanescente daquela forma, permeou o tom das relações Estado e Sociedade no Espírito Santo. (SILVA, 1986, p.379).

Salientamos essa questão, pois o desdobrar dos acontecimentos na Zona do Contestado – a desordem, as práticas de violência, as disputas por terras e, principalmente, a ideia do conflito bélico entre as tropas capixabas e mineiras – são situações que ocorrem a reboque das políticas estaduais. No caso do estado do Espírito Santo, o programa de expansão agrofundiária com viés coronelístico de Carlos Lindenberg sedimentou em seus interesses na área de disputa e, além disso, contribuiu com a consolidação das características sociais e culturais da região, como a própria constituição do sistema de pistolagem63.

Nas matérias realizadas pelo jornalista Rogério Medeiros, existem as famosas histórias publicadas sobre o ex-prefeito da cidade mineira de Aimorés, o coronel Bimbim (ver figura 4 e 5) e seu principal jagunço, o tenente José Scárdua. Interessante notar nas palavras de Medeiros, a estreita relação que havia entre o coronel e a própria política militar:

63 O jornalista capixaba, Rogério Medeiros, editor da revista Século Diário, tornou-se conhecido pela vasta produção de matérias discorrendo sobre a existência de “coronéis” e pistoleiros, e crimes por eles praticados na