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CINEMA EM SALA DE AULA: METODOLOGIAS DO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM

3 O CINEMA COMO RECURSO DIDÁTICO: UMA REVISÃO DA LITERATURA

3.3 CINEMA EM SALA DE AULA: METODOLOGIAS DO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM

O processo de retenção do conteúdo transmitido pelos professores e a habilidade de reprodução desses conhecimentos pelos alunos são inerentes e, ao mesmo tempo, desafiantes na prática de ensino. Segundo Gil, os recursos tecnológicos emergem como fundamentais para efetivação de uma aprendizagem sedimentada. Porém, não se trata meramente da utilização de um recurso tecnológico sem objetivo pedagógico previamente definido e entrelaçado ao conteúdo disciplinar. 23 Ou seja, o uso de recursos tecnológicos requerem cuidados para que eles não se limitem a ser um instrumento para que as aulas sejam mais simples ou atraentes, conforme lembra Gil

se o professor estiver interessado não apenas em simplificar o seu trabalho e em agradar os estudantes, mas também em favorecer sua aprendizagem, deverá analisar cuidadosamente as vantagens e limitações dos recursos tecnológicos antes de se decidir pela sua utilização (Gil, 2010, p. 223).

Nesse sentido, Napolitano grifa que cabe ao professor articular o currículo e/ou conteúdo ao filme que será exibido e, principalmente, atuar como mediador entre a obra e os alunos. 20

Sobre essa importância do planejamento do uso do cinema como instrumento didático, Duarte descreve tópicos a serem seguidos para o sucesso da atividade. São eles: conhecer o filme – assistir, pesquisar detalhes sobre a obra cinematográfica, identificar outros filmes do mesmo gênero e elaborar um roteiro de discussão com questões relevantes. 2 Aliás, no que tange à etapa de planejamento e o uso de roteiros, Guilhem, Diniz e Zicker, no livro “Pelas lentes do cinema: bioética e ética em pesquisa”, apresentam um roteiro sobre a condução de filmes e documentários em sala de aula, com alguns passos para nortear, especialmente, os educadores que não têm experiência com a utilização de filme em sala de aula. 14 Um fator positivo deste roteiro é o fato de ele incitar o processo dialogal entre o professor – responsável por conduzir as etapas e garantir a efetivação do objetivo pedagógico previamente acordado – e os alunos – principais receptores e

compartilhadores dos conhecimentos que serão elencados na aula a partir da exibição do filme.

Na obra Bioética y Cine: de la narración a la deliberación, Moratalla apresenta um método semelhante ao proposto anteriormente por Guilhem, Diniz e Zicker, no qual divide o exercício em três momentos: 7 14 a) antes de ver o filme – momento de apresentação do tema de reflexão e, posteriormente, de incentivar os alunos a falarem sobre suas experiências e valores em relação ao que será analisado; b) durante o filme – etapa importante que exige que o professor perceba a assimilação do processo ensino-aprendizagem, ou seja, identifique se os alunos foram devidamente motivados a conhecer o filme e, consequentemente, se eles se interessaram pelo assunto; e, após a exibição do filme – etapa que visa à articulação da experiência do aluno, conteúdo previamente apresentado e a história retratada no filme. Moratalla lembra que nesta etapa o professor deverá utilizar-se de suas habilidades para introduzir adequadamente as premissas bioéticas e as experiências retratadas nas fases anteriores. 7

Napolitano também registra em seu livro a importância do planejamento da atividade e dos procedimentos básicos para o uso do cinema em sala de aula. 20 Como proposta, esse autor sugere a sistematização e a coerência no processo de articulação dos filmes entre si, em particular quando o objetivo pedagógico for o uso do filme como linguagem e fonte de produção do conhecimento, isto é, para além de instigador de discussões. Na etapa de planejamento, julga quatro pontos como essenciais, a saber: a eletividade de filmes que atendam à finalidade da disciplina; a avaliação do status quo que o filme tem no âmbito cinematográfico; a adequação da atividade ao nível de informações cinematográficas dos envolvidos; as opções de gênero fílmico dos alunos. 20

Um dos diferenciais da proposta de Napolitano é a determinação de que os alunos assistam ao filme inteiro em um horário alternativo ao da aula, tendo em vista que a maioria possui aparelho de DVD em casa, ou outra forma de acesso às obras cinematográficas. 20 Ou seja, o autor visa fugir das atividades que seguem as etapas de exibir o filme na sala de aula, seguido de discussões ou trabalhos teóricos sobre o conteúdo. Para tal, faz algumas ressalvas, a saber: cabe ao professor verificar o acesso dos alunos aos filmes antes de determinar que eles assistam em um horário fora da sala de aula, pois caso identifique que a obra é inacessível, terá que exibi-lo

no período de aula, agendar um momento oportuno com os alunos ou selecionar trechos estratégicos que possibilitem a compreensão do cerne da história. 20

Outra característica da proposta de Napolitano, semelhante à de Guilhem, Diniz, Zicker e também de Moratalla, para a efetivação da atividade, é a estruturação imprescindível de um roteiro de análise do filme para nortear a apreensão e a introjeção do conteúdo e, principalmente, atingir a proposta pedagógica. 14 20 7 Em sua proposta o autor esclarece que o roteiro pode ser dividido em dois momentos: informativo, para incentivar que os alunos busquem dados sobre os filmes e, posteriormente, interpretativo, visando organizar as ideias centrais identificadas na narrativa fílmica e que estão articuladas com o conteúdo da disciplina ou meta da atividade. Neste segundo momento, o roteiro prévio de análise a ser adotado poderá conter questões assertivas ou interrogativas para direcionar a assimilação dos alunos aos determinantes fundamentais do filme e, sobretudo, do objetivo pedagógico. 20 No que tange à abordagem do cinema em sala de aula, Napolitano aponta três elementos presentes nos filmes: conteúdo, linguagem e técnica. No que se refere ao conteúdo, o autor considera duas formas de abordagem, a saber: 1. análises e discussões dos valores morais, crenças e ideologias presentes no roteiro e nas falas e ações dos personagens do filme; e, 2. a utilização do filme como texto-gerador, isto é, como mecanismo para incitar a produção de conhecimento sobre determinados temas e questões, conforme exemplifica, “políticos, morais, ideológicos, existenciais, históricos etc.” 20

Partindo da abordagem do elemento linguagem presente no filme, segundo Napolitano, o objetivo é o treino do olhar cinematográfico, da análise estrutural e holística. Assim como na abordagem de conteúdo, o autor a divide em duas formas: 1. educar o olhar do espectador para além do tema, do conteúdo, do roteiro e da representação. Ou seja, estimular a percepção das narrativas fílmicas e dos processos expressivos que o cinema possui como um modo de linguagem; e, 2. o filme como ponte de interação e desenvolvimento de habilidades com outras linguagens – verbais, gestuais, visuais, escrita. 20

No que tange a abordagem do cinema em sala de aula a partir da técnica do filme, Napolitano lembra que se trata de uma forma paralela à centralidade do conteúdo e representações do filme. 20 Dessa forma, considera essa abordagem uma inovação a mais para os educadores, pois eles priorizarão as características inerentes aos filmes. Por exemplo, os efeitos visuais e sonoros, o marketing, e o

processo de distribuição do filme, a edição e pós-produção, a trilha sonora, a qualidade material da película e do processo de revelação, dentre outras. 20

No geral, observa-se que os diferentes autores orientam os educadores a terem como foco o objetivo do curso para determinar se usarão ou não algum recurso tecnológico para, em seguida, planejarem as atividades – separar textos correlatos, avaliar o tempo essencial para a realização das ações, checar a disponibilidade de recursos materiais (TV, projetor, DVD, som, telão, computador, dentre outras coisas), conhecer o perfil dos alunos e estabelecer a metodologia avaliativa da atividade. Nessa perspectiva, Duarte enfatiza que os objetivos pedagógicos devem ser norteadores da escolha de conteúdo e da metodologia de abordagem. Para tal, deve-se considerar, entre outras coisas, a “relação professor/aluno, currículo, imagens de professores, prática pedagógica, conflitos etc.”. 2

Em outras palavras, cabe ao professor identificar as relações de poderes e se apoderar dos saberes existentes na sala de aula para instrumentalizar as ações.

A escolha do filme deve ser cautelosa para atingir os objetivos da disciplina. Segundo Duarte, os filmes adotados nas disciplinas são determinados pelo conteúdo programático que se deseja desenvolver, “a partir ou por meio deles”. 2

Ou seja, a motivação primeira não está relacionada ao conhecimento prévio sobre o cinema ou acerca da representação da obra no contexto cinematográfico, mas somente ao valor de uso na prática pedagógica. Os filmes escolhidos a partir dessa perspectiva podem ser inadequados ao perfil da turma, como por exemplo, para ensinar sobre os tipos de solo o professor exibe “Vidas Secas” – embora a maioria o considere como uma excelente adaptação literária, esse é um filme com narrativas compassadas. 2 Todavia, a autora lembra que os filmes considerados ruins pelos críticos de cinema também podem ser úteis na prática pedagógica e propiciar distintas reflexões sobre crenças, valores, práticas sociais, socialização e sobre a própria vida.

Assim, na tese defendida por Duarte, salienta a importância de ter conhecimento, mesmo que básico, da história e teoria do cinema, tendo em vista o seu uso para fins pedagógicos, afinal, “filmes não são decalques ou ilustrações para 'acoplarmos' aos textos escritos nem, muito menos, um recurso que utilizamos quando não podemos ou não queremos dar aula”. 2 Para a efetivação do uso do cinema em sala de aula como metodologia de ensino e aprendizagem, as universidades e escolas deveriam se adequar e reservar espaços e equipamentos, bem como ter uma videoteca ou laboratório multimídia.

Por essa breve revisão da literatura, pode-se observar que há uma sincronia entre as reflexões e as propostas dos mais distintos autores, bem como a existência de um consenso sobre valor do uso do cinema no processo educativo e, consequentemente, da legitimidade de filmes como instrumentos didáticos a ser utilizados nas diferentes áreas do conhecimento e nos diversos lócus de produção de conhecimento. Ademais, constata-se a necessidade de introduzir nos currículos de formação de professores (em todos os níveis – do ensino fundamental à pós- graduação) disciplinas específicas que abordem e ensinem a usar metodologias envolvendo os recursos cinematográficos – da história do cinema à utilização dessas metodologias.

REFERÊNCIAS

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5. Fontes M. Cinema e Pesquisas com seres humanos: consensos e dissensos éticos Guilhem D, Diniz D, Zicker F. Pelas lentes do cinema. Bioética e ética em pesquisa. Brasília: Editora UnB; 2007.p.51-63.

6. Toulett E. O cinema, invenção do século. São Paulo: Objetiva: s/d.

7. Moratalla TD. Bioética y cine. De la narración a la deliberación. Madri: Universidad Pontificia Comillas; 2010.

8. Lipovetsky G, Serroy J. La pantalla global. Cultura mediática y cine em la era hipermoderna. Barcelona: Anagrama; 2009

9. Coutinho I. Leitura e análise da imagem. In: Duarte J, Barros A. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas; 2011. p. 330-344

10. Souza TC. A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comunicação. Ciberlegenda [Periódicos na Internet]. 2001. [acesso em 12 nov 2013]; Disponível em:

http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/viewFile/323/204

11. Silva LM. Literatura e cinema na sala de Aula: Uma análise da tradução cinematográfica de “O cortiço”. Revista JIOP. [Periódicos na Internet]. 2010. [acesso em 12 out 2013]; 1(1) Disponível em:

http://www.dle.uem.br/revista_jiop_1/artigos/lopes.pdf

12. Oliveira BJ, org. História da Ciência no cinema. Belo Horizonte: Argumentum; 2005. (Coleção Scientia).

13. Oliveira BJ. Cinema e imaginário científico. Hist. cienc. saude-Manguinhos [Periódico na Internet]. 2006 [acesso em 12 out 2013]; 13(Suppl). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

59702006000500009&lng=pt&nrm=iso

14. Guilhem D, Diniz D, Zicker F. Pelas lentes do cinema. Bioética e ética em pesquisa. Brasília: Editora UnB; 2007.

15. Costa BEG. A ciência na imprensa brasileira no pós-guerra: o caso do suplemento “Ciência para Todos” (1948-1953). Rio de Janeiro. Tese [Mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia] – Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2005.

16. LOPONTE J. Cinema educativo. 30 mai. 1948. CpT n. 3, p. 4. 17. In: Costa BEG. A ciência na imprensa brasileira no pós-guerra: o caso do suplemento “Ciência para Todos” (1948-1953). Rio de Janeiro. Tese [Mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia] – Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2005.

17. DE LAURO F. Cinema educativo. 30 abr. 1950. CpT n. 26, p. 4. In: Costa BEG. A ciência na imprensa brasileira no pós-guerra: o caso do suplemento “Ciência para Todos” (1948-1953). Rio de Janeiro. Tese [Mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia] – Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2005.

18. FROTA-PESSOA O. Artigos. In: Costa BEG. A ciência na imprensa brasileira no pós-guerra: o caso do suplemento “Ciência para Todos” (1948-1953). Rio de Janeiro. Tese [Mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia] – Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2005.

19. Buzzo C. O cinema na escola: o professor, um espectador. Campinas. Tese [Doutorado em Educação] – Universidade de Campinas; 1995.

20. Napolitano M. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto; 2010. 21. Souza EP, org. Negritude, cinema e educação. Caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Vol I. Belo Horizonte: Mazza; 2006

22. Pasolini PP. O empirismo hereje. Lisboa: Assírio e Alvim; 1982 23. Gil AC. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas; 2006.