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4 CULTURA E ARTE A SERVIÇO DA LEGITIMAÇÃO DO

4.2 Marketing Cultural: o agronegócio pertinho de você

4.2.3 Arte e Cultura para todos os gostos

4.2.3.3 Oficinas culturais: ensinar a ver e a expressar o agronegócio

Num processo sempre crescente de territorialização do agronegócio, as empresas fazem uso desses projetos e atividades culturais para chegar onde antes nem a energia elétrica chegava.

O projeto “Olhar da Comunidade” é patrocinado pelo Rabobank Brasil, banco especializado em soluções financeiras para o agronegócio, e tem como proposta “provocar a reflexão sobre a sociedade em que vivemos demonstrada através da fotografia – que será usada para ampliar o olhar e a bagagem cultural, trabalhando temas como cultura, meio ambiente e agricultura.” (RABOBANK, 2013).

Em 2015, o projeto realizou oficinas de arte e fotografia com a temática do agronegócio com 120 crianças e adolescentes de instituições das cidades de Paranapanema (SP), Chapadão do Sul (MT), Campo Florido (MG) e Palmas (TO). Posteriormente, as fotografias passaram a fazer parte de um catálogo que pode ser acessado online72 e de uma exposição realizada em cada uma das localidades. Os organizadores descrevem assim o projeto:

‘O Rabobank valoriza o potencial dos jovens de transformar a realidade e, consequentemente, contribuir para o futuro do agronegócio, e garantir a produção sustentável de alimentos no mundo. Com a nova etapa do projeto, a comunidade poderá ver o resultado das reflexões de seus próprios jovens a respeito do agronegócio, além de participar desse processo de análise crítica sobre como melhorar o ambiente em que vivem’, afirma Fabiana Alves, diretora do Rural Banking do Rabobank Brasil. (RABOBANK, 2015).

Fig. 8 – Jovens participantes do projeto Olhar da Comunidade posam em frente à exposição de fotografias de sua autoria com a temática do agronegócio.

Fonte: (OLHAR..., 2015).

72 Catálogo Olhar da Comunidade 2015 está disponível em:

Como se pode observar nas imagens por trás das jovens, o projeto valorizou as fotografias que se enquadravam na estética do agronegócio: grandes extensões de terra com determinadas formas geométricas, céu azul, pouca gente ou mesmo nenhuma. As aulas teóricas e práticas, além de ensinarem as técnicas fotográficas - e provavelmente passarem a mensagem de que aqueles que se esforçarem podem vir a fazer da fotografia uma profissão – ensinam também um jeito de olhar e um projeto a divulgar e defender, o do agronegócio – onde também aqueles que se esforçarem podem vir a encontrar uma profissão. Desta forma, a publicidade das empresas no seio das comunidades fica ainda mais fácil, a empresa não precisa falar nada, pois as próprias crianças e jovens farão essa tarefa. E ficarão felizes se num futuro próximo conseguirem um emprego em alguma dessas empresas “benfeitoras”. O agronegócio desterritorializou os sujeitos que viviam no campo, e agora leva os seus filhos e filhas para aprenderem a “nova ordem das coisas” nesses territórios.

É comum encontrarmos a promoção de atividades de desenvolvimento de habilidades artísticas, como é o caso das oficinas artístico-culturais que várias empresas patrocinam, e mesmo organizam. Esses tipos de práticas, em geral, são características dos próprios trabalhadores rurais e de pequenas comunidades, uma vez que a maioria eram ligadas diretamente ao trabalho da roça, como as cantorias, as danças, os bordados e a culinária. Nos dias de hoje, continuam sendo incentivadas e organizadas pelos movimentos sociais e grupos culturais locais. Todavia, começam a ser cada vez mais “apropriadas” e disputadas pelas grandes empresas e, em certa medida, também transformadas em mercadorias e colocadas a serviço da construção dessa imagem positiva das empresas, sem qualquer vínculo com o processo produtivo dessas comunidades.

As empresas de celulose divulgaram um caderno onde constam os projetos culturais apoiados por elas. Através desse material podemos saber que: a antiga Votorantim Celulose e Papel firmou em 2005 uma parceria com a Prefeitura Municipal de São Simão/SP para apoiar financeiramente o projeto Batuca, que oferece oficina de percussão a jovens assistidos socialmente; a Klabin patrocina o projeto Crescer com Arte, que atende 120 menores carentes do Morro do Turano, no Rio de Janeiro, e consiste numa oficina de arte e desenho para crianças dos 05 a 12 anos; a Lwarcel Celulose e Papel mantém o projeto Batuq&Arte, através do qual proporciona o aprendizado musical e de dança a crianças de 08 a 12 anos, de baixa renda, da rede pública de ensino de Lençóis Paulista. A Aracruz Celulose mantinha um projeto cultural em Helvécia, Nova Viçosa/BA, que consistia em oficinas de teatro, dança, música, criação e confecção de figurinos com participação de costureiras, artesãs e bordadeiras locais (GOMES, 2008).

Em geral, essas atividades são justificadas por um objetivo de inclusão social de jovens e crianças e uma perspectiva de “salvação” pela arte. Os projetos incluem quase sempre a organização de espetáculos ou exposições para apresentação dos resultados das oficinas, em que as famílias e toda comunidade são convidadas a assistir e aplaudir o trabalho das empresas e o talento de seus filhos, que merecem um futuro melhor do que o trabalho

pesado da roça.

Há ainda projetos que apoiam atividades vinculadas diretamente com as culturas tradicionais, ainda que sob a forma de shows ou apresentações, como o Circuito Syngenta de Viola Instrumental (CIRCUITO..., 2011), ou Festejos de Reis de Matarandiba, na Bahia, patrocinados pela Dow Agroscience (DOW, 2013). Percebe-se a busca pela identificação com as culturas do campo, em geral, valorizadas pela população, mesmo que de forma romântica e saudosa, de retorno à roça, de onde a maioria da população adulta saiu, expulsa pelo próprio agronegócio.

O trabalhador do campo, além de ser expropriado dos seus meios de produção, incluindo aqui a terra, agora tem seu parco momento de descanso tomado pela indústria cultural, que também se apropria das suas expressões culturais, para lhe incutir a ideologia da classe dominante. “É a sociedade do espetáculo na qual a mercadoria chega à ocupação total da vida social”, nos lembra Débord (2003). A cultura do campo que partia do trabalho e da relação com a terra e a natureza agora toma espaço nas escolinhas de arte e nas apresentações folclóricas patrocinadas pelas grandes corporações.