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CAPÍTULO 1 DESPERSONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS NA

1.1 Ambiente espiritual da sociedade técnico-industrial

1.1.1 Civilização industrial e funcionalização humana

Sou apegado, nos diz Gabriel Marcel, “também por natureza à ideia de que cada um deve, tanto quanto possível, bastar-se e obter pelo seu próprio trabalho, tudo quanto necessita para viver” (1958, p. 16). Mas será que não é preciso reconhecer, entretanto, que esta ideia de autossuficiência, pode se colocar contra a própria condição existencial do Ser? A este questionamento, Gabriel Marcel nos diz que é necessário responder que, numa sociedade capitalista, o homem precisa operar criticamente, precisa questionar sobre até aonde a civilização industrial pode levar a condição humana à sua funcionalização. Qual o valor positivo das técnicas? Na relação do homem com a técnica, é preciso dar lugar às suspeitas que nos levam a interrogar sobre as articulações da racionalidade objetivista, que pretendem nos conduzir à realidade de uma superestrutura, que poderá nos levar ao condicionamento de nossa própria humanidade.

1.1.1.1 A natureza e o valor positivo das técnicas

Compreendemos, a partir de Gabriel Marcel que uma “técnica é uma ‘habilidade’ especializada e racionalmente elaborada, sem dúvida que as técnicas as quais temos nos ocupado aqui são todas as habilidades que contribuem em sua totalidade para a transformação do mundo” (MARCEL, 1955, p. 24).

A técnica não possui uma substancialidade própria. Seu desenvolvimento se dá com o homem, através do fluxo de suas exigências orgânicas, aptidões físicas e capacidade cognitivo-organizativa. O homem é o inventor da técnica, o prodigioso articulador de seus mecanismos e domínios, é alguém cuja habilidade e ação transcendem a mera reprodução, em virtude da susceptibilidade criativa do seu próprio processo de desenvolvimento. Conforme Ducassé,

É com o homem que as técnicas se desenvolvem completamente, pois o homem, pela forma de seu corpo e pela aptidão de seu cérebro, não é um simples repetidor de processos industriais da vida, mas um inovador, um prodigioso inventor de mecanismos novos, diferentes daqueles que a natureza, por instinto, associou à própria forma do corpo do animal ao seu ritmo (1948, p. 6).

As técnicas, diz Marcel, “não são más em si mesmas” (MARCEL, 1951b, p. 238); elas representam a expressão da capacidade criativa e inventiva do ser humano. Em sua

concepção, elas possuem “um valor positivo à medida que se colocam para além da utilidade pura e simples” (MARCEL, 1955, p. 27). Os atos técnicos são específicos ao homem; e seu caráter valorativo lhe é atribuído por causa da contribuição que proporcionam a transformação rápida do mundo e ao melhoramento das condições da vida humana. “O êxito técnico surge cada vez mais como o sinal mais importante, senão único, da superioridade humana em um mundo absurdo ou informe” (MARCEL, 1951b, p. 53-54).

A relação do homem com a técnica constitui-se, desde o início, num processo que, à semelhança de uma moeda, é composto por duas faces. Por um lado, a técnica concedeu ao homem a capacidade de dominar, intervir e transformar o mundo; e por outro, acabou, ela mesma, tornando-se um instrumento de disciplina, redução, limitação e condicionamento do próprio ser humano (MARCEL, 1968). De acordo com Gabriel Marcel, é justamente nesta contradição que reside o drama da civilização industrial.

Por uma parte, é evidente que a dominação das forças da natureza por meio das técnicas cada vez mais elaboradas, constitui uma autêntica libertação e deve ser saudada como tal. Porque, por outra parte, não é menos certo que por razões que devemos ter consciência exata, esta libertação corre o risco de assumir um caráter escravizador (MARCEL, 1955, p. 23).

No cerne da discussão deste paradoxo encontram-se argumentos contra e a favor da técnica. Há aqueles, como Oswald Spengler (1998a, 1998b), que a veem como uma ameaça à sociedade em geral; e outros, como Max Scheler (1955), que a concebem como algo indispensável ao progresso do próprio ‘processo civilizatório’. Na concepção de Gabriel Marcel, e para além destas polarizações, não devemos agregar à técnica um peso negativo ou juízo de valor. Antes, precisamos olhá-la de modo mais amplo, procurando não confundi-la com as perspectivas ideológicas da tecnocracia (MARCEL, 1951a).

A técnica só se perde dentro dos liames da tecnocracia, quando o homem a usa contra a própria dignidade humana (MARCEL; RICOEUR, 1968b). Tentar responsabilizar a técnica pelo processo de abstração do Ser é cometer um equívoco. É não discernir que “diante do trabalho mal feito existe certamente um culpado, esse culpado não é a máquina inerte, senão, é o homem que resolveu fazer mal uso dela” (MARCEL, 1955, p. 24).

O valor positivo da técnica está ligado ao modo como nós a concebemos59, à maneira como consideramos suas especificidades e características. Entre outras, Marcel apresenta as

59 Convém, sobretudo, compreender que a noção crítica de Gabriel Marcel sobre o valor positivo da técnica evolui à medida que seu pensamento vai sendo exposto. Em palestra proferida na América do Sul, Marcel se cobra por ainda não ter acentuado, suficientemente, o valor positivo da técnica. A notoriedade do valor positivo

noções de Perfectibilidade e Transmissibilidade como caracteres racionais fundamentais da técnica, sobre os quais nunca se insistirá o suficiente. A perfectibilidade é tomada numa significação precisa e unívoca. Ela consiste no ato pelo qual um procedimento técnico “se constitui num avanço em relação a outro, à medida que permite obter um maior rendimento, ou desempenho idêntico, mais rapidamente e com menos esforço” (MARCEL, 1955, p. 25). Neste processo, a técnica progride e nada que ela produz corre o risco de perder-se, como aconteceu, noutras épocas, em culturas artesanais e manufatureiras.

A técnica, enquanto modo de elaboração, é transmissível. Ela comporta em si um princípio de progresso que pode estar ligado não somente à dimensão do fazer do homem, como pode estar implicado pelo seu próprio modo de ser-no-mundo. Quando aplicado ao contexto das relações e das instituições e, mais especificamente, aos campos da moral, do político e do estético, a ideia de progresso técnico se turva, em virtude da perda do caráter de precisão que o define. Na concepção de Marcel (MARCEL, 1955, p. 26), “este comprometimento acontece porque deriva do fato que a verdade fundamental desta observação é negada”, à medida que o técnico procura deixar de lado as questões mais gerais.

Neste sentido, o técnico não poderá deixar de aplicar a virtude da exatidão. Ele não poderá exercer sua prática, dissociada da sua consciência e do princípio da responsabilidade. Nesta noção intermediária, é preciso que se considere a dimensão da ética, para que o domínio técnico não seja prejudicado ou, inevitavelmente, perdido. A relação entre a técnica e a responsabilidade não deve nunca deixar de existir no horizonte do campo da consciência humana. Deste modo, exemplifica Marcel,

Penso, por exemplo, na técnica cirúrgica; é evidente que um cirurgião deve ter consciência de sua responsabilidade, porque é necessário que essa responsabilidade não pese sobre ele a ponto de obcecá-lo. Não é sobre essa responsabilidade que sua consciência deve apontar ou somente concentrar-se, senão, sobre a tarefa que deve realizar. A responsabilidade deve muito bem intervir como um espírito segundo o qual essa tarefa deve ser realizada ou, se preferir, como uma luz na qual deve banhar-se (MARCEL, 1955, p. 28). A luz, da qual fala este teórico, não é outra coisa, senão, a do espírito de exatidão, transparência, seriedade e rigor ético-profissional. Assim, o valor positivo da técnica consiste em colocar aquilo que se está fazendo acima dos seus próprios interesses; em não pensar em si mesmo como meio e fim do processo, mas, na obra que se vai realizar. Com base neste

que Marcel atribui a técnica se destaca em obras como Les Hommes contre l’humain (1951b) e Le Déclin de la Sagesse (1954).

princípio, caberá ao técnico não pensar, primeiro, naquilo que seu experimento e ação lhe trarão de vantagens e benefícios pessoais. Suas ações não devem ser guiadas por um espírito vaidoso e/ou ganancioso, pelo desejo de querer projetar-se, lograr êxito sobre os outros ou se destacar como se estivesse numa posição de superioridade intelectual e laboral. “Em oposição ao intelectual, e em alguns casos o artista, quando não é puro, não há no técnico lugar para a lisonja, nem para o espírito de adulação” (MARCEL, 1955, p. 29).

Nesta perspectiva, encontramo-nos diante da necessidade de não absolutizarmos o técnico, em detrimento das exigências do trato com o ser humano. O valor positivo da técnica transcende a pura e simples noção de utilidade. “Seus meios ao serviço não podem tender a serem apreciados em si mesmos, tornando-se foco de obsessão” (MARCEL, 1951b, p. 65). O exercício de sua aplicação deve sempre representar para o técnico uma alegria funcionalmente saudável e até mesmo nobre. Suas atitudes, sobre a dimensão humana, não podem seguir os mesmos critérios de execução que se usa para o manejo das coisas e dos objetos. “E devemos recordar que é impossível tratar de atuar sobre os homens, ou mais exatamente, tratar de transpor nesse terreno os procedimentos aplicáveis as coisas, sem cometer um abuso cujas conseqüências podem ser gravíssimas” (MARCEL, 1955, p. 29).

1.1.1.2 A influência da técnica sobre o humano

Os “atos técnicos são aqueles em que o homem procura satisfazer diretamente as necessidades que a circunstância ou a natureza as faz sentir” (ORTEGA Y GASSET, 1963, p. 17). Por meio da técnica o homem esboça uma reação de controle e domínio sobre a sua realidade. É no âmbito desta relação do homem com seu meio que o técnico se vê investido do poder e da capacidade de triunfar sobre seus próprios limites.

É através da relação entre o poder e o domínio que o homem sente-se tentado a anular- se e a reduzir-se a um mero potencial de trabalho. Nesta perspectiva, cabe-nos perguntar: “Como podemos dar-nos conta desta situação, que parece ligada, de modo profundo, a nosso modo de existência? O que das próprias técnicas parece induzir a tentação do espírito?” (MARCEL, 1955, p. 30-31).

Mediante as problematizações acima, Gabriel Marcel pretende chamar nossa atenção para os aspectos que envolvem o processo de influência da técnica sobre o humano. Nesta reflexão, o autor nos diz, inicialmente, que não podemos falar das técnicas como se elas tivessem vida própria, como se possuíssem um poder autônomo, capaz de induzir o homem a atentar contra si mesmo e a vida em geral.

Neste sentido, o problema da tentação, em torno do mal uso das técnicas, não está relacionado à manipulação de aparatos sofisticados e/ou da máquina em si; mas, ao poder que advém do controle que estas técnicas passam a exercer sobre o homem, a natureza e a sociedade em geral. No “Esboço de uma Fenomenologia do Ter”, Marcel, afirma que, neste processo, o homem “tende a anular-se diante da coisa possuída inicialmente” (MARCEL, 2003, p. 152). Ele abandona a si mesmo e passa a existir numa total condição de vertigem existencial. Ainda explica este teórico:

Estas coisas não me são simplesmente exteriores; é como se entre elas e eu houvesse uma comunicação por dentro. Mim alcançam, por assim dizer, subterraneamente, e na medida exata em que me apego a elas é evidente que exercem sobre mim um poder que este mesmo apego lhes confere e acrescenta [...] Enquanto tu tratas o instrumento como instrumento não terá sobre ti poder algum, você é que dispõe dele, sem reciprocidade nenhuma? Isto é a pura verdade, porque precisamente entre possuir uma coisa e dispor dela, ou utilizá-la, há uma diferença, um intervalo que o pensamento custa a avaliar; é nesta margem, neste intervalo é precisamente onde reside o perigo que nos ocupa [...] Tenho dito anteriormente que nossas possessões nos devoram; isto é tão mais certo, coisa, estranha, quanto mais inertes, nos tornamos frente aos objetos em si inertes, e tanto mais falso quanto mais vitalmente e mais ativamente ligados estamos a algo que seria como a matéria mesma, a matéria perpetuamente renovada de uma criação pessoal - seja um jardim que se cultiva, a laranja que se exporta, o piano ou o vinho do músico ou o laboratório do técnico e do cientista -. Em todos estes casos o ter tende, poderíamos dizer, e não a aniquilar, senão a sublimar-se, a transformar-se em ser (MARCEL, 2003, p. 152-153).

A gravidade do problema, neste caso, reside no fato do homem que controla a técnica não se sentir obrigado a submeter-se a nenhum tipo de limite ou princípio de controle, por pensar que isto corresponderia a uma forma de usurpação e/ou ação arbitrária sobre seu próprio fazer e potencial. Neste caso, Marcel acrescenta:

A experiência parece ensinar que quanto mais o poder de primeiro grau é conquistado, senão de maneira súbita, ao menos em condições que não permitem de nenhum modo vê-lo o resultado de um crescimento vital, tanto mais apresenta habitualmente as características que distinguem o arrivista, ao homem que faz a si mesmo; porque este considera – sempre erroneamente, por outra parte não dever nada a ninguém, se sente inclinado a rejeitar sistematicamente todo controle que viria a pôr-lhe limites, como se esse controle correspondesse a uma usurpação, a uma intrusão arbitrária (MARCEL, 1955, p. 31).

O fato de alguém ter conseguido exercer controle sobre uma área específica de conhecimento não lhe dá o direito de olhar, com desconfiança, tudo que é in/diferente ou contra essa determinada descoberta.

De acordo com Marcel, o contraponto à perspectiva apresentada acima pode advir da admissão de uma meta-técnica60. Por meta-técnica “compreende-se essencialmente a reflexão enquanto o poder de segundo grau [...] a reflexão verdadeira, que não deve ser confundida com um raciocínio qualquer” (MARCEL, 1955, p. 32). Ou seja, através de um modo de reflexão que não se pauta na fragmentação da unidade do pensamento, mas que se apresenta, essencialmente, como questionadora e recuperadora do sentido e da realidade. A forma de interpelação que Marcel denomina de ‘reflexão segunda’, o modo de pensar que “aparece cada vez mais como o instrumento por excelência do pensamento filosófico” (MARCEL, 1951a, p. 87). O papel da reflexão segunda, neste caso, é contrastar o saber técnico, é problematizar seu progresso e apontar os limites do processo que pretende promovê-lo ao status de pensar hegemônico e de saber absoluto (MARCEL, 2003).

A reflexão de segundo grau não se alimenta da mera especulação, nem da própria constatação em si. Ela se nutre da intuição provinda do pensamento filosófico, quando busca corresponder à recuperação e articulação do Ser, enquanto modo de participação no mundo e na realidade (MARCEL, 1951a; JASPERS, 1958). Sua função não é invalidar a técnica, não é desvalorizá-la ou reduzi-la a uma determinada categoria conceitual e/ou a um simples conjunto de atos procedimentais.

O papel da reflexão segunda61 é resistir “ao perfeccionismo das técnicas que pretendem criar, por si, um mundo tão pouco nutrido como é possível ser, e inapto, para

60 Meta-técnica é na obra de Gabriel Marcel uma categoria co-extensiva à dimensão do mistério que encontramos, desde o princípio, em toda sua obra. Um conceito que se opõe e, ao mesmo tempo, lança luz na perspectiva do progresso neo-positivista da técnica e de suas implicações. Sobre isto ele diz: “Não se julgue, no entanto, a palavra mistério como simples letreiro à entrada de um caminho. As reflexões seguintes mostram, parece-me, que o mistério é co-extensivo do que julgo designar por meta-técnica. Que entender por isto se não a esfera infrangível, para sempre vedada aos técnicos? Na Grã-Bretanha, onde o neo-positivismo produz estragos inquietadores, fui levado à conclusão seguinte, na presença de estudantes: as máquinas de calcular são realmente admiráveis, e por mim ignoro até onde a sua perfeição poderá levar-se. Mas sabemos com certeza que nunca haverá máquina capaz de interrogar-se sobre as condições de possibilidade e os limites da sua eficácia. Aqui surge a conexão íntima entre reflexão e mistério, que está no princípio de toda minha obra. Ora, temos de reconhecer que quanto mais as técnicas progridem mais a reflexão recua – o fato não me parece fortuito. Não digo que a conexão seja verdadeiramente fatal; mas o que parece certo é que o progresso e especialmente a difusão externa das técnicas tendem a criar uma atmosfera espiritual, ou melhor, anti- espiritual, minimamente favorável ao exercício da reflexão [...]” (MARCEL, 1951b, p. 11-12).

61 Cf. MS, p. 95-96; “[...] o papel de lo que yo llamo ‘reflexión segunda’, es decir, la reflexión recuperadora [...] Evidentemente puede ejercerse sobre los datos de la reflexión primaria para restaurar una especie de unidad con los elementos separados[...] La reflexión se articula con algo vivido, y es muy importante conocer la naturaleza de esta articulación”.

favorecer o exercício dos poderes de segundo grau” (MARCEL, 1955, p. 33). É contribuir para ressaltar a importância do pensamento, enquanto caminho, capaz de instigar a problematização epistemológica, de despertar a curiosidade crítica, de desvelar possibilidades ainda não exploradas, de aproximar os elementos sistematicamente separados a partir de suas realidades distintas, de chamar a atenção para outras formas de abordagens, de proporcionar diferentes olhares e perspectivas, de apontar novas categorias de análises e promover a elevação e a ressignificação dos saberes já construídos62.

A reflexão de segundo grau cabe oxigenar o campo árido do saber técnico. Por ela, afirma Gabriel Marcel em “Aproximación al Misterio del Ser: posición y aproximaciones

concretas al misterio ontologico”, “me pergunto como, a partir de que origem, foram

possíveis os passos de uma reflexão inicial que postulava o ontológico sem sabê-lo” (MARCEL, 1987, p. 48). Através dos seus postulados, o profissional técnico poderá se inserir, existencialmente, num movimento rítmico que o coloque para além dos processos fixos da razão instrumental, quando são repassados de geração em geração, como elaborações imutáveis e inquestionáveis.

O tecido do fazer profissional não pode consistir na rigidez do saber puramente técnico-positivo. As questões do mundo precisam ser regadas pela vida, por aquilo que se

62 Cf. MS, p. 16-17; “Pensemos en un químico que haya descubierto y perfeccionado cierto producto para extraer y obtener un cuerpo que antes sólo podía procurarse de una manera mucho más difícil y costosa. Es evidente que aquí el resultado de la invención presentará una existencia separada, o por lo menos tenemos derecho de considerarla así. Si necesito ese cuerpo – supongamos que se trate de un producto farmacéutico – ira a la farmacia a comprarlo, y no tengo, ninguna necesidad de saber que me lo puedo procurar tan fácilmente gracias al invento del químico en cuestión. En la esfera puramente práctica, que es la mía en tanto comprador y consumidor, quizá no tendré nunca ocasión de conocer este invento, salvo que, por una razón outra, por ejemplo la destrucción de la fábrica, este procedimiento no puede aplicarse. El farmacéutico me dirá entonces que falta el producto, o que no tiene la calidad o el precio habituales. Pero reconozcamos que en circunstancias normales el procedimiento permanece ignorado, excepto para los especialistas o para aquellos que estudian como si fuera a convertirse en especialista. Encontramos aquí un ejemplo particularmente sencillo de lo que puede ser un resultado susceptible de separarse de los medios por los cuales ha sido obtenido. Se podría mencionar muchos otros: no es necesario que el resultado presente un aspecto estrictamente material. Pensemos, por ejemplo, en una previsión astronómica que recogemos, que hacemos nuestra, sin preocuparnos mucho de los cálculos extremadamente complicados que la fundan; sabemos, por otra parte, que nuestros conocimientos matemáticos serían insuficientes para permitirnos rehacerlos mentalmente. Puede agregarse que, vista la extrema complicación técnica del mundo en que vivimos, estamos condenados a aceptar por acuerdo mutuo un número cada vez mayor de resultados adquiridos por una serie de largas investigaciones o de cálculos minuciosos cuyo detalle se nos escapa. Podemos afirmar en principio que en una investigación como la nuestra no caben resultados de este género. Además, entre la búsqueda misma y su acabamiento existe un lazo que no puede romperse sin que el acabamiento pierda toda realidad. Y desde luego será necesario, por otra parte, preguntarse qué sentido tendrá aquí este término. Se puede llegar a las mismas conclusiones por otravía, es decir, elucidando la noción misma de búsqueda filosófica. Así como el técnico en general posee una noción, o una prenoción, de lo que busca, lo característico de la investigación filosófica es que quien la persigue no puede tener el equivalente de esa prenoción. Quizá no sería inexacto decir que parte a la ventura; o olvido que esto a veces también ha ocurrido a los hombres de ciencia, pero finalizada la investigación científica aparece retrospectivamente como tendiendo hacia un fin estrictamente especificable. Vemos cada vez con mayor claridad que no puede ocurrir así en la investigación filosófica”.

mostra, mais amplamente, através das lentes da sabedoria63 e da própria vivência humana. Mas, questiona ainda Marcel: contra o quê, a sabedoria, enquanto tal, está chamada a voltar-