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1. CAPITULO 1 A INTERNACIONALIZAÇÃO DE MODELOS PEDAGÓGICOS:

1.1 Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro: espaço de trocas e circulação de saberes para

1.1.3 Diretivas oficiais para o ensino de geometria nos primeiros anos escolares

Também legislações e documentos oficiais foram objeto de discussão na primeira Exposição Pedagógica do Brasil. A organização da exposição constituiu uma comissão específica – nomeada Atos e publicações oficiais concernentes a instrução primária –, para análise e comparação dos documentos enviados pelos países participantes. Os pareceres emitidos pelo “Grupo 22”, encarregado de realizar as análises, fazem referência ao penoso trabalho que se constituiu a empreita. A comissão alerta para limitações dos julgamentos proferidos conforme registra este parecer: “para julgar-se o merecimento de uma legislação seria mister conhecer os seus antecedentes, as razões que determinaram o seu estado atual, a situação real do serviço que ela rege, e o modo por que é aplicada. Para tal empresa falecem recursos à comissão”. Rio de janeiro (1883, p.196). Entre os países participantes, somente aqueles que enviaram documentação completa tiveram julgamento apreciado pela comissão. Foram eles: Bélgica, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Chile e Brasil.

Comparando as leis brasileiras com as apresentadas por outros países, Leôncio de Carvalho defendeu a atualidade da legislação nacional em vigor por ocasião da realização da Exposição Pedagógica: “Das coleções de leis e dos documentos expostos vê-se que os princípios geralmente adoptados na organização do ensino primário são exatamente os que se acham compreendidos no Decreto de 19 de abril de 1879” (RIO DE JANEIRO, 1884, p.108).

Leôncio de Carvalho referia-se ao Decreto nº 7274 de 1879 (Reforma Leôncio de Carvalho), que, entre outras mudanças, tornaria obrigatória a adoção do método de ensino

intuitivo ou lições de coisas e incluiria o desenho linear entre as matérias exigidas para currículo da instrução primária25.

Embora o ensino de geometria e desenho figurasse nas legislações educacionais de outros países expositores, a importância dessas matérias para o curso primário brasileiro, como preconizava a Reforma Leôncio de Carvalho, não era evidente, a julgar pelas entradas e saídas de sua indicação no corpo das leis brasileiras. Em sua defesa, argumentou Leôncio de Carvalho no texto de abertura dos pareceres da exposição:

Referindo-se ao programa do ensino primário, dizia com admirável franqueza, um soberano absoluto: “Leitura, escrita e as quatro operações de aritmética, eis tudo quanto se deve leccionar nas escolas; o rei que manda ensinar aos seus súditos mais do que isso, quebra com as próprias mãos o ramo da arvore em que se acha montado”. Essa opinião que, nas épocas do despotismo, era já um grande favor ao elemento popular, não pode hoje prevalecer em face dos novos princípios que regulam a vida socia1 e politica (RIO DE JANEIRO, 1884, p. 108-109).

E continuou sobre as críticas dirigidas à inclusão das novas matérias no programa da escola de ensino primário:

Não tardaram, entretanto, as censuras contra as inovações realizadas pelo citado decreto. Alegou-se que não havia necessidade de incluir no ensino primário a geometria, o desenho [...]; que o estudo dessas matérias não se achava ao alcance dos meninos que frequentam a escola primaria; que para ensina-las seria preciso que cada escola tivesse por mestre um talento enciclopédico e possuísse custosos gabinetes, laboratórios e oficinas (RIO DE JANEIRO, 1884, p.110).

Após a defesa de que, para o curso primário, o ensino prático das ciências daria “ao pensamento os hábitos da ordem e precisão”, não só concluiu que esses conhecimentos eram necessários aos alunos, como indicou quais saberes deveriam caracterizar a expertise do professor que ensina geometria para a escola primária:

25 A segunda metade do século XIX registra, relativamente ao Desenho Linear, um histórico de entradas e saídas

da indicação do seu ensino para os primeiros anos escolares no corpo das leis brasileiras. Em 1851 pelo Decreto nº 630 de setembro que autoriza a reforma no ensino secundário da Côrte e divide o ensino primário em 1ª e 2ª classe, o Desenho Linear figura entre as disciplinas obrigatórias para as turmas de 2ª classe. Três anos mais tarde pelo Decreto nº 1.331 A de 17 de fevereiro de 1854, o seu ensino passou novamente ao rol de matérias optativas. Somente em 1879, vinte e cinco anos mais tarde, o Decreto n. 7.247, de 19 de abril (Reforma Leôncio de Carvalho) é que o ensino de Desenho Linear entra uma segunda vez para o rol das matérias obrigatórias. Obrigatoriedade que, em 1882, foi revogada pela Decisão Imperial nº 4, de 9 de janeiro de 1882, decisão que durou pouco mais de um ano, quando mais uma vez sua obrigatoriedade é estabelecida pela Decisão Imperial nº 77 de 6 de novembro de 1883. Essa decisão será ratificada em 1885, pela Decisão Imperial nº 71, de 23 de novembro que sentencia a obrigatoriedade do ensino de Desenho Linear na instrução primária (OLIVEIRA, 2017).

As noções de geometria serão ensinadas em vista da aplicação do sistema métrico a medida das superfícies e dos volumes, em vista também das artes e mesmo dos ofícios manuais que exigem o desenho linear. O ponto de partida é a lição de coisas: mostre-se às crianças, e ensina-lhes a manejar, unir, combinar, os pequenos cubos de pão ou papelão, triângulos, pirâmides, linhas retas, e a imita-los na pedra. As primeiras verdades geométricas devem ser demonstradas experimentalmente; esse mesmo método é indispensável para aprender a levantar um plano, medir um terreno. Depois a demonstração racional facilmente será compreendida pelo espírito (RIO DE JANEIRO, 1884, p.111, grifo nosso).

O entendimento institucional do que deveria vir a ser o ensino de geometria para a escola primária pôs em evidência, além dos princípios do método intuitivo ou lições de coisas, proposição de que, pela primeira vez, figuraria na legislação nacional, outro saber, o chamado ensino de taquimetria. A importância como saber necessário ao ensino de geometria foi enfatizada no parecer elaborado pela comissão encarregada de julgar os objetos e livros elementares para o ensino de cálculo, metrologia e geometria. Registrou-se no parecer:

A taquimetria é, com efeito, um método novo, que permite a um professor fazer compreender aos seus alunos certas regras e fórmulas principais relativas ao estudo da geometria: o seu fim é desembaraçar a geometria de suas abstrações e tornar o seu estudo mais sensível e intuitivo; por meio de pequenos aparelhos de cartão ou madeira, tão simples quão engenhosos, ela faz apanhar facilmente a verdade dos seus teoremas, e demonstra as inteligências mais rebeldes às teorias e as verdades geométricas. É, portanto, um estudo todo prático e útil, não só aos que se destinam a qualquer carreira cientifica, como ás de artes e ofícios (RIO DE JANEIRO, 1884, p.111).

Em síntese, as prescrições oficiais para o ensino de geometria na escola primária propunham que deveria ser prático, e, na medida do possível, as proposições deveriam ser demostradas experimentalmente. Orientava-se como método a ser adotado o ensino de uma geometria intuitiva, cuja taquimetria se apresentava como o caminho didático mais indicado. Essas prescrições para o ensino de geometria intuitiva, que encontraram sistematizações em livros escolares publicados no período, entre eles o livro de Freire, se estabeleceram em sintonia com as orientações de outros países, sobretudo a França, como veremos.