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Nota-se que as principais vias de povoamento da região são compostas por dois eixos principais – um partindo do Espírito Santo através de Colatina (linha verde), e outro partindo de Minas Gerais através de Conselheiro Pena (linha azul). Ambos se confluem em direção a Mantena (destaque vermelho), a zona pioneira e grande reserva de terras devolutas. Ao lado de Mantena, temos a cidade de Barra de São Francisco (destaque amarelo). Essas cidades serão os vetores dos conflitos existentes em toda região litigiosa (marcações em cinza).

Durante todo o século XX, a Serra dos Aimorés foi sendo desbravada e ocupada paulatinamente por pequenos posseiros, que vinham de diferentes ondas migratórias e formavam os pequenos povoados e patrimônios. No entanto, ao longo desse tempo a região foi constituindo sem que os limites entre os estados vizinhos – Espírito Santo e Minas Gerais – fossem de fato traçados. Nas décadas seguintes, os interesses econômicos (devido ao grande número de terras devolutas na localidade) chamou a atenção pela necessidade de consolidar a posse na região, levando ambos os estados a criarem municípios em cima de municípios, comarcas atrás de comarcas, postos fiscais ao lado de postos fiscais – e cada qual sob o seu argumento de defesa – passaram a disputar pelo direito jurisdicional da região, sendo que nenhum deles estavam interessados em “abrir mão” de uma boa porção de terras.

No alto vale do rio Cricaré, na confluência dos rios Itaúnas e São Francisco, posseiros haviam fundado o Patrimônio de São Sebastião, o qual deu origem, em março de 1938, ao distrito de Barra de São Francisco, através de Lei Estadual nº 9.222. Em outubro de 1943, pela Lei 15.177, o distrito é desmembrado de São Mateus e constituído como município. Inicialmente, Barra de São Francisco era composta por 4 distritos: São Francisco, Ametista, Gabriel Emilio e Joeirana. E daí para compreendemos a complexidade da situação: tanto Gabriel Emílio, como Joeirana eram contestados territórios de posse do governo de Minas Gerais, no qual eram denominados de Mantena (Gabriel Emílio) e Ataleia (Joeirana).61

Em dezembro de 1938, o povoado de Barra do Córrego de Ilhéus (denominação do lado mineiro) é elevado a distrito pelo prefeito da cidade mineira de Conselheiro Pena, através da Lei nº 0158, criando o distrito de Bom Jesus do Mantena. No mesmo ano após a criação do município de Barra de São Francisco pelo governo capixaba, o governo de Minas Gerais, através do Decreto nº 1.058, assinado pelo então interventor Benedito Valadares, cria o

61 Atualmente os municípios de Mantena e Ataleia, desde o acordo de 1963, pertencem ao estado de Minas Gerais. Ametista é um distrito do município de Mantenópolis, no estado do Espírito Santo, como também faz parte do lado capixaba, o município de Barra de São Francisco. A figura 9 elucida melhor como ficou organizada a divisão dos municípios.

município de Mantena, instalando no mesmo ano, em 1944, a sua Comarca. Segundo Cícero Moraes (1939) o ato foi uma invasão do florescente povoado capixaba de Gabriel Emílio, o que irritou de forma contundente as autoridades capixabas. Nesta quadra, afirma Ramires (2015, p.37) “[...] as autoridades capixabas já estavam praticamente convencidas das intenções de Minas Gerais no sentido de, criando fatos consumados, ocupar terras que os capixabas consideravam como suas”.

Todavia, apesar dos interesses dos governos em impor a jurisdição sobre a região, a situação local era precária de infraestrutura, sequer possuíam estradas. Em agosto de 1948, repórteres do jornal O Globo foram enviados para a região com a finalidade de realizarem uma série de reportagens sobre o conflito jurisdicional entre os dois estados vizinhos. Nota-se, através deste rico depoimento, as dificuldades que se tinham para chegar a então principal cidade do conflito – Gabriel Emílio ou Mantena – e que passaria a ser apelidada pela imprensa como a “capital do contestado”,

Para atingi-la, saindo do Rio de avião até Governador Valadares, cidade de grande futuro plantada à margem do Rio Doce, levamos quatro dias. Dessa última cidade até Conselheiro Pena viajamos em um trem desconfortável da Vitória-Minas, superlotado. Dois dias imobilizados em Conselheiro Pena por falta de transporte, e eis-nos afinal a caminho de Mantena, aboletados sobre os sacos de açúcar e sal conduzido por um caminhão possante, vencendo em nove horas os cento e vinte quilômetros que separam as duas cidades, por estrada que mais parece um caminho aberto nas matas pelos animais [...] A travessia do caminhão e de toda a sua carga pelo rio Doce é feita numa enorme balsa amarrada a um grosso cabo de aço, consumindo-se vinte minutos para vencer os cem metros de um margem à outra. E daí em diante começa uma viagem cheia de percalços e precipícios de meter medo (ROCHA; LEITE, 1948 apud PONTES, 2007, p.50).

Diante dessas circunstâncias, visando caracterizar autoridade no território contestado, o estado de Minas Gerais começou a desenvolver, na região, ações junto aos núcleos populacionais, com a implantação de autoridades policiais, postos fiscais, juízes de comarca, dentre outras, com o interesse em firmar a jurisdição, especialmente na comarca de Mantena. O governo espírito-santense, com o mesmo olhar e incentivos maiores após 1940, também começou a criar destacamentos policiais, nomeação de delegados fiscais, dentre outras funções, o que nos indica o cenário delicado no que diz respeito às questões judiciais, administrativas e também de segurança, na região lindeira. Demoner (1985, p.102-103) descreve o ambiente nas décadas de 1940 e 1950, destacando que a própria cidade de Mantena, no período aqui analisado, passou a ser servida por três juízes de direito, três prefeitos e três delegados de polícia e, sem uma autoridade autônoma e oficial, e por isso, aplicação da justiça e segurança era quase nula.

Caso também interessante é o povoado que nasceu à margem do córrego Santa Cruz, ao norte das cidades de Mantena e Barra de São Francisco, ocupado em sua maioria por garimpeiros que se estabeleceram na região em uma corrida na busca por águas marinhas. O povoado foi elevado à categoria de vila (em 1943) e cidade (em 1948) em conjunto pelos dois estados litigantes, sendo denominado pelos capixabas de Joeirana e de Ataléia pelos mineiros. Nos mapas abaixo (mapas 9 e 10), retirado através do Google Maps, temos um panorama atual das divisões dessas cidades e a linha que corta atualmente os limites entre os estados do Espírito Santo e Minas Gerais. Interessante observarmos que a denominação capixaba para a cidade de Mantena – Gabriel Emílio – é ainda localizada no mapa. No entanto, não conseguimos identificar, em nossas buscas, se é algum bairro ou distrito da cidade mineira. Além disso, conforme pode ser visto, a cidade de Ataléia mais ao norte de Mantena e Barra de São Francisco.