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3 O CINEMA COMO RECURSO DIDÁTICO: UMA REVISÃO DA LITERATURA

4. O MÉTODO E O CINEMA

Neste capítulo serão apresentados os desafios metodológicos do uso do cinema como dado para analisar os aspectos relacionados à Ciência, à pesquisa e às condutas éticas nas investigações que envolvem seres humanos e animais; o tipo de estudo; e, o delineamento metodológico da pesquisa adotado nesta tese.

4.1 DESAFIOS METODOLÓGICOS DO USO DO CINEMA

Ainda são incipientes os manuais que abordam como selecionar e analisar materiais visuais na pesquisa científica. Peter Loizos se detém no artigo “Vídeo, Filme e Fotografias como Documentos de Pesquisa” ao abordar exclusivamente o uso de vídeos e filmes produzidos pelo pesquisador como dados de pesquisa.1 Porém, na presente tese utilizaram-se essas reflexões com ressalvas e adaptações aos filmes comerciais que foram adotados como dados analíticos.

Acerca do uso de informações visuais em pesquisa, Loizos destaca três razões:1 1) a imagem, independente de ser sonorizada, pode ser considerada um registro relevante, embora restrito, de ações e acontecimentos corriqueiros e reais; 2) no campo da pesquisa social, no qual a base analítica é formada pelas discussões de questões teóricas e abstratas – metodologicamente as informações visuais podem ser elegíveis como dado, mesmo sem serem palavras escritas ou números; e, 3) vivemos em um mundo influenciado cada vez mais pelos meios de comunicação, cujos resultados, na maioria das vezes, estão diretamente relacionados aos elementos visuais.

O autor destaca ainda que a vida social, política e econômica é norteada pelo “o visual” e “a mídia”, sendo estes, nos termos de Émile Durkheim, “fatos sociais” que não podem ser ignorados. 1 Ou seja, os elementos visuais, embora exteriores aos indivíduos, possuem características coercitivas que refletem e influenciam os padrões sociais e culturais da coletividade para a reprodução de ações, comportamentos e integração social.1 2 Loizos exemplifica a partir do estudo pioneiro do psicólogo social Siegfried Kracauer, o qual, após identificar temas e imagens do cinema alemão produzido entre os anos de 1918 e 1933, defende “que os filmes produzidos para, e consumidos por uma nação, permitem uma boa

percepção das profundas disposições psicológicas”.1 3 Além disso, Kracauer constatou imagens que faziam inferências sobre o futuro de líderes e seguidores, situações humilhantes e sobre corpo patológico e saudável; e, ainda, analisou um filme midiático nazista que se tornou modelo para análises fílmicas de conteúdos. 1 3

Os registros visuais também são passíveis de manipulação, uma vez que são apenas fragmentos de ações passadas, isto é, nada mais que representações simplificadas das realidades, de seus cernes, recorte do mundo real que lhe deu origem, conforme afirma Loizos. 1 Nesse sentido, observa-se que os registros visuais definidos como dados de pesquisa não devem ser considerados como verdade absoluta. Afinal, seria falaciosa, principalmente, no mundo tecnológico atual, a afirmação que “a câmera não pode mentir”, seja no que tange ao registro de uma fotografia, vídeo ou filme. 1 No caso dos filmes comerciais, as imagens têm a finalidade de reproduzir ações, comportamentos e contextos escritos pelos roteiristas e determinados pelos diretores. Dessa forma, nesta tese as obras foram consideradas como “representações de uma realidade”, em especial quando se dispunham a abordar fatos denominados como reais ou biográficos.

No que tange à seleção e análise de vídeo e filme como dados de pesquisa, Loizos aborda algumas tarefas e cuidados que o pesquisador deve tomar, a saber: 1 1) decidir previamente a fundamentação teórica a ser utilizada; 2) planejamento do tempo para a realização do estudo, pois, segundo o autor são necessárias muitas horas de assistência – no filme produzido pelo pesquisador seria a etapa de captação de imagens, mas no caso de utilização de filmes comerciais como dados de pesquisa o desafio é achar o material disponível para compra ou locação, em particular quando se trata de obras com tema restrito, como Ciência, pesquisa e ética em pesquisa; 3) anotação, agrupamento, revisões, re-análise e uma síntese final. O autor, 1 com efeito, grifa que, em média, para cada hora de dados registrados, o pesquisador deverá somar pelo menos mais 4 (quatro) horas de trabalho adicional. Porém, para diminuir essa questão temporal, pode-se optar por trabalhar com parte dos dados após uma revisão geral do material.

Tendo em vista o quantitativo de filmes disponíveis no mercado, foi utilizada a técnica de amostragem por conveniência. Segundo o Internet Movie Database (IMDb), são lançados por ano quase 20 mil filmes. 4 Colaborando com esta argumentação, Jason Solomons, no prefácio do livro “1001 filmes para ver antes de morrer”, registra “que em 2007, a média de filmes lançados por semana na Inglaterra

chegou a 10 pela primeira vez na história”. 5

Dito isto, conclui-se que o universo fílmico é intangível, em particular se for considerada a limitação da temática em análise – Ciência, pesquisa e ética, cuja ênfase foi observar a interface com a “ética

em pesquisa” e “ética na pesquisa”, descritores estes utilizados como sinônimos

para descrever as “obrigações morais que regulam a conduta de pesquisa.” 6 Para o delineamento metodológico da presente tese, analisou-se 12 (doze) estudos e/ou obras semelhantes, apresentadas a seguir:

1. Maia JM, Castilho SM, Maia MC, Lotufo Neto F. Psicopatologia no cinema brasileiro: um estudo introdutório. Rev. Psquiatr. Clín 2005; 32(6):319-23.

O objetivo dos autores foi desenvolver um instrumento didático para o ensino da Psicopatologia. Para isso, foi selecionada inicialmente uma amostra de conveniência com 45 filmes brasileiros produzidos entre 1994 e 2004, período denominado como “Retomada do Cinema Nacional”. Após aplicação de critérios de seleção, apenas 27 (60%) continuaram na amostra por terem alguma cena que retratava um caráter da Psicopatologia, como por exemplo: transtornos de personalidade, uso e abuso de drogas, amor patológico, alucinações e questões ligadas à sexualidade. Assim como outros estudos citados nesta tese, a amostra priorizou os filmes disponíveis nas principais locadoras nos formatos VHS e DVD, bem como aqueles que estavam em cartaz nos cinemas. Os autores destacaram que os filmes foram assistidos aleatoriamente, sem conhecimento a priori e, em seguida, foram listados segundo o tipo de patologia, ano de produção, gênero, diretor e principais atores, com base nas informações disponíveis nos seguintes sites sobre cinema: Adoro Cinema Brasileiro, Cinema com Rapadura. Observa-se neste artigo que os filmes foram mencionados, mas não foram sistematizados para a proposição de uma ferramenta didática para o ensino de Psicopatologia.

2. Oliveira BJ, org. História da ciência no cinema. Belo Horizonte: