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1.2 O DESCOBRIMENTO DA INFÂNCIA PELO CINEMA

1.2.5 O CINEMA EDUCATIVO NO BRASIL

Vários intelectuais apontaram os riscos dos filmes para a formação das crianças e defenderam a realização de um filme “sadio”, educativo (MELO, 2011). Dentre alguns autores estão Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho, com o livro Cinema e educação (1931), e Cecília Meireles (2001), “defensora do cinema como instrumento auxiliar da educação” (ibidem, p. 89). Outro fator que convergiu em torno do cinema e da educação no Brasil foi a criação da censura oficial. A implantação da censura foi proposta por educadores ligados à Associação Brasileira de Educação – dentre eles Roquette-Pinto, que projetou e estruturou o Museu Nacional e o Instituto Nacional de Cinema Educativo (MELO, 2011). Suas ideias se disseminaram em torno do conceito da escola de massa e seu objetivo era viabilizar a transmissão de cultura a fim de atingir aqueles que não estavam inseridos na educação formal.

Os filmes analisados pela Comissão de Censura – que tinha, entre os seus membros, um representante daquela associação e era presidida pelo diretor do Museu Nacional – pagavam uma Taxa Cinematográfica para a Educação Popular, que teria como destino a publicação da Revista Nacional de Educação e a compra de filmes educativos e científicos para a Filmoteca Nacional (MELO, 2011, p. 89).

Ainda na década de 1930 surgiu a primeira Associação de Produtores Cinematográficos e o primeiro Sindicato de Técnicos de Cinema (MORENO, 1994). Nesse período, durante o governo de Getúlio Vargas, foram organizadas convenções e manifestações de classe em que se destacaram a importância do cinema educativo. Os participantes de tais organizações eram Anísio Teixeira, Canudo Mendes de Almeida, Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Roquette Pinto. Uma comissão nomeada por Getúlio Vargas foi elaborada para estudar assuntos referentes às questões cinematográficas e aprovou a diminuição de 60% das taxas sobre a importação de filmes (MORENO, 1994). A consequência dessa aprovação não foi tão positiva, pois, aumentou significativamente a entrada de filmes americanos no mercado brasileiro. Dentre as leis aprovadas na comissão foi incluída a primeira lei redigida pelo governo para o cinema brasileiro. Essa lei obrigava a exibição de um complemento nacional por programa e um longa-metragem nacional por ano em todos os cinemas do país, porém, “os exibidores relutaram quanto à apresentação dos complementos nacionais, já que os americanos eram oferecidos como ‘brindes’ pelas companhias estrangeiras” (MORENO, 1994, p. 82).

De acordo com Rosana Elisa Catelli (2005), desde o surgimento do cinema no Brasil, no final do século XIX, houve escritos a respeito de suas potencialidades no campo do entretenimento, assim como nos seus usos sociais, seja na educação, na ciência ou na política. Foram publicados em jornais e revistas especializadas análises e comentários sobre o cinema, observando sua capacidade de diversão, mas também como problema de cunho moral que deveria ser solucionado por conta dos possíveis danos que determinadas imagens poderiam causar às crianças e jovens. A autora acrescenta que no início do século XX outros escritos surgiram sobre o possível vínculo entre o cinema e a educação e sobre a possibilidade de implementar esse recurso nas escolas. Foi a partir das reformas educacionais que ocorreram em diversos estados brasileiros nas décadas de 1920 e 1930 que as propostas de um cinema educativo foram implementadas. O Ince, como já citado, foi criado nesse período, conhecido como Estado Novo, sob a direção de Roquette-Pinto. Humberto Mauro foi o cineasta responsável pela elaboração dos filmes educativos e, conforme a autora, realizou mais de 400 documentários até os anos de 1960, quando o Ince deixou de existir.

Pedro Bandeira (CATELLI, 2005, p. 3). Observa-se que a origem do cinema educativo foi marcada pelas ideologias liberais de utilização dos meios de comunicação de massa, ideologias do Estado Novo para o uso do cinema.

Melo (2011) aponta a relação entre o movimento da classe cinematográfica e do governo brasileiro com posturas similares às dos regimes ditatoriais da Alemanha, Rússia e Itália. O autor cita a revista Cinearte como uma das responsáveis pelo fortalecimento da indústria cinematográfica no período. Ela chegou a elogiar a estrutura nazista de produção e sua ênfase era pautada na tônica do nacionalismo, da divulgação cultural e da educação. Melo (2011) cita Claudio Aguiar de Almeida fazendo referência aos trechos publicados pela Cinearte que afirmava ser a inspiração alemã a fonte para, naquele momento, buscar caminhos que atendessem os anseios da classe produtora brasileira. Porém, é inegável o incremento que houve na produção nacional a partir do suporte estatal no governo de Getúlio Vargas (MELO, 2011). Nesse contexto é importante ressaltar que as obras qualificadas como cinema educativo ocuparam um lugar especial, visto que o apoio federal ao cinema se voltava a propaganda dos “valores nacionais” e, através delas, do regime.

Os filmes realizados pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo não trataram de temas ou linguagens voltados especificamente para crianças e/ou adolescentes. “A impressão é de que os mentores do Ince tencionavam atingir a sociedade de maneira linear, independentemente de segmentos por idade ou classe social. Visava-se a educação do povo, não especificamente da criança, embora estivesse prevista a circulação dos filmes nas escolas” (MELO, 2011, p. 90). Então falar em cinema infantil ou em cinema voltado para o consumo das crianças, naquele momento, não era possível. Ainda segundo as reflexões do autor, os filmes desse período não possuíam elementos lúdicos que alcançassem as crianças. A narrativa presente continha uma seriedade que afastava o diálogo com a criança. O máximo que o formato do “cinema educativo” a partir das obras produzidas pelo Ince conseguiu foi uma versão animada “dos sisudos mestres que pontificavam nas salas de aula” (MELO, 2011, p. 91).

Os registros da autora Sheila Schvarzman são citados por Melo (2011) no que concerne as declarações de Roquette-Pinto à revista Cinearte, que diziam sobre a oferta do que ele denominou de “sobremesas” às crianças. Essas “sobremesas” eram oferecidas após a projeção de filmes e consistia em desenhos animados que tinham o objetivo de “estimular os alunos”. O próprio Roquette-Pinto tinha conhecimento das limitações do cinema educativo e provavelmente devido à falta de prazer dos filmes principais, havia a necessidade de uma sobremesa saborosa aos espectadores mirins.

É importante ressaltar que o cinema educativo por muitas vezes percebeu as amarras estruturais em que estava inserido, amarras de difusão cultural que direcionavam a produção do Ince.