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4. CAPITULO 4 – A OBRA PRIMEIRAS NOÇÕES DE GEOMETRIA PRÁTICA:

4.3 Circulação e apropriação da obra de Freire: algumas considerações

Ao que parece, as sucessivas reedições da obra de Freire deveu-se muito à capacidade de seu editor de fazê-la circular. Contudo, é preciso ponderar que, provavelmente, não só este fator concorreu para o seu sucesso editorial. Outros aspectos merecem destaque, entre os quais aqueles relacionados à circulação de pessoas e modelos educacionais entre os estados nacionais, que se intensificam com a Proclamação da República.

O processo de constituição do sistema de instrução pública brasileiro foi marcado por empréstimos e diálogos estabelecidos entre os estados, conforme evidenciam as pesquisas em historiografia da educação. São indícios desse fenômeno as trocas de materiais pedagógicos e métodos de ensino, a circulação de livros didáticos, as formas de estruturação da legislação educacional, a criação de instituições educativas modelares, entre outros.

Entre os vetores do processo de difusão de propostas pedagógicas, estão personalidades políticas e educadores. O estudo da atuação desses personagens fornece pistas para o entendimento de como modelos educacionais viajavam e, com eles, métodos, artefatos didáticos e livros escolares. Este é o caso, por exemplo, da difusão do modelo educacional paulista.

Nas décadas iniciais do século XX, vários estados do país mandavam professores para estudar e observar o que se fazia em São Paulo; outros solicitavam do governo paulista o envio de professores experimentados para que reorganizassem ou criassem seus sistemas escolares. A historiografia dá-nos conta, a esse respeito, da circulação dessas personalidades, entre os mais notáveis estão os viajantes paulistas Carlos da Silveira (Sergipe, 1911), Orestes Guimarães (Santa Catarina, 1916), Cesar Prieto Martinez (Paraná, 1920), Fernando de Azevedo (Rio de Janeiro, 1920)81.

Esses viajantes, a convite dos estados, procuravam implantar legislações similares aos estados de origem, como consequência também levavam consigo matérias, métodos e livros que eram adotados. A análise da documentação, que foi catalogada pelos estados brasileiros e que compõe o acervo do Repositório de Conteúdo Digital em História da Educação Matemática, revelou-nos que a circulação da obra de Freire por vários estados nacionais também se deu pela atuação desses viajantes.

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Relativamente ao ensino de aritmética, conforme apontam as pesquisas realizadas por Portela (2014), Santos e Santos (2016), Valente et al (2014) dentre outros, não coincidentemente, a circulação das cartas de Parker nos estados de SP, AL, ES, MG, PR, SC se estabelece em grande medida a partir da atuação de personalidades paulistas nesses estados.

Este é o caso, por exemplo, do estado do Paraná. Segundo Oliveira (2011), “os livros adotados nas escolas do Paraná, por indicação da Congregação da Escola Normal, eram os mesmos utilizados nas escolas paulistas dentre estes, o livro de Olavo Freire Primeiras Noções de Geometria Prática” (OLIVEIRA, 2011, p.39).

Em Santa Catarina, no documento intitulado Parecer sobre obras didáticas, constam os livros Primeiras Noções de Geometria Prática e Elementos de Geometria, de Olavo Freire e Sabino Luz, respectivamente. Ambos figuram como “livros que podem ser guias para professores” no Anuário do Ensino do Estado de São Paulo.

Em Sergipe, no documento intitulado Programa para o curso primário nos grupos escolares e escolas isoladas do Estado de Sergipe, consta a indicação do programa de desenho dos Cadernos, de Olavo Freire, além dos livros Desenho Linear, de Abílio Cezar Borges, e Lições de Coisas, de Calkins.

Indícios de circulação e, em certa medida, de apropriações diversas da obra de Freire também podem ser encontrados em notas de periódicos nacionais. A proliferação das leituras heterodoxas e a polivalência dos usos a que essa obra foi submetida podem ser atestadas pelas inúmeras referências encontradas em jornais de várias épocas graças à longevidade das sucessivas reedições.

Estes são os casos, por exemplo, da indicação do livro Primeiras Noções de Geometria Prática para uso em escolas de pescadores dos estados do Brasil pela Confederação Geral dos Pescadores do Brasil. A Revista Voz do Mar, publicada em 1927, no Rio de Janeiro, informa sobre a compra de 400 exemplares da obra para uso em comunidades de pescadores em vários estados do país. Seu uso, no entanto, deveria se restringir ao ensino das noções iniciais da geometria e limitar-se aos assuntos “ponto geométrico e linha, estudo da superfície e volume, ângulos e suas espécies, triângulos e suas espécies.” 82

Igualmente, pela imprensa tivemos acesso a outra referência ao uso da obra de Freire. Trata-se, nesse caso, da indicação da obra para os candidatos às provas de seleção ao curso de especialização de professores em artes industriais, para atuação no ensino primário complementar, oferecido pelo SESI, em 1959. Curiosamente, o programa de desenho previa, para a realização das provas, o uso de instrumentos de precisão e a construção de desenhos a “mão livre”, “o traçado de linhas e suas combinações, o reconhecimento e traçado de sólidos, a representação a mão livre de planificação da superfície de sólidos geométricos” e

82 Revista A voz do Mar. Rio de Janeiro : Confederação Geral dos Pescadores do Brasil- Directoria da Pesca

determinava, igualmente, que “não seria permitido o uso de régua ou outros instrumentos durante a execução da prova”83

. Complementava, ainda, o processo seletivo a realização de provas práticas de cartonagem e tecelagem.

Há, ainda, outros registros de uso da obra de Freire em escolas militares, escolas de aprendizes de ofícios, identificados em jornais da época, que nos dão ideia das múltiplas apropriações das quais o livro fora objeto. De toda maneira, a relativa facilidade com que a obra pode ser encontrada nos dias atuais em sebos espalhados pelo país fornece pistas de que a obra frequentou realmente os bancos escolares. Assinaturas, anotações, indicações de instituições de ensino são alguns dos elementos presentes nas edições analisadas para produção deste trabalho, o que indica a utilização da obra pelas escolas primárias, cursos normais de formação de professores e cursos técnicos.