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4 CULTURA E ARTE A SERVIÇO DA LEGITIMAÇÃO DO

4.2 Marketing Cultural: o agronegócio pertinho de você

4.2.3 Arte e Cultura para todos os gostos

4.2.3.2 Cinema itinerante: uma fórmula de sucesso no interior

Os projetos de cinema itinerante são talvez os mais comuns entre os patrocínios das empresas voltados para as comunidades de cidades do interior. Talvez por terem uma “fórmula” relativamente simples: montar a estrutura de exibição (em geral, a partir de um caminhão e com apoio local), convidar as pessoas e passar os filmes. Mas também, provavelmente, pela magia que o cinema causa, mesmo nos dias de hoje em que a tecnologia está tão avançada e uma parte considerável da população tem acesso a filmes via televisão e internet, e por isso atrai muita gente. Embora hoje esteja vinculado a uma vida predominantemente urbana, o cinema já teve grande presença nas cidades do interior.

O Brasil já teve um parque exibidor vigoroso e descentralizado: quase 3.300 salas em 1975, uma para cada 30.000 habitantes, 80% em cidades do interior. Desde então, o país mudou. Quase 120 milhões de pessoas a mais passaram a viver nas

cidades. A urbanização acelerada, a falta de investimentos em infraestrutura urbana, a baixa capitalização das empresas exibidoras, as mudanças tecnológicas, entre outros fatores, alteraram a geografia do cinema. Em 1997, chegamos a pouco mais de 1.000 salas. Com a expansão dos shopping centers, a atividade de exibição se reorganizou. O número de cinemas duplicou, até chegar às atuais 2.200 salas. Esse crescimento, porém, além de insuficiente (o Brasil é apenas o 60º país na relação habitantes por sala), ocorreu de forma concentrada. Foram privilegiadas as áreas de renda mais alta das grandes cidades. Populações inteiras foram excluídas do universo do cinema ou continuam mal atendidas: o Norte e o Nordeste, as periferias urbanas, as cidades pequenas e médias do interior. (AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMA, [2012?]).

Esse fato abriu espaço para que projetos de exibição itinerantes fossem se consolidando e crescendo. Caíram como luva para as empresas do agronegócio que têm uma atuação em regiões fora dos grandes centros e precisam fazer um diálogo com as comunidades afetadas pela sua atuação.

A empresa Cinemagia - que faz parte do Grupo Europa Filmes, e é a executora do projeto CineMonsanto, surgiu em 2003, com o objetivo, segundo seu diretor-geral, Matteo Levi, “de levar a magia do cinema para todos, promovendo a inclusão social e o bem-estar cultural em todo tipo de público” (BRACCO, 2013). É esse o discurso adotado pelas empresas:

Esta foi a primeira iniciativa da Monsanto de levar cultura a um número grande de pessoas [...] quem foi ao CineMonsanto faz parte, em sua maioria, das classes C e D, carentes também de cultura e entretenimento. É uma experiência única e encantadora ver a euforia e felicidade do público, formado principalmente por crianças. A maioria nunca foi ao cinema e se sente, durante a apresentação, como se estivesse vivenciando cada cena. Mas os pais também encontram uma oportunidade única de reunir e integrar a família por conta do cinema. (BRACCO, 2013).

Os dados divulgados pela própria empresa são de que em 7 temporadas (de 2005 a 2011), o projeto passou por 128 cidades, tendo realizado 861 sessões de cinema e atingido um público de aproximadamente 193 mil pessoas. As apresentações são realizadas nos finais de semana em ginásios e galpões dos municípios, ou mesmo ao ar livre. As sessões são gratuitas e ainda há distribuição gratuita de pipocas e brindes educativos a todos os espectadores. Entre os filmes estão: Xuxa e os Duendes 2, Tainá, A Fuga das Galinhas, Casamento Grego, Lisbela e o Prisioneiro, Deu a louca na Chapeuzinho, Uma verdade inconveniente, Quem quer ser um milionário, A era do Gelo 2, Wall – E, Dois Filhos de Francisco, entre outros. (CINEMONSANTO..., [2015]).

Fig. 7 – Espaços de exibição ao ar livre do projeto CineMonsanto

Fonte: (CINEMONSANTO, [2015]).

Outras empresas do agronegócio também são incentivadoras de projetos similares como é o caso da Perdigão que em 2007 apoiou junto com a Petrobras o projeto Cinema em Movimento Ano (VIII), e a Suzano Papel e Celulose que apoia o projeto Cine Tela Brasil.

Como vários outros projetos, o objetivo principal é a divulgação do nome da empresa, e a construção da imagem da empresa como “amiga” das populações, por isso ações que tenham esse caráter espetacular e de novidade são sempre as mais apoiadas. Não interessa, por exemplo, financiar a implementação de uma sala de cinema nas cidades, porque além de ser mais trabalhoso e demorado, como se tornaria algo permanente, deixaria de chamar a atenção e o objetivo de publicização da empresa possivelmente perderia força.

Por outro lado, as empresas vêm se dando conta que esses eventos também são muito efêmeros e, por isso, a Monsanto na última temporada do projeto distribuiu material pedagógico para as escolas de alguns municípios.

O objetivo é multiplicar as possibilidades do cinema dentro da sala de aula. Para atingir essa meta, a Monsanto realizará um trabalho educativo, doando DVDtecas com 30 DVDs e um manual de uso de filmes educativos em classe para os professores de cinco cidades. As Secretarias de Educação de cada município indicam onde as sessões de cinema são realizadas, bem como em quais as escolas ou entidades as DVDtecas devem ser instaladas. (CINEMONSANTO..., 2011).

Dessa forma, a empresa estende sua atuação e publicidade, para uma ação de mais longo prazo, fortalecendo os vínculos com a comunidade escolar e por consequência com as famílias, influenciando no processo pedagógico e na formação do imaginário de centenas de crianças e adolescentes. É a indústria cultural tomando seu acento nas escolas do interior, através da ação das empresas, em especial do agronegócio. Mas como questionar um projeto que se apresenta como tão generoso e “inofensivo” para a maioria das pessoas?