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SUMÁRIO

CAPÍTULO 02 AS FUNÇÕES DA CIDADE PARA A AGROPECUÁRIA MODERNA: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIDADES

2.3 Planejamento e modernização da infraestrutura logística

Finalmente, devemos citar a modernização da infraestrutura rodoferroviária. A infraestrutura dá sentido, fluidez, velocidade e rentabilidade ao território, elevando as taxas de urbanização das cidades e fazendo com que as mesmas adquiram força de mediação interurbana, decorrente do aumento nos fluxos materiais e imateriais e incrementam o comando hierárquico na Amazônia oriental.

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Se, na década de 1970, a rodovia foi vital para o início da ampliação dessa centralidade, o eixo logístico construído sob a base da ferrovia Norte-Sul irá garantir a total integração da Amazônia Oriental com os principais portos do país. Essa obra se torna mais importante quando lembramos que é a exportação de commodities que garante a expansão da

fronteira do capital, como analisado.

Em suas considerações sobre o avanço a partir da década de 1960 da pecuária no Brasil Central, que abrange as áreas da macrorregião do Centro-Oeste e Extremo Oeste Paulista, Orlando Valverde descreve o avanço dos frigoríficos na região que tinha “não só o maior rebanho, mas também a mais vasta zona pastoril brasileira” (VALVERDE, 1985, p. 211). Porém, há a ressalva de que “[tal área] situa-se […] distante dos grandes mercados nacionais e dos portos de exportação” (VALVERDE, 1985, p. 211). Nesse caso, dentre as poucas cidades com frigoríficos instalados na região, cerca de dez, Araguaína já sediava um.

Durante o processo de industrialização do país, os investimentos estatais em infraestrutura básica ocorreram com o fim principal de garantir o atendimento ao crescimento rápido de vários setores industriais. Não que isso não seja mais objetivo dos investimentos mais recentes (desde o início dos anos de 2000, se considerarmos que pouco foi investido pelo Estado nacional em infraestrutura básica na década de 1990), mas as mudanças econômicas derivadas da abertura comercial na última década do século XX e, num âmbito mais geral, pela globalização dos processos produtivos e as finanças, catalisaram tais investimentos para um outro fim principal: exportações de commodities.

Tal aspecto já é importante per si ao se analisar as consequências disso na macroeconomia do país e em sua estrutura produtiva. Mas do ponto de vista das relações espaciais internas, as mudanças também foram importantes. Se antes tínhamos o estado de São Paulo e, de certa maneira, parte do Sudeste como a core region do país, agora as regiões com menor diversificação produtiva necessitam menos que no passado do intermédio paulista para sua inserção com a economia global. Se antes todos os caminhos levavam aos portos do Sudeste e Sul, agora levam aos portos espalhados pelo litoral brasileiro104.

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E futuramente também aos portos de países da América Latina situados no Oceano Pacífico. Cf. INICIATIVA PARA LA INTEGRACION DE LA INFRAESTRUCTURA REGIONAL SULAMERICANA (IIRSA). Ficha del Projecto, s/d. Disponível em: <http://www.iirsa.org/proyectos/detalle_proyecto.aspx?h=36>. Acesso em: setembro de 2013.; e CASTRO, E. Expansão da fronteira, megaprojetos de infraestrutura e integração sul-americana. In CASTRO, E (org.). Caderno CRH – Dossiê: Amazônia. v. 25, n. 64 – Jan./Abr. 2012, p. 45-62.

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As transformações produtivas no Cerrado brasileiro no período recente levaram o agronegócio nacional a alcançar uma participação de 22,8% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2013105. As projeções oficiais para os próximos 10 anos indicam que 71,3% devem ser dirigidas para a China. O documento Projeções do Agronegócio, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 2013, indica que “entre 2013 e 2023 a produção de grãos pode crescer entre 20,7% e 34,3%, enquanto a área deverá expandir-se entre 8,2 e 21%”106.

Não se pode deixar de considerar uma alteração tão importante nos mecanismos nacionais de integração com o mundo. Portanto, tais cidades intermediárias aqui apresentadas estão se desenvolvendo sobre essas novas dinâmicas. A malha viária constituída e a abertura de novos eixos rodoferroviários e hidroviários são necessárias para a expansão das atividades ligadas a essas novas dinâmicas e, consequentemente, para a ampliação da importância dessas cidades.

Por isso que as cidades intermediárias passaram a incorporar serviços antes monopolizados pelas metrópoles e, ao mesmo tempo, sem a concentração de grandes populações. Outro aspecto é que as grandes metrópoles do país perdem importância relativa frente às novas formas e fontes de acumulação de capital no território nacional. Fatores recentes de reorganização da rede urbana nacional determinam novas formas hierárquicas que antes só eram verificadas no Centro-Sul do país.

No estudo de hierarquia urbana do IBGE, publicado em 1972, as regiões Norte e Nordeste se destacavam pela organização espacial típica de espaços com poucas atividades econômicas e escassos fluxos de ligação entre as cidades. Existiam metrópoles regionais e poucas intermediações entre estas e centros de menor centralidade107.

Por outro lado, o aumento das cidades intermediárias nessas regiões a partir dos anos de 1990 não estão inseridas na mesma dinâmica, de crescimento urbano e de desenvolvimento da rede urbana, verificada durante o período de industrialização do país. A dinâmica atual não atende às necessidades do capital produtivo orientado pelo Estado nacional. Mas pela reestruturação espacial e hierárquica imposta pela globalização.

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Ver CNA – Confederação Nacional da Agricultura. Agronegócio: Balanço 2013, Perspectivas 2014. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/balanco_CNA_2013_web.pdf>. Acesso em: jul. 2014. 106

Ver BRASIL. Ministério da Agriculutura Pecuária e Abastecimento. Projeções do Agronegócio. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/projecoes%20-%20versao%20atualizada.pdf>. Acesso em: jul. 2014.

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Nos anos de 1990, o governo federal dava mostras de que políticas nacionalistas estariam fora de seus planos. Com os estudos em torno dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), ficou claro que a escala nacional seria preterida em detrimento de políticas de “eleição” de regiões dinâmicas108

.

Se as políticas regionais da década de 1990, aliadas ao recrudescimento da guerra fiscal entre as unidades federativas, garantiram a desarticulação de estratégias nacionais de desenvolvimento econômico das regiões, nos anos 2000, os projetos estatais voltados para modernizar a infraestrutura básica garantem a adequação das economias regionais à abertura financeira e comercial iniciadas anteriormente. Segundo Macedo (2010, p. 14), ao retratar as contradições entre os interesses dos grandes capitais globalizados frente ao bem-estar das populações locais, afirma que “ao mesmo tempo, esse capital modifica o padrão de organização espacial, forçando o direcionamento dos recursos públicos – em detrimento das políticas sociais universalizantes - para a construção da infraestrutura destinada à ligação dessas áreas à economia mundial”.

Mesmo com a elaboração de políticas nacionais e regionais de desenvolvimento integrado, como a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), foram as políticas setoriais, aliadas ao ambiente macroeconômico interno e externo que ditaram a modernização produtiva no país. Obras de infraestrutura básica foram os principais mecanismos de dinamização dessas regiões.

A expansão da malha viária atende à expansão da fronteira do capital. É pressuposto e resultado. Enquanto forma de acesso a territórios pouco explorados é pressuposto. E também é resultado quando atende a ampliação do escoamento de regiões já integradas. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) I e II do governo federal é exemplo disso. Este programa inclui projetos tanto com funções econômicas quanto sociais, mas tem para a região da frente pioneira um aspecto importante: criar e ampliar a infraestrutura básica para facilitar a entrada e escoamento de produtos e matérias-primas. Ou seja, ampliar a competitividade das produções dessa região frente a outros países.

Outro ponto que deve ser ressaltado diz respeito aos Eixos de Integração previstos na IIRSA, acordo consolidado por chefes de países sul-americanos em 2000, com objetivo principal

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Nasser op. cit. descreve todo o arcabouço dos ENIDs em seu artigo. Além disso caracteriza as políticas regionais da década de 1990.

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de modernização da infraestrutura física da região via megaprojetos de investimento109. Os projetos do PAC I e II na região amazônica já atendem às diretrizes geopolíticas da IIRSA. Castro (2012) explicita os objetivos dos governos que participam dessa iniciativa: controle territorial e fortalecimento da competitividade de suas respectivas economias ante o avanço da globalização. Segundo a autora, um processo de integração da América Latina totalmente fora das necessidades de desenvolvimento social e cultural das populações atingidas. A viabilização de rodovias, ferrovias e hidrovias que ligarão a região amazônica com países sul-americanos terão forte impacto sobre a logística de produtos.

Ou seja, para entender a expansão recente e futura, deve-se considerar o aprofundamento da integração nacional como resultado da inserção ao contexto capitalista que está em curso. É necessário entender que agora as novas conformações das relações espaciais reestruturaram as diversas centralidades que concorrem entre si, mas prescindem do avanço das formas de integração nacional para garantir a maior disponibilidade de mercados possível.

As mudanças resultantes da construção do eixo rodoviário Belém-Brasília, do ponto de vista da conformação do padrão de acumulação historicamente verificado no Brasil, têm todas as chances de se repetirem com as novas infraestruturas implantadas e previstas na frente pioneira pelo PAC I e II e pela IIRSA. A construção e a melhoria de eixos viários já existentes consolidam a frente pioneira como central para a ampliação da competitividade do país na concorrência mundial.

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Figura 06. Plano de expansão ferroviária no Brasil – destaque para o trecho do extremo norte da ferrovia Norte-Sul

Fonte: VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.

No mapa 04 observamos os municípios da região que sediarão pátios modais da ferrovia 151, ou Norte-Sul, como é mais conhecida. Enquanto que a ligação entre Açailândia-MA e Barcarena-PA ainda não foi iniciada, cujo propósito é ligar a ferrovia ao porto de Vila do Conde, parte da produção regional é enviada para o porto de Itaqui, em São Luis-MA, via ferrovia Carajás. Os dois casos servem de exemplo para mostrar que as ferrovias no Brasil se encerram nos portos.

As Tabelas abaixo mostram que a quase totalidade dos investimentos em transporte feitos pelo PAC no Tocantins foram destinados para a construção da ferrovia Norte-Sul. Vale lembrar que essa ferrovia foi iniciada ainda no governo do presidente José Sarney (1985-1990), mas o único trecho construído naquele período foi entre os municípios de Açailândia-MA e Imperatriz-MA, totalizando 95 km. Durante oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi construído mais 120 km, entre Imperatriz-MA e Aguiarnópolis-TO, e uma ponte sobre o rio Tocantins, entre os municípios de Estreito-MA e Aguiarnópolis-TO. Desde 2007, ano de início do PAC, até maio de 2014, foram construídos 1351 km de ferrovia110.

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Tabela 35. Investimentos aplicados e previstos no Tocantins por meio PAC em milhões de reais

Eixo 2011 a 2014** Pós 2014** 2011 a 2014* Pós 2014*

Transporte 861,4 641,36 1.162,80 3

Energia 71,5 - 2.626,76 12.801,4

Cidade Melhor*** 246,82 357,04 -

Comunidade Cidadã 107,16 84,21 -

Minha Casa Minha Vida*** 1.573,95 124,97 -

Água e Luz para Todos*** 339,91 42,03 4,06

TOTAL 3.200,74 1.249,61 3.793,62 12.804,4

Fonte: Ministério do Planejamento. Elaboração própria. * Empreendimentos que abrangem mais de um estado.

** Empreendimentos que abrangem somente o estado do Tocantins. ***Valores estimados para distribuição 2011 a 2014 e pós 2014.

Tabela 36. Investimentos aplicados e previstos no Tocantins por meio do PAC em transportes em milhões de reais Tipo 2011 a 2014** Pós 2014** 2011 a 2014* Pós 2014* Rodovias 750,36 641,36 - - Ferrovias - - 1.092,50 - Hidrovias - - 5,7 3 Aeroportos - - 64,6 -

Equipamentos para estradas vicinais 111,05 - - -

TOTAL 861,41 641,36 1162,8 3

Fonte: Ministério do Planejamento. Elaboração própria. * Empreendimentos que abrangem mais de um estado.

** Empreendimentos que abrangem somente o estado do Tocantins

Ficam bastantes claras, com esse exemplo, as diferenças entre investimentos em infraestrutura básica durante as décadas de 1980 e 1990 em relação aos anos 2000. Os últimos governos criaram muito mais condições de expansão da fronteira. De qualquer forma, esses processos são tão recentes, que fica difícil desenvolver uma análise mais aprofundada sobre suas consequências sobre o espaço regional.

Mesmo que a dinâmica recente de ocupação territorial, aliada às políticas estatais voltadas para a ampliação da competitividade do país na economia mundial, tenha resultado em condições perversas de integração nacional, como descrito acima, temos que ressaltar que a modernização da infraestrutura básica do país promoveu uma mudança estrutural do setor. Está claro que a nova estratégia é promover uma expansão da malha viária nacional, principalmente a ferroviária, com vistas a integrar os eixos logísticos.

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Por outro lado, com a estratégia macroeconômica e de ocupação territorial alinhada às condições vigentes da economia mundial, é notório que esse tipo de integração tem como fim uma expansão produtiva baseada na especialização e na fragmentação de seus elos e não no desenvolvimento econômico. Mais uma vez as limitações do capitalismo periférico garantem a manutenção da lógica do subdesenvolvimento em nossa modernização produtiva.

Como resultado desse avanço da fronteira do capital nos anos recentes, a hierarquia urbana da borda amazônica foi alterada substancialmente. São movimentos inter-relacionados que garantem a atual configuração espacial dessa região. O avanço da infraestrutura básica e da indústria extrativa mineral e da agricultura exportadora, atreladas às formas típicas de apropriação dos espaços por grandes capitais, a partir da globalização, resultaram no desenvolvimento de cidades intermediárias com a disponibilidade de bens e serviços em níveis relativamente mais próximos das metrópoles que em períodos anteriores.