• Nenhum resultado encontrado

SUMÁRIO

CAPÍTULO 02 AS FUNÇÕES DA CIDADE PARA A AGROPECUÁRIA MODERNA: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIDADES

2.4 Cidades dinâmicas e modernização agrícola

Como se percebe, além das alterações das relações entre campo e cidade, estabeleceram-se novos níveis de centralidade das cidades intermediárias na fronteira do capital. Como consequência, as articulações comerciais derivadas de uma dinâmica mais simples foram substituídas por processos mais complexos de oferta de produtos e serviços de ponta por parte das cidades, enquanto que o campo passou a garantir a integração dessas regiões com o mercado mundial.

Orlando Valverde (1985) relaciona esses fatores com as condições de ocupação econômica do território central do país. O autor cita que a pecuária no país avançara por meio de um processo fechado, de circulação monetária insignificante. E complementa dizendo que a resistência desse setor às inovações até a primeira metade do século XX foi corroborado pela falta de mercados urbanos. Em seus próprios termos:

[...] é um fato hoje sabido que a divulgação de idéias [sic] e de técnicas novas se faz da cidade para o campo. Como as áreas pastoris eram remotas, e seus contatos com os mercados urbanos eram raros e espasmódicos, os processos técnicos nas referidas áreas se processaram muito lentamente (VALVERDE, 1985, p. 202).

Quanto à dinâmica mais recente, Frederico (2011) e Elias (2007) mostram que essas cidades são cada vez mais relacionadas ao campo e o campo da região de influência imediata é

77

cada vez mais dependente daquelas. Tal assertiva corrobora com as hipóteses de Bertha Becker sobre a importância das cidades no desenvolvimento das regiões. É cada vez mais presente a formação de centros de criação de trabalho novo na região de fronteira.

Para Becker (2013), é o surgimento de cidades dinâmicas em determinadas regiões que garantem seu desenvolvimento. De acordo com a autora, os vários surtos econômicos que surgiram na vasta região amazônica ao longo dos últimos séculos permitiram a formação de aglomerações urbanas importantes e até mesmo redes de cidades. Mas, na maioria dos casos, esses surtos não resultaram na formação de uma dinâmica urbana consolidada, capaz de gerar, continuadamente, trabalho novo e expansão econômica111.

As cidades, segundo a autora, devem ser entendidas como o espaço em que se encontram os requisitos necessários para a criação de trabalho novo, que “é trabalho de

desenvolvimento: além de promover o crescimento da economia, ainda cria novas divisões de

trabalho capazes de mudar essas últimas características”112

. Portanto, são essas cidades dinâmicas que garantirão o desenvolvimento de determinada região. São cidades com uma estrutura produtiva e econômica mais diversificada que acabam fortalecendo sua centralidade no subespaço regional.

Por sua vez, a formação de um ambiente propício para a criação de mecanismos que garantam a inovação internamente à dinâmica de uma região não garante a efetivação de um processo de desenvolvimento econômico. Na atual conjuntura, perniciosa para um projeto de desenvolvimento nacional e garantidora de mecanismos de abertura comercial e financeira, aliada aos mecanismos típicos do subdesenvolvimento, é difícil projetar alguma mudança estrutural nas condições econômicas e sociais de qualquer região do país.

A incorporação de empresas comerciais, produtivas e fornecedoras de serviços esbarra na fonte inicial de seus dinamismos: a agropecuária moderna. Esta não necessita de um processo de industrialização que incorpore largamente o setor de bens de produção para avançar. Nem mesmo de um processo de internalização do produto de forma mais capital-intensiva. É necessário somente que a região esteja ligada às cadeias globais de realização das mercadorias ali produzidas. Sua dinâmica é dependente dos interesses distantes, ou melhor, dos imperativos do mercado mundial de commodities.

111 Becker op. cit.

78

Do ponto de vista territorial, a agricultura monocultora, produzida no latifúndio foi mantida, inclusive com a incorporação tecnológica. Há ainda a diversificação dos tipos de

commodities produzidas. Se antes podíamos considerar a economia de algumas regiões do país

movida em torno de surtos econômicos ligados a um produto, agora temos uma maior diversidade da pauta exportadora, incluindo a indústria extrativa mineral. Porém, no final das contas, a lógica de apropriação de uma economia subdesenvolvida ainda é a mesma.

Por outro lado, em relação à integração com outros centros econômicos, estas cidades estão cada vez menos dependentes das metrópoles regionais e nacionais. A facilidade do escoamento da produção e da importação de bens e serviços necessários para a manutenção do processo é garantida pela ampliação da infraestrutura básica e dos mecanismos de financiamento, ambos em sua quase totalidade, pelo Estado nacional.

Frederico (2011) cita que a agropecuária moderna permitiu a criação de uma rede de comércio e serviços funcional ao campo, além da viabilização de fluxos inerentes ao escoamento de produtos, como a infraestrutura citada anteriormente.

Dentre os serviços ofertados pelas cidades ao campo moderno destacam-se: a revenda de insumos químicos, mecânicos e biológicos; a prestação de consultorias agronômicas, logística, financeira e de mercado; o beneficiamento e processamento agroindustrial dos grãos; o armazenamento e transporte de insumos e produtos agrícolas; o fornecimento do crédito de investimento e custeio (via bancos e empresas privadas); e a comercialização dos grãos (via corretores e tradings). (FREDERICO, 2011, p. 09).

São as mudanças no setor agrícola e, em menor escala, no extrativo mineral que garantem as alterações na forma de avanço da fronteira e fortalecem a centralidade dessas cidades intermediárias. Pode-se interpretar esta situação econômica regional como um processo típico de formação de regiões agrícolas, tal como descrito por Santos (2008). Segundo o autor, nessas regiões, “é o campo que, sobretudo, comanda a vida econômica e social do sistema urbano (sobretudo nos níveis inferiores da escala), enquanto nas regiões urbanas são as atividades secundárias e terciárias que têm esse papel”113

. E completa,

A região agrícola, tem sua unidade devida sobretudo à inter-relação entre mundo rural e mundo urbano, representado estes por cidades que abrigam atividades diretamente ligadas às atividades agrícolas circundantes e que dependem, segundo graus diversos, dessas atividades. (SANTOS, 2008, p. 73).

113

79

Podemos caracterizar as cidades intermediárias das regiões agrícolas como aquelas que detêm grande participação do setor primário na dinâmica dos setores secundários e terciários. Concordamos com Miranda (2012, p. 196) quando este autor afirma que “não é a definição de um limite separando o urbano do rural que está em questão, mas o limite que o urbano encontra no rural. O limite da urbanização extensiva”. Atualmente, a agroindústria e o comércio/serviços, especializados em atender a demanda da produção agrícola, também se destacam nessas cidades.

Mesmo que se possa afirmar que essas cidades são típicas de regiões agrícolas, deve- se estabelecer uma hierarquia entre campo e cidade. De certa forma o termo “regiões agrícolas” ofusca o papel que essas cidades intermediárias têm para promover modificações no espaço de influência imediata e na própria relação com os centros de outras regiões.

Primeiro, porque a centralidade dessas cidades pertence não só à sua produção agrícola, mas também pela subordinação de outros municípios menores a elas. Segundo, porque a própria entrada de insumos e saída de produtos do setor agrícola desses municípios e de sua região de influência imediata dependem da gama de atividades secundárias e terciárias presentes nessas cidades intermediárias.

Considerações parciais do capítulo segundo

Analisamos o atual contexto de expansão da fronteira do capital e percebemos que a agricultura moderna é o principal mecanismo de integração entre a região e outros espaços de acumulação. A abertura comercial e financeira do país, principalmente a partir de 1990, garantiu a expansão agrícola no período. Com o mercado externo favorável durante os anos 2000, essa expansão foi mantida. A exportação de commodities e o abastecimento do mercado interno por meio desse modelo agrícola torna-se a principal forma de manutenção da competitividade do país depois da desarticulação das cadeias produtivas.

Araguaína se insere nesse contexto de expansão agrícola e amplia sua centralidade em sua região de influência imediata. Mesmo que tenha uma economia com base no setor pecuário, o município incorpora outros setores, majoritariamente ligados a comercialização e prestação de serviços. Essa dinâmica recente é explicada tanto pelo avanço da agricultura moderna quanto pelos investimentos em infraestrutura básica, notadamente logística, na região.

É interessante notar que grande parte dos projetos de infraestrutura planejados pelo aparelho estatal, seja os já em funcionamento, seja os que ainda estão em fase de construção ou de proposição, tem a função estratégica de aprofundar o modelo de modernização da estrutura

80

produtiva com fins a exportação de produtos primários. Até o momento, pouco foi feito no sentido de adequar a expansão da fronteira do capital a uma estratégia de desenvolvimento nacional.

Na sequência, discutiremos o conceito de centralidade urbana de forma mais ampla, relacionando-a com as formas típicas de ocupação espacial numa economia subdesenvolvida. A centralidade de Araguaína será inserida na discussão por meio da caracterização de suas especificidades e de seus limites.

81

CAPÍTULO 03 – A CENTRALIDADE URBANA NAS ÁREAS DE

FRONTEIRA:

AS

ESPECIFICIDADES

DE

ARAGUAÍNA-TO

NO

CONTEXTO DE SUBDESENVOLVIMENTO

O capítulo terceiro abordará de forma mais detalhada as características econômicas do município de Araguaína e as especificidades de sua centralidade na região. Se tais especificidades podem ser relacionadas aos processos gerais de ocupação espacial no subdesenvolvimento é uma questão a ser respondida. Para isso, serão utilizados, junto ao corpo teórico discutido na sequência, alguns dados secundários de bases já utilizadas no capítulo anterior.

A base da geração de valor de Araguaína é a pecuária. Tanto que boa parte da indústria e dos setores de comércio e serviço é dependente da dinâmica daquele setor. Porém, a centralidade do município na região permitiu o adensamento econômico em outros setores, como comércio atacadista não especializado e educação e saúde especializadas.

Entender os níveis de dependência do município à dinâmica de modernização e inserção da agropecuária moderna na região é o primeiro passo para caracterizar os limites dessa base regional de geração de valor. Na sequência, devem-se considerar os níveis de autonomia de outros setores em relação a essa base regional.

Se a economia subdesenvolvida impõe limites à diversificação produtiva, é necessário entender por que há uma diversificação maior no terciário e quais os conteúdos desse processo. Considera-se que é por meio da ampliação da rede de comércio e serviços dinâmicos que a centralidade do município é mantida e ampliada. Assim, será possível discutir as características dessa centralidade e relacioná-lo aos processos de urbanização numa economia subdesenvolvida. Esse é o principal ponto de discussão do terceiro e último capítulo.