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Fenomenologia da metafísica do ser e do ter: contribuições do pensamento filosófico de Gabriel Marcel para a educação numa perspectiva da formação humana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO

EZIR GEORGE SILVA

FENOMENOLOGIA DA METAFÍSICA DO SER E DO TER: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO DE GABRIEL MARCEL PARA A EDUCAÇÃO

NUMA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA

Recife 2014

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FENOMENOLOGIA DA METAFÍSICA DO SER E DO TER: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO DE GABRIEL MARCEL PARA A EDUCAÇÃO

NUMA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Ferdinand Röhr

Co-orientador: Prof. Dr. Joaquim José Jacinto Escola – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal - UTAD

Recife 2014

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Giseani Bezerra, CRB-4/1738

S586f Silva, Ezir George.

Fenomenologia da metafísica do ser e do ter: contribuições do pensamento filosófico de Gabriel Marcel para a educação numa perspectiva da formação humana / Ezir George Silva. – Recife: O autor, 2014.

409 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Ferdinand Rohr.

Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2014. Inclui Referências.

1. Educação. 2. Filosofia. 3. Fenomenologia. 4. Formação Humana. 5. UFPE - Pós-graduação. I. Rohr, Ferdinand. II. Título.

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FENOMENOLOGIA DA METAFÍSICA DO SER E DO TER: CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO FILOSÓFICO DE GABRIEL MARCEL PARA A EDUCAÇÃO

NUMA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação.

Aprovada em de de 2014.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Dr. Ferdinand Röhr - 1º Examinador – Presidente

_________________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Simão de Freitas – Examinador Interno

_________________________________________________________ Prof. Dr. André Gustavo Ferreira - Examinador Interno

________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Betânia do Nascimento Santiago - Examinador Externo

_________________________________________________________ Prof. Dr. Everaldo Fernandes - Examinador Externo

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DEDICATÓRIA

Aos Mestres com meu carinho!

A Neide Valones, minha amiga e terna orientadora, pelo tempo dedicado, o zelo-atenção ofertado e por sua presença insubstituível. Uma grande mulher e educadora magnífica que tem encontrado, na audácia da confiança no humano, a compreensão de que quem ensina põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus educandos, a busca pela ressignificação da nossa própria humanidade. Este trabalho também é fruto da sua crença deque todo homem é um devir e deque toda educação deve colocar-se em direção à transcendência.

Ao professor Ferdinand Röhr, orientador, amigo, conselheiro e parceiro... em quem encontrei a encarnação do sentido de ensinar e o exemplo de presença

espiritual e humana, que se expressam através do testemunho vigoroso de seu

modo próprio de Ser, saber e fazer acadêmicos. Um educador brilhante, cuja voz tranquila, nada insinuante, não transmite receita nem orientação, mas, simplicidade sublime, maturidade acadêmica, experiência e sabedoria.

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Ao Divino, cujo mistério da transcendência não cessa no caráter objetivo do saber dogmático, mas revela-se, como presença filosófico-existencial, por meio da liberdade e da consciência que o homem tem de si e em sua forma de Ser no mundo.

À minha mãe, Maria das Neves (in memoriam), pelo exemplo de dignidade deixado, as lágrimas e o suor derramados, o amor dedicado e a esperança partilhada através do tear de uma existência, que, mesmo em face às situações-limite, pretendiam nos orientar sobre os caminhos da vida e a importância do anelo pelo Absoluto, que se mostra como o suporte da vida que clarifica o existir e nos põe em direção ao infinito.

Aos meus irmãos, Enéas Tonini, Eliel Teodoro, Eulalia Silva e Esdras Levi, que me apoiaram, ajudaram e incentivaram diante dos receios, das mudanças e dos dramas existenciais vivenciados por mim nos últimos anos. Obrigado por suas compreensões.

Ao amigo Joaquim José Jacinto Escola e toda sua família, pelo acolhimento e disponibilidade durante o tempo em que estive na Europa: meu afeto e inesquecível lembrança.

Ao meu irmão-amigo Junior Elias, sua esposa Luciana e filhos; Caio e Juliana, por sua dedicação, acolhimento, parceria e provisão, num tempo em que muitos me faltaram.

Aos amigos, Tony Emanuel e Malú Silva, pelo abraço, apoio e presença tanto nos momentos difíceis como nos mais alegres de toda minha trajetória.

Aos amigos José Edson e Avanira Adenilce, pela amizade sincera e saberes partilhados. Aos mestres e mestras do curso de pós-graduação da UFPE, por compartilharem comigo seus conhecimentos e visões de mundo.

Aos colegas da turma onze (b), pelos abraços dados, o tempo vivido, as experiências compartilhadas e as angústias inquietas, eivadas pela esperança de uma educação digna do humano.

Às amigas e companheiras Delma Evaneide, Mônica Sales, Maria do Carmo e Nyrluce Marília, pela parceria e apoio significativos.

Aos professores doutores Maria Betânia do Nascimento Santiago, Alexandre Simão, André Gustavo e Everaldo Fernandes, pelo rigor acadêmico e serenidade intelectual com que contribuíram para a concretização deste trabalho.

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de conhecimentos, novas aprendizagens e muitas alegrias.

À Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, pela possibilidade de poder viver momentos significativos e experiências inesquecíveis.

À CAPES, pelos proventos.

Agradeço a todos e a todas que, com um gesto de carinho, uma palavra amiga ou uma atitude de apoio, contribuíram para o resultado desta pesquisa.

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“[...] quem não viveu um problema filosófico, quem não foi inquietado pelo mesmo, não pode, de modo algum, compreender o que este problema significou para os que o viveram de antemão: a este respeito as posições se invertem, e a história da filosofia pressupõe a filosofia, e não o inverso [...] A filosofia (educação) concreta nasce somente de uma tensão criadora, continuamente renovada, entre o eu e as profundezas do Ser, da mais estrita e rigorosa reflexão, fundada na experiência vivida até o limite de sua intensidade”.

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A temática da pesquisa em torno do pensamento filosófico de Gabriel Marcel inscreve-se nos discursos e debates sobre Filosofia, Educação e Formação Humana. Sua investigação consiste em examinar a possível interação entre os fenômenos estáveis e instáveis das estruturas das vidas pessoal e interpessoal do sujeito existente, a partir dos pressupostos da Filosofia da Existência e da Filosofia da Esperança. À luz desse interesse, buscamos indagar: como a abordagem filosófica de Gabriel Marcel se articula entre a descontinuidade da Filosofia da Existência e a continuidade da Filosofia da Esperança? De que modo a dialética do ter sobre o ser contribui para a despersonalização das relações humanas e do processo educativo? Qual a interligação que existe para Marcel entre intersubjetividade e formação humana? Que elementos da filosofia marceliana são relevantes para a educação? A forma como concebemos a nós mesmos, aos outros e ao mundo interfere nos resultados pretendidos pela prática pedagógica? De que maneira a prática pedagógica, com base nos pressupostos antropológicos da abordagem filosófica marceliana, pode contribuir para o desvelamento do ser em face de sua condição de sujeito inacabado? Neste sentido, Marcel procura problematizar as diferenças entre as concepções técnica-funcional e humano-relacional, por compreender que elas representam as tendências que reconhecem o conceito de formabilidade como o princípio que caracteriza a educação numa determinada época, como ato de produzir ou deixar desenvolver do humano/educando, para atingir o fim que se encontra essencialmente nele ou que foi pretendido em suas possibilidades. Este teórico busca analisar, ainda, as consequências da Filosofia da Esperança para a compreensão do homem na sua concretude, a partir das tensões políticas, fraturas sociais, problemas educacionais e da transformação da imagem problematizadora do homem, nos anos que antecederam, mediaram e sucederam as duas grandes guerras mundiais. Sua reflexão pretende destacar outras categorias que conseguem contemplar novas e duras experiências do homem a partir de si e sua realidade. Seu interesse não é descartar a forma da concepção do pensar filosófico clássico, como se esta estivesse superada, nem fundar um método filosófico-pedagógico da existência, mas procurar tematizar processos antropológicos e ontológicos, que consigam superar a recíproca alienação entre o pensar e a existência, visando seu inter-relacionamento e transcendência. Refletimos e discutimos também, a partir de Gabriel Marcel, sobre a consciência dos limites teórico-antropológicos da Filosofia da Existência e da necessidade de alargar sua compreensão sobre o humano e o modo de conceber sua formação, a partir das contribuições da Filosofia da Esperança. Nesta perspectiva, o trabalho teve como objetivo: analisar a abordagem fenomenológica da metafísica do Ser e do ter no Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel e suas contribuições para a educação, numa perspectiva da formação humana. Do ponto de vista metodológico, optamos pela reflexão hermenêutico-ontológica, por compreendermos que a mesma está voltada para o tratamento interpretativo das informações e contribuições teóricas, à medida que visa desvelar as estruturas do desenvolvimento da existência do Ser e estabelecer uma íntima relação entre o sujeito pesquisador e sua pesquisa. A partir destas considerações, vimos que o diálogo entre as categorias da descontinuidade e da continuidade apontam para a construção de uma educação esperançosa, que encontra na confiança no Ser o fulcro de toda prática pedagógica que pretende a humanização dos homens em seus processos formativos.

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The theme of the research on Gabriel Marcel's philosophical thought is part of speeches and discussions on Philosophy, Education and Human Formation. His studies are to examine the possible interaction between stable and unstable phenomena of the structures of personal and interpersonal lives of existing subject, from the assumptions of the Philosophy of Existence and the Philosophy of Hope. In the light of this interest, we seek to ask: how does Gabriel Marcel's philosophical approach articulate between the Philosophy of Existence discontinuity and the Philosophy of Hope continuity? How does the dialectic of having over being contribute to the depersonalization of human relations and the educational process? What is the interdependence that exists for Marcel between intersubjectivity and human formation? What elements of Marcel's philosophy are relevant to education? Does the way that we design ourselves, the others and the world affect the results proposed by the teaching practice? How can the teaching practice, based on anthropological presuppositions of Marcel's philosophical approach, contribute to better understand the self in the face of its incomplete subjectivity? This way, Marcel intends to discuss the differences between the technical-functional and human-relative conceptions once he understands that they represent trends which recognize the concept of form as the principle that identifies education in a given time, while the act of producing or allowing to develop of the human/student to achieve the purpose that is essentially in him, or that it was desired in his possibilities. This theoretician further tries to analyze the consequences of the Philosophy of Hope for the understanding of man in his exactness, from the political tensions, social breaks, educational problems and the transformation of man's questionable image, in the years that came before, during and after the two World Wars. His reflection intends to highlight other categories that can include man's new and though experiences from himself and his reality. His interest is neither to exclude the conception form of the classic philosophical thinking as if it were outdated nor to create a philosophical -pedagogical method of the existence, but to try to discuss the anthropological and ontological processes that can overcome the mutual alienation between the thinking and the existence, aiming at their interrelationship and transcendence. From Gabriel Marcel, we also reflect and talk about the awareness of the theoretical - anthropological limits of the Philosophy of Existence and the need to broaden its understanding of the human and the way to design his formation, from the contributions of the Philosophy of Hope. The study goal was to analyze the phenomenological approach of the metaphysics of Being and Having in Gabriel Marcel's Philosophical Thought and his contributions to education in the perspective of the human formation. Based on the methodological view, we chose the hermeneutic-ontological reflection by understanding that it is facing the interpretative information processing and the theoretical contributions, as it attempts to unveil the structures of the existence development of Being and establishes an intimate relationship between the researcher and his research. From these considerations, we have seen that the dialogue between the categories of discontinuity and continuity points out the constructions of a hopeful education which finds in the confidence in Being the fulcrum of the entire pedagogical practice that plans men's humanization in their formative processes.

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La thématique autour de la pensée philosophique de Gabriel Marcel s’inscrit dans les discours et débats sur la philosophie, l’éducation et la formation humaine. Son investigation scientifique consiste à examiner la possible interaction entre les phénomènes stables et instables des structures des vies personnelles et interpersonnelles du sujet existant, à partir des présuposés de la Philosophie de l’Existence et de la Philosophie de l’Espoir. Dans ce cadre nous avons cherché à questionner : comment l’approche philosophique de Gabriel Marcel s’articule entre la discontinuité de la Philosophie de l’Existence et la continuité de la Philosophie de l’Espoir ? De quelle manière la dialectique de l’avoir sur l’être contribue-t-elle à la dépersonalisation des relations humaines et du procès éducatif ? Quel est le lien existant, selon Marcel, entre l’inter-subjectivité et la formation humaine ? Quels éléments de la philosophie Marcelienne sont-ils relevants pour l’éducation ? Le mode comme nous nous concevons nous-mêmes, les autres et le monde, intervient-il dans les résultats prétendus pour la pratique pédagogique ? De quelle manière la pratique pédagogique, fondée sur les présuposés anthropologiques de l’approche philosofique Marcelienne peut-elle contribuer au dévoilement de l’être vis-à-vis de sa condition de sujet inachevé ? Dans ce sens, Marcel cherche à analyser les différences entre les conceptions technique-fonctionnelle et l’humaine-relationnelle, en comprenant le fait qu’elles représentent les tendances qui reconnaissent le concept de la formalité tel un principe qui caractérise l’éducation d’une époque donnée, en tant qu’un acte de produire ou laisser développer l’humain/éduquant, pour atteindre le but qui se retrouve essentiellement en soi ou celui qui a été prétendu dans ses possibilités. Ce théoricien cherche encore, à analyser les conséquences de la philosophie de l’Espoir pour la compréhension de l’homme en son essence concrète, à partir des tensions politiques, des fractures sociales, des problèmes éducationnels et de la transformation de l’image problématisatrice de l’homme dans les années qui ont précédées, durées et succédées les deux grandes guerres mondiales. Sa réflexion prétend mettre en relief d’autres catégories qui contemplent de nouvelles et dures expériences de l’homme à partir de soi-même et de sa réalité. Son intérêt n’est pas celui d’écarter la forme de la conception de la pensée philosophique classique, comme si celle-ci était dépassée, ni celui de créer une méthode philosophique-pédagogique de l’existence, mais celui de chercher à systématiser des procès anthropologiques et ontologiques capables de dépasser la réciproque aliénation entre la pensée et l’existence envisageant son inter-relationnement et transcendance. Nous avons réfléchi et discuté aussi, à partir de Gabriel Marcel, à propos de la conscience des limites théorique-anthropologiques de la Phiilosophie de l’existence et le besoin d’élargir la compréhension sur l’être humain et le mode de concevoir sa formation, à partir des contributions de la Philosophie de l’Espoir. Dans cette perspective, ce travail a eu par but: d’analyser l’approche phénoménologique de la métaphysique de l’Être et de l’avoir dans la Pensée Philosophique de Gabriel Marcel et ses contributions pour l’éducation, dans une perspective de la formation humaine. Du point de vue méthodologique, nous avons retenu la réflexion herméneutique-ontologique, car nous l’apercevons tournée vers le traitement interprétatif des informations et des contributions théoriques, une fois qu’on vise à dévoiler les structures du développement de l’existence de l’Être et établir une relation intime entre le chercheur lui-même et sa recherche. À partir de ces considérations, nous avons vu que le dialogue entre les catégories de la discontinuité et de la continuité vers de la construction d’une educação esperançosa

(éducation pleine d’espoir) trouvant dans la confiance de l’Être le soutien de toute pratique

pédagogique qui prétend l’humanisation des hommes dans leurs procès formatifs.

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DH La Dignité Humaine et ses Assises Existentielles

DS Le Déclin de la Sagesse

EA, I Être et Avoir (Journal Métaphysique – 1928 – 1933), v. I

EA, II Être et Avoir (Réflexion sur l’irréligion et la foi), v. II

EAGM Entretiens Autour de Gabriel Marcel

EC Existentialism Chrétien

ECVQE En Chemin vers Quel Éveil ?

EMS El Misterio del Ser

EPC Ennsai de Philosophie Concrète

EPRGM Entretiens Paul Ricoeur et Gabriel Marcel

GPIPB Gabriel Marcel Interrigé par Pierre Boutang

HCH Os Homens Contra o Humano

HP L’Homme Problématique

HV Homo Viator

JM Journal Métaphysique

ME, I Le Mystère de l’Être (Reflexion et mystère), v. I

ME, II Le Mystère de l’Être (Foi et réalité), v.II OS I Obras Seletas v. I

OS II Obras Seletas v. II

PAC Position et Approches Concrètes du Mystère Ontologique

PI Présence et Immortalité

PST Pour une Sagasse Tragique et son au-delà

RI Du Refus à l’Invocation

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INTRODUÇÃO ... 14

CAPÍTULO 1 DESPERSONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS NA CIVILIZAÇÃO TÉCNICO-INDUSTRIAL ... 56

1.1 Ambiente espiritual da sociedade técnico-industrial ... 57

1.1.1 Civilização industrial e funcionalização humana ... 66

1.1.2 Abstração do ser e a desumanização do mundo ... 74

1.1.3 Técnicas de Aviltamento ... 87

1.2 Desumanização do humano face ao espírito de abstração ... 101

1.2.1 Influência do conhecimento técnico no processo de degradação do humano ... 101

1.3 Despersonalização das relações humanas ... 114

1.4 Os limites da civilização industrial: entre a condição subvertida do ‘homem da barraca’ e a situação agônica do homem problemático ... 118

CAPÍTULO 2 CARACTERIZAÇÃO ANTROPOLÓGICA E METAFÍSICA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO DE GABRIEL MARCEL ... 128

2.1 Pensamento antropológico ... 129

2.1.1 Encarnação: o homem como ser de presença ... 133

2.1.2 Itinerância: o homem como ser a caminho ... 148

2.1.3 Liberdade: o homem como ser aberto ... 159

2.1.4 Intersubjetividade: o homem como ser de comunhão fraterna ... 180

2.1.5 Transcendência: o homem como ser voltado para o absoluto ... 195

CAPÍTULO 3 PENSAMENTO ONTOLÓGICO DE GABRIEL MARCEL: ENTRE O MISTÉRIO E O DESVELAMENTO DO SER ... 209

3.1 Descrição metafísica do mistério do Ser ... 209

3.1.1 O mistério do Ser ... 209

3.1.2 A exigência concreta do Ser ... 213

3.1.3 A indeterminação do Ser ... 216

3.2 Metafísica da Morte: da decisão existencial a eternização do Ser ... 220

3.2.1 O mistério da morte ... 223

3.2.2 O fascínio da morte ... 225

3.2.3 A possibilidade de transcender o desespero ... 229

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3.3.1 O ser-para-a-morte em Martin Heidegger ... 234

3.3.2 A morte como situação-limite em Karl Jaspers ... 240

3.4 A Morte do ser amado ... 246

3.4.1 A condição itinerante do Ser face à morte ... 249

3.4.2 A morte como fim do ser-com ... 251

3.4.3 A morte como manutenção de uma recordação ... 255

3.4.4 A morte como afirmação da presença do tu ... 260

3.4.5 Experiência metapsíquica: a comunicação com o além ... 260

3.4.6 A afirmação da presença ... 265

3.5 Metafísica da Esperança ... 268

3.5.1 Confiança e Fidelidade ... 268

3.5.2 Comunhão e cuidado ... 275

3.5.3 Desespero e esperança ... 283

CAPÍTULO 4 CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO DE GABRIEL MARCEL PARA A EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ... 290

4.1 Exigências educativas da formação humana na era da técnica e tecnologia ... 292

4.1.1 Resgatar e responder à formação integral do ser humano ... 292

4.1.2 Responder às necessidades da era da técnica e da tecnologia ... 300

4.1.3 Possibilitar a redescoberta da noção de sabedoria ... 309

4.2 Perspectivas ontológicas e pedagógicas da relação entre educador e educando: da formação humana à construção da consciência engajada ... 319

4.2.1 Dimensão comunicativa: comunhão entre o eu e o tu ... 319

4.2.2 Dimensão da presença: compromisso e participação ... 324

4.2.3 Dimensões da paciência: serenidade e confiança ... 329

4.2.4 Dimensões da vivência: diversidade e tolerância ... 334

4.3 Papéis do educador-filósofo na era da técnica e da tecnologia ... 343

4.4 Desafios das tarefas pedagógicas ao fazer concreto: exigências da formação humana ... 356

4.4.1 Desenvolver uma prática pedagógica geradora de sentido humano ... 357

4.4.2 Cultivar uma prática pedagógica promotora da dignidade humana ... 363

4.4.3 Vivenciar uma prática pedagógica que se move numa perspectiva do mistério e da transcendência do Ser ... 368

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INTRODUÇÃO

Se é factível cumprir o tempo de existência como loureiro, de verde um pouco mais escuro

que os outros verdes, e com folhas levemente onduladas nas bordas (como sorriso da brisa) -:

por que então ter de ser homem –

que se esquiva do destino e anseia por ele?... Oh! Não porque a felicidade exista, este

precipitado ganho sobre perda iminente. Nem porque se queira que estaria igualmente no loureiro... [...]

Aqui é o tempo do dizível, é aqui a sua pátria. Fala, pois, e proclama. Mais que nunca, ora perecem as coisas visíveis, porque

aquilo que as desloca e substitui é um fazer sem alma. Um fazer sob crostas que por si mesmas vão romper-se Assim que a ação reponte de lá dentro e se imponha outro limite

[...] Vê, eu vivo. De quê? Nem a infância nem o futuro mínguam...

Inúmera, a existência transborda-me do coração.

(Rainer Maria Rilke1).

A Existência Humana é expressão da condição itinerante do Ser que jamais se define. A existência, tomada na sua singularidade, jamais poderá perder-se em anormalidades, abstrações, degenerações, perversões, caricaturas e/ou alienar-se de si mesma. Por fundar-se, fazer-se e ressignificar-se em si mesma, “[...] a experiência existencial é praticamente ilimitada, em extensão e profundidade” (JOLIVET, 1953, p. 350). A existência não se identifica a partir de uma direção invariável, desconexa e difusa; nem sua apreensão se realiza no reconhecimento de modelos positivos, padrões negativos e/ou estruturas fluídas do pensamento. No desejo por desvelar a existência, o homem jamais poderá submetê-la a um

1 Nascido em Praga na Alemanha e falecido num sanatório suíço, Rilke uniu sua Poesia à Filosofia; e, assim, expressou, em sua obra literária, a imagem de uma vivência dividida entre a angústia contínua face à miséria e o espanto do mistério da existência, que se desvelava perante a luz ardente da aspiração do ser, que deseja sempre ser-mais. A referência deste poeta, neste trabalho de pesquisa, se dá em virtude do valor que Gabriel Marcel atribui à sua produção poética. Para Marcel, Rilke é mais que um simples artista, ele “representa um testemunho de uma presença espiritual criadora, capaz de unir o Espírito as figuras e as imagens em sua obra se encarna” (MARCEL, 2005, p. 224). Sobre a relação de Rilke com sua filosofia, Marcel acrescenta: “para meu trabalho, a obra de Rilke representa, mais que um sistema construído por um especialista sobre bases pessoais [...] Aqui, pelo contrário, os fundamentos são grandiosos, quase inexploráveis onde o alcance das suas afirmações supera todos os limites que poderiam se atribuir de início” (2005, p. 225). Além dessas referências, Gabriel Marcel dedica um capítulo da obra O Homo Viator (2005) ao estudo da relação entre poesia e existência, nas produções de Rainer Maria Rilke.

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conjunto de fórmulas e sistemas que pretendam concebê-la e/ou condicioná-la, a partir de um mero quadro teórico, de injunções e concepções, que desarticule o Ser de sua própria realidade.

O que orienta o processo de apreensão da existência é a experiência concreta do existir. A situação metafísica fundamental do Ser2 é o que a torna original, irrepetível, singular, subjetiva e única. A busca pela convergência entre o Ser e a Existência é o eixo condutor e o ponto fulcral do Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel. Sua investigação não se dirige a uma totalidade pensada, mas ao modo como a condição de sujeito se articula com a realidade que acredita participar, uma vez que seja ele mesmo. Há um esforço filosófico pela construção de uma ‘filosofia concreta’ “[...] que se expressa e se orienta deliberadamente contra todos os ‘ismos’” (MARCEL, 1951a, p. 11)3 e esquemas que pretendam confundir a condição do Ser-pessoa com as ideias de função, de código, de coisa e/ou objeto.

Conforme Marcel (1951a, 1987), a compreensão do Ser não pode limitar-se ao dualismo objetivista da oposição entre o sujeito e o objeto. Um não pode estar separado do outro, porque o eu já é, em si, uma afirmação existencial daquilo que o Ser é4. A postulação indissolúvel da unidade entre a existência e o existente. Queremos dizer de alguém que, existindo no mundo e na forma de ‘ser-com-o-outro’ e ‘em-situação’, não pode assumir uma postura de alienação, indiferença, encolhimento, isolamento e neutralidade perante seu próprio existir. Sobre esta postulação defenderá Marcel:

Que a existência não possa ser tratada como um demonstrandum, é o que não se pode, mais a mais, deixar de perceber, por pouco que se observe, ou ela é primeira ou ela não é, - mas em nenhum caso pode ser vista como redutível, como derivada. A afirmação de que se trata aqui não é mais da ordem dos princípios que se encontram por via regressiva; os princípios não se desenrolam, com efeito, senão num mundo infra (ou supra), - existencial, de onde nós procuramos justamente evadir-nos. Pois, nós encontramo-nos aqui em presença de uma garantia que coincide estreitamente, que faz corpo com a realidade sobre a qual ela incide, realidade maciça, global como ela própria (MARCEL, 1927, p. 314).

2 Queremos destacar que a discussão sobre “a situação metafísica fundamental do Ser” será realizada no capítulo dois desta pesquisa, mais especificamente, quando estivermos analisando a compreensão de Gabriel Marcel sobre a temática da ‘Encarnação: o homem como ser de presença’.

3 A tradução das referências do francês, do alemão, do inglês e do espanhol para o português é de responsabilidade nossa.

4 Conforme Marcel de Corte, a filosofia de Gabriel Marcel, enquanto análise da experiência existencial, “peut comporter un véritable enjeu, une option authentique, une volonté d’être ou de ne pas être. Sur le plan de l‘ontologie concrète et vécue, il doit même en être ainsi, mais parce que l’ontologie de l’existence suppose l’ontologie de l’essence” (CORTE, 1970, p. 91).

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É movido por esta busca da não indiferença do Ser diante de si mesmo, dos outros seres, do mundo e do mistério que o envolve, afeta e o transcende, que a presente dissertação de doutoramento pretende pensar sobre a “Fenomenologia da Metafísica do Ser e do Ter:

contribuições do pensamento filosófico de Gabriel Marcel para a educação numa perspectiva da formação humana”. Para além da mera pretensão articulativa de categorias e aproximação

de ideias, propomo-nos o desafio de investigar, no âmbito do universo da obra multifacetada deste filosófico francês, o modo como o Ser se interroga filosoficamente, diante das exigências e alterações dos processos de inovação e imposição da técnica, sobre o humano, a respeito da sua existência e das possíveis implicações que a tecnocracia infunde sobre as relações humanas e os desdobramentos das propostas e dos processos educacionais.

Nossa intenção é colocar em relevância a formação humana, em torno da qual as relações homem-mundo, ser-existência, eu-tu, imanência-transcendência, professor-aluno, sublinham a constante preocupação dos educandos, dos educadores e demais atores que compõem o universo educacional. Queremos ressaltar que, diante das limitações da empostação pedagógica do modelo educativo despersonalizante da técnica, em torno do qual se foi erigindo a educação contemporânea, faz-se necessário destacar a importância dialógica do paradigma existencial da educação5. A atitude interpeladora do Ser, que, em comunhão

5 A discussão mais ampla sobre a diferença entre as Pedagogias da Existência, Essencialista e Existencialista, encontra-se no nosso trabalho de Dissertação de Mestrado intitulada “Pensamento Pedagógico de Otto Friedrich Bollnow Diante da Filosofia da Existência e da Filosofia da Esperança”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, na cidade do Recife, Brasil (SILVA, 2011). Como parte de sua abordagem, destacamos que a caracterização conceitual das perspectivas pedagógicas acima precisa ser considerada à luz dos respectivos contextos políticos, sociais, educacionais e espirituais dos seus principais agentes influenciadores. Na base de suas tensões descritivas, destacamos que durante as três primeiras décadas do século vinte, na Europa, uma imagem do homem bem definida orientou pais e mestres na tarefa de educar as novas gerações. A concepção antropológica acerca do humano, que apontava para um desenvolvimento paulatino, seguro e linear de sua formação, foi fruto de uma fé nas boas energias criadoras de um homem que se desenvolvia contínua e ininterruptamente para melhor. Em virtude do progresso tecnológico e científico alcançado, falamos sobre a evolução do tempo e das condições de vida, do cuidado com o corpo e sua higiene, do desenvolvimento psíquico, como fator de impulso para o aperfeiçoamento humano e prenúncio do surgimento de uma nova e melhor civilização. Com base nestas “certezas”, houve um investimento na formação da criança e na preservação da juventude, através de uma educação que visava despertar suas qualidades vitais e garantir a prevenção e solução dos problemas individuais e sociais da presente era. A tendência pela busca originária da essência do homem atrelada à crença deque estava surgindo uma nova e melhor sociedade, segundo Bollnow, “[...] acabou dominando o movimento pedagógico da década de vinte. Este movimento estava profundamente compenetrado da confiança no bom cerne originário no homem; cerne esse já existente. Restava só a tarefa de libertá-lo. Essa confiança era, ao mesmo tempo, a fé nas forças interiores do homem, forças que se desenvolvem a partir do seu próprio centro, segundo uma lei todo peculiar” (BOLLNOW, 1971, p. 15-16). No centro desta compreensão pedagógica estava a concepção Essencialista de homem, onde o professor partia de uma definição pré-concebida sobre o que constituía o humano e o que se queria fazer dele; e/ou formar nele uma ideia universal sobre o que era o homem e o modo como devia ser sua educação. “Neste sentido a tarefa da educação consiste em atuar da mesma maneira em todos” (SUCHODOLSKI, 2002, p. 15), visando um mesmo fim. O objetivo era procurar estabelecer, a partir de um único modelo ou padrão educacional, uma prática que pudesse, não só proteger as crianças das más influências, como corrigir a juventude das ideias e comportamentos que desorientam a vida humana e comprometem o bem-estar social. Assim como em outras épocas, o fim e o modo de pensar a

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educação foram determinados pela concepção que os homens tinham deles mesmos e de seus ideais formativos. No caso da Alemanha, todo ideário pedagógico acabou desmoronando nos anos que mediaram e sucederam as duas Grandes Guerras. A visão confiante que se tinha no homem e o otimismo que se projetou com relação ao futuro, por meio da educação, acabaram perdendo vigor e vitalidade. Na base deste arrefecimento antropológico e pedagógico encontraram-se, conforme Bollnow, pelo menos dois fatores: “De um lado, o mundo da técnica moderna, mais realista, mais duro, com seu clima e a experiência do trabalho, revelou os limites de um desenvolvimento pleno e global das forças do homem [...] Do outro lado, a verificação e o conhecimento dos condicionamentos hereditários arrefeceram o entusiasmo pela educação, reduzindo seu ideal a proporções mais modestas” (BOLLNOW, 1971, p. 17). As modificações sugeridas não foram suficientes para responder aos dilemas e conflitos existenciais dos anos trinta. A relação entre vida e vivência, que até então, tinha sido o fundamento do movimento pedagógico de outrora, acabou se constituindo em algo sem sentido diante das perplexidades e ambiguidades da situação humana, dos anos que sucederam a década de 1945. Se antes, a necessidade era dar atenção ao núcleo interior do homem, em virtude de seu estado de prostração social, fruto do fracasso da sua relação com o mundo exterior, agora ficou a compreensão de que, diante da desilusão da antiga confiança nas boas energias humanas, o mais necessário era procurar colocar limites na “má natureza” do homem, através do resgate dos valores e das posturas educacionais do passado, “do assim chamado o ”bom velho” [...] que procurava libertá-lo dos entulhos” (1971, p. 13) e dos abismos da própria natureza humana. “Ao menos em princípio, como possibilidade, era, pois, necessário reconhecer no homem uma realidade fundamentalmente demoníaca e má. E uma vez que ela se desencadeara numa tão terrível proporção, fazia-se iminente a necessidade de primeiro pôr diques a essas energias nefastas, de contê-las de fora. Assim, o princípio ditado pela concepção das boas energias inatas no homem, que só deveriam ser canalizados, foi substituído pelo princípio da repressão externa” (1971, p. 18). Diante destas duras exigências, o que vimos foi o enfraquecimento do entusiasmo pedagógico, uma ausência de elã educativo que assinalou um grande déficit em ideias e impulsos educacionais. Observamos uma condição de cansaço e esgotamento teórico-educacional, face à visão problemática e problematizadora do homem. É a partir desta dura realidade que Bollnow chama a atenção para a necessidade de pensar sobre: o que é o homem? Será que a visão que temos do humano é suficiente para assimilar suas experiências pessoais e existenciais? Diante da cultura da barbárie, é possível conceber uma visão fechada e definida do homem? Para este teórico, ao lidar com estes questionamentos, o educador se vê confrontado por uma dupla tarefa: “A primeira, consiste em examinar as categorias pedagógicas tradicionais e fazer translúcida a sua implicação nas pressuposições antropológicas bem especiais. E a partir dessa elucidação, sem a intenção de rejeitar as categorias pedagógicas tradicionais, demarcar-lhes os limites de aplicação e validade. A isto se associa a tarefa seguinte, de buscar novas categorias pedagógicas que consigam assimilar novas e duras experiências do homem” (BOLLNOW, 1971, p. 19). Movido por estas inquietações, em torno da transformação da imagem do homem, Bollnow propõe analisar a contribuição da Filosofia da Existência para o pensar e o fazer educacional. Como cabe à educação a tarefa de contribuir para conduzir o homem a uma nova ordem, Bollnow, em sua análise sócio-educacional, compreende que a Pedagogia precisa contemplar novas abordagens sobre o humano e o modo de conceber sua formação. Deste modo, ele anuncia o pressuposto de que toda educação deve se pautar apenas num “atuar técnico”, que pretende “dar” ao educando uma certa estrutura permanente e estável de desenvolvimento, através da simples transmissão e comunicação de conhecimentos. Por não concordar com esta perspectiva educacional, Bollnow deseja mostrar que as temáticas discutidas, em torno dos processos estáveis e instáveis da vida humana, podem contribuir para a relação entre a Pedagogia e a Filosofia Existencial; e podem acenar, ainda, para um encontro necessário e possível, que pretende a superação da alienação e dicotomia que as separava. Em sua concepção, as causas dessa recíproca ruptura consistem basicamente em dois motivos: “Em parte, reside na própria pedagogia. Esta, em seu estado peculiar de esgotamento, se achava pouco disposta a receber impulsos completamente novos, principalmente em se tratando de estímulos que não se deixavam enquadrar dentro das concepções tradicionais [...] A Filosofia da Existência desenvolveu, a partir do seu próprio cerne, uma concepção do homem, que parecia, em si, incompatível com a ideia da educação” (1971, p. 21). Para Bollnow, a pressuposição pedagógica de que a formação humana fundamenta-se no princípio da constância e da continuidade é negada pela Filosofia Existencial. Com base no olhar existencial, quando afirma que a vida humana acontece dentro e/ou a partir de processos descontínuos e instáveis, este teórico fala da postura questionadora da Filosofia da Existência sobre o homem, focando sua imagem existencialista, na qual não há nenhuma estabilidade; e passa a questionar: “até onde a ideia dos processos descontínuos é também aplicável aos fenômenos pedagógicos?” (BOLLNOW, 1971, p. 28). No cerne de sua natureza antropológica, a Filosofia Existencial nega a ideia que há, no homem, uma essência que se forma artesanal, ou organicamente, através de uma progressão de contínua realização. Conforme Gadotti, “A pedagogia da existência toma o homem como ele é, não como deve ser, em função de uma essência imutável [...]. A pedagogia da existência é uma pedagogia biófila, uma pedagogia do sentido da vida, da esperança, do amor [...]” (2004, p. 22-23).

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com o outro, é arrancado ao espaço anônimo e à massa, desvela-se, enquanto sujeito de relação humana, de construção de sentido e condição inacabada.

A busca pela construção de uma abordagem pedagógica da Filosofia da Esperança consiste em procurar apresentar outras categorias ou virtudes que consigam contribuir para levar o Ser a encontrar um fundamento, que envolva outras possibilidades antropológicas que possam conduzir o homem a sair do “aventureirismo existencial” (BOLLNOW, 1962, p. 38), para a coerência de si, o desvelamento de sua vivência e a ressignificação do seu possível processo formativo-educacional. Vislumbramos um olhar humano e educativo “[...] que não se dirige a uma inteligência abstrata ou anônima, senão a seres individuais e concretos, nos quais importa despertar uma certa vida profunda da reflexão, através de uma autêntica anamnèse, no sentido socrático do termo” (MARCEL, 1951a, p. 9).

Muito mais do que cumprir uma exigência de caráter meramente acadêmico, a pesquisa, em torno do Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel, constitui uma resposta a um imperativo espiritual, acadêmico e profissional, desencadeado pelas nossas vivências pedagógicas, leituras, aulas e discussões sobre a relação que há entre o homem, a formação humana e o desvelar do seu mistério e sentido ontológico. Consideramos um conjunto de inquietações vivenciadas ao longo do Curso de Mestrado e aprofundadas no Curso do Doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, na cidade do Recife – PE, Brasil.

Contudo, para além da pretensão meramente formal, há três razões que me motivam à busca pelo estudo do pensamento filosófico marceliano. Primeiro, por encontrar em Gabriel Marcel os pressupostos filosóficos do Pensamento Pedagógico de Otto Friedrich Bollnow6. Bollnow7 foi um pensador influente das Ciências Humanas, na Alemanha. Como físico,

6 A análise sobre as compreensões e contribuições acadêmico-pedagógicas de Otto Friedrich Bollnow encontra-se na Disencontra-sertação de Mestrado citada acima.

7 Otto Friedrich Bollnow nasceu em 14 de março de 1903, em Stettin e faleceu em 07 de fevereiro de 1991 em Tübingen, na Alemanha. Cursou o primário em Anklam e graduou-se em Matemática e Física na Universidade de Göttingen. Filho do professor Otto Bollnow (1877 - 1959), seguiu a mesma carreira do pai, começando a lecionar na Escola da Reforma Educacional de Oldenwaldschule, onde viria, tempos depois, a tomar a decisão de recorrer à Filosofia e à Pedagogia, na intenção de aprofundar sua prática. Em 1925, doutorou-se em Física, com uma tese sobre a Teoria da Estrutura dos Cristais. Durante os anos de 1927 a 1929, retomou seu trabalho sobre A Filosofia de F. H. Jacobis, vindo a receber, anos depois, em 1931, a habilitação para ensinar na Universidade de Göttingen, que ficava no sul do estado da Baixa Saxônia, onde permaneceu durante sete anos. Em virtude da tomada do poder, por parte do Partido Nazista e da consequente mudança da democracia para a ditadura (1933-1945), Bollnow teve que deixar, em 1935, a Universidade, só voltando a ensinar no ano de 1938, como professor adjunto de Psicologia e Educação na Universidade de Giessen onde foi nomeado, em 1939, Professor Catedrático. Após a Segunda Grande Guerra Mundial (1945), Bollnow ensinou, de 1946 a 1953, na Universidade de Johannes Gutenberg, na cidade de Mainz, capital e maior cidade da Alemanha, do estado de Renânia-Palatinado. A partir de 1953, ele assume o lugar de Eduard Spranger, passando a ocupar as cadeiras de Filosofia e Pedagogia, em Tübingen, onde lecionou até a sua aposentadoria, em 1970. Em 1954

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pedagogo e filósofo, sua produção coloca-se como uma importante contribuição para os campos da Arquitetura, da Fenomenologia, da Hermenêutica, da Ecologia, da Filosofia e da Educação. Sua investigação filosófica caracteriza-se por uma abordagem hermenêutico-fenomenológica que busca encontrar, na existência e nas potencialidades humanas, seu principal objeto de análise, visando contribuir para a fundamentação de um pensamento pedagógico voltado para o homem, em sua integralidade e concretude.

O diálogo, entre a noção de integralidade do Ser e de concretude da existência humana, é o aspecto influenciador, mais marcante, de Marcel sobre a abordagem pedagógica de Bollnow. A pressuposição deque a formação do Ser se dá através das formas contínuas e descontínuas da vivência humana é, fundamentalmente, uma compreensão filosófica marceliana. Assim, Bollnow expõe os aspectos constituintes da Filosofia da Esperança (1962; MARCEL, 2003), com base nos conceitos de confiança, paciência, ânimo, gratidão, relação amorosa - o Eu e o Tu - segurança e felicidade, que apontam para uma realidade que nasce de uma relação mútua, que enriquece a todos e que acaba servindo como ponto de partida essencial para o alargamento das contribuições da Filosofia da Existência (BOLLNOW, 1946, 1971; MARCEL, 1927, 1940). Esta abordagem que Bollnow desenvolve em torno da Esperança e da Confiança no Ser é a mesma que vai trazer consequências fundamentais para a relação entre o eu, o outro e a vida dentro e fora da escola.

Ao falar sobre a posição ética fundamental do Existencialismo e as perspectivas ontológicas, de ampliação, da Filosofia da Esperança, Bollnow afirma que tem se apoiado “[...] na convincente exposição [...]” (1962, p. 125) da abordagem fenomenológica de Gabriel Marcel, “[...] cujas importantes investigações, vão, exatamente, em sua direção [...]” (1962, p. 28). Mais ainda, declara “que o ponto central de suas considerações está situado no conceito de ‘esperança’. Ao dirigir-se, com esperança e confiança, acreditava ter encontrado, olhando

ganhou o Prêmio Nobel da Física por seu trabalho sobre Teoria Quântica e manteve, desde 1958, intenso intercâmbio científico e acadêmico com Japão, Coreia e a cultura oriental. No ano de 1975, recebeu o título de Doutor Honorário em Estrasburgo, além do Prêmio Lessing – uma homenagem cultural e literária – que lhe foi concedido pela Maçonaria Alemã. Bollnow foi um escritor fecundo. Ao longo de sua trajetória acadêmica, escreveu cerca de trinta oito (38) obras e mais de quatrocentos (400) artigos7 e resenhas sobre Educação e Filosofia. Entre suas principais produções estão: A Filosofia de F. H. Jacobis (1933), Dilthey: uma introdução a sua filosofia (1936), Filosofia Existencial (1946), A Compreensão: ensaios sobre a teoria das ciências humanas (1949), Nova Segurança: o problema da superação do existencialismo (1955), A objetividade das Ciências Humanas e da Essência da Verdade (1956), A Filosofia de Vida (1958), O Homem e o Espaço (1958), Natureza e Mudança das Virtudes (1958), Pedagogia e Filosofia da Existência (1958), Essência e os Caminhos das Virtudes (1959), Filosofia da Esperança (1962), O Ambiente Educacional (1964), O Existencialismo Francês (1965), Abordagem Antropológica em Pedagogia (1965), Linguagem e Educação (1966), Introdução à Filosofia do Conhecimento (1970), Estudos Sobre Hermenêutica I e II (1982-1983), Entre Filosofia e Educação: aulas teóricas e ensaios (1988), entre outros.

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para o futuro, o fenômeno central e fundamental do homem, que dá base a toda vida humana” (1962, p. 14).

Ao investigar o pensamento filosófico e pedagógico de Bollnow, deparamo-nos com as vias e possibilidades de pesquisas, sobre Gabriel Marcel, que poderiam ser estudadas e desenvolvidas. Estamos falando da necessidade de explicitar os pressupostos da Filosofia da Esperança, enquanto caminho de contribuição para uma compreensão, mais profunda, das forças espirituais construtoras do homem, em meio às exigências, dificuldades e desilusões que lhe assediam. Deste modo, destacamos que a amplitude e a profundidade do pensamento e daprodução acadêmica deste importante filósofo francês acenam para uma gama de temas, ideias, discussões e elaborações que poderão se mostrar fecundas e promissoras dentro dos cenários acadêmico e educacional brasileiros.

Discutimos a ausência, entre nós, de um trabalho de doutoramento, sobre Gabriel Marcel, uma das significativas referências da Filosofia Contemporânea e um dos poucos influenciadores estudados, nas universidades brasileiras, do Pensamento Pedagógico de Paulo Freire8. Numa análise das nossas produções, não encontramos, no Brasil, na perspectiva da

8 O interesse por compreender a construção do Pensamento Pedagógico de Paulo Freire assinala a necessidade de destacar, além de outras, as influências do humanismo existencial em sua proposta pedagógica. Movido pelo desejo de construir uma pedagogia da e para a emancipação político-social dos homens, o educador brasileiro recorre às contribuições do Pensamento Personalista e Humanista-Existencial. Mais propriamente, além de outros, destacamos as contribuições de Emmanuel Mounier, que encontra, em Gabriel Marcel, uma de suas fontes de inspiração, e para quem “a liberdade humana deve ser intrépida” (MARCEL, 1962, p. 32); e de Jacques Maritain (1955), quando procura vincular a relação entre as concepções de consciência e de democracia. A partir desses olhares, vamos reconhecendo por que, para Freire, a educação precisa se ocupar de desenvolver uma ação transformadora das relações políticas e sociais, através de uma práxis que não assujeita e domestica o homem, mas, que o liberta cultural, educacional e existencialmente. Além destes, destacam-se as ideias de Soren Kierkegaard (1988, 1990, 2010), quando reflete sobre o sentido da existência humana, de Martin Heidegger (2008, 2009a) e Jean Paul Sartre (1987). Todavia, ao considerar os homens como seres de possibilidade e relação, Freire assume (1996, 1992, 2005, 2006), ao contrário da perspectiva angustiante de Heidegger e da niilista, de Sartre, uma posição otimista e esperançosa a respeito da existência humana. Neste sentido, o educador pernambucano acata a concepção existencial de que os seres humanos, por serem inacabados e históricos, estão sempre se fazendo indeterminadamente. No entanto, ao usar esta concepção do humano, Paulo Freire a redimensiona, à medida que procura destacar o processo de ressignificação da existência humana, a partir de um projeto político pedagógico, que pretende articular a relação homem-mundo à luz das condições social, política e educativa (FREIRE, 1974). Ao reconhecer que a situação do homem é de ser-no-mundo, Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2005), lança mão das categorias da transcendência e da situação-limite, de Karl Jaspers (1965, 1971). Todavia, a compreensão freireana é de que estas implicam na existência, à medida que exigem, dos homens, as respostas através de sua ação histórica e política, de modo autêntico, crítico e participativo. Mais ainda, cabe ressaltar que a noção de situação-limite em Freire possui um sentido político-social, enquanto Jaspers a toma numa perspectiva da dimensão existencial e espiritual do Ser. Sobre a relação com o pensamento de Gabriel Marcel, podemos afirmar que é legítimo reconhecer que Paulo Freire não só conhece como cita e dialoga com muitas compreensões e categorias marcelianas. As referências ao filósofo francês, por parte do educador brasileiro, aparecem em algumas de suas obras: Uma Educação Para a Liberdade (FREIRE, 1974), Educação e Mudança (FREIRE, 1979) e Educação Como Prática da Liberdade (FREIRE, 1967). Contudo, a presença de Marcel não só se acentua nestas obras, como aparece ao longo da discussão e construção das noções freireanas de Afeto, Comunicação, Liberdade, Esperança, do Ser e do Ter, entre outras. Conforme Mendonça, “ao dizer que a vocação ontológica do ser humano é de sujeito e não de objeto, Freire aborda a questão do Ser e do Ter, categorias fundamentais em

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Educação, nenhum trabalho específico deste importante pensador francês, mais especificamente, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, nos Núcleos de Teoria e História da Educação, Formação de Professores e Educação e Espiritualidade.

Consideramos, ainda, relevante a abertura, no contexto do Núcleo de Educação e Espiritualidade, de um espaço dedicadoao pensamento de um dos filósofos mais importantes da Europa e da língua francesa; um pensador, por meio de quem é possível trazer ao leitor

Marcel e temas de grandes reflexões; e passa a considerar que os homens e as mulheres são seres essencialmente de compromisso histórico e, portanto, de intervenção. Porém, esse compromisso e essa possibilidade de intervenção somente se concretizam na medida em que esses sujeitos, sendo seres situados e temporalizados, reflitam criticamente suas próprias condições espaço-temporais” (2008, p. 28). Essas concepções freireanas são marcas significativas do neosocratismo existencial de Gabriel Marcel (1927, 1951a, 2003). Para Marcel, “o ter é tudo aquilo que é objetivável, é a coisificação do ser. O ser é anulado à medida que o ter acentua a si mesmo em detrimento do ser. Para que isso não ocorra, o ser deve orientar o ter, fazendo dele instrumento para o ser, pois o ser, para ele, é participação, é amor, é esperança. Desse modo, para Marcel, o plano do ter é ‘o plano da objetividade, da problematicidade, da técnica e, portanto, o plano da alienação, da angústia, do desespero [...]. Dessa forma, Freire caminha na mesma direção reflexiva da filosofia existencial, ao considerar a condição humana a partir da sua própria vivência no mundo. E, nesse sentido, concebe a educação como instrumento necessário à luta pela superação das condições existenciais desumanizantes” (FREIRE, 2008, p. 30). Segundo Adriana Puiggrós, constata-se a influência de Marcel nas reflexões de Freire sobre a Liberdade, à medida que suas origens filosóficas remetem “[...] a sua luta para sair do mundo no qual estava preso, [...] um desejo por ultrapassar o imediato visando alcançar um conjunto de valores, a compreensão que a pessoa é o não inventariável. O fator que transforma a educação num plus, que transcende a relação entre educador e educando e condição para a possibilidade de produzir uma nova cultura” (PUIGGRÓS, 1999, p. 95, 106). A compreensão freireana de que a consciência transitivo-ingênua pode evoluir para um estágio de consciência crítica encontra fundamento teórico-filosófico na ideia de consciência fanatizada, alienada e massificada de Gabriel Marcel (1951b). Mais ainda, conforme Mendonça, para Freire, “a consciência crítica se caracteriza exatamente pela superação da condição de ingenuidade em que se encontra e passa a ter uma capacidade de apreensão da realidade e dos problemas sociais de maneira profunda e argumentativa” (MENDONÇA, 2008, p. 100). Refletindo sobre a categoria da Comunicação, Ivanilde Apoluceno de Oliveira nos diz que “Freire retoma de Karl Jaspers, Mounier e Gabriel Marcel o diálogo, a comunicação como factor primordial da relação humana e a condição para o ser humano formar-se como pessoa. O diálogo para Freire é o momento em que os seres humanos se encontram para refletir sobre a realidade, sobre o que sabem e o que não sabem, como conscientes e seres comunicativos que são” (OLIVEIRA, 2003 apud ESCOLA, 2011b, p. 23). Conforme Escola, “Paulo Freire, na pegada de Gabriel Marcel (1927), Karl Jaspers, Emmanuel Mounier, Martin Buber, afirma o ser humano como ex-sistente concreto, ser situado (MARCEL, 1927, p. 136, 144-5; FREIRE, 1974, p. 8; 1979, p. 61), temporalizado, pugnando infatigavelmente pela afirmação da sua identidade sem cair no isolamento e solipsismo, característico da modernidade. Tanto em Marcel como em Freire, é no e pelo encontro que se dá a passagem do ele ao tu, lugar fundamental da construção da identidade de educadores e educandos, espaço privilegiado de afirmação da educação como processo contínuo de comunicação e libertação” (ESCOLA, 2011b, p. 203-204). Como podemos perceber, a concepção humanista da educação de Paulo Freire também encontra, nas interpelações filosóficas de Gabriel Marcel, seu fundamento, inspiração, presença e eco ressonante. Ao tratar da relação eu-tu e eu-isso, tanto o filósofo francês como o educador brasileiro, recusam-se a considerar o outro como uma coisa, um objeto, um isso, que deve ser manipulado e tratado de qualquer modo e/ou submetido a qualquer condição. Movidos pelo prisma da comunicação, tanto um como o outro, procuram acentuar o valor da subjetividade do Ser para a ressignificação das vivências individuais, das relações humanas e dos processos sócio-educativos. Esta é uma visão de educação que faz do diálogo autêntico, a marca de uma Filosofia da Esperança (MARCEL, 2003; BOLLNOW, 1962), que respondendo as exigências da Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2005), pode contribuir para capacitar o Ser a transcender aos liames da opressão e da sua própria condição existencial. É uma experiência, de encontro e comunicação entre os homens (SILVA, 2008, 2012), que se coloca a favor da construção de uma Pedagogia da Esperança que, pretendendo salvaguardar a dignidade das vivências formativas, se anuncia como portadora da beleza, da dignidade e da honra de Ser humano.

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brasileiro a possibilidade de articular os grandes temas da Filosofia Clássica com algumas inquietações da sociedade contemporânea. Propomos uma leitura que possa relacionar as compreensões Filosóficas e Dramatúrgicas de Gabriel Marcel com as áreas da Educação, da Formação Humana e da Espiritualidade.

Neste sentido, a pesquisa procura, por um lado, colocar em confronto a relação entre o Ser e o Ter, o Homem e a Técnica, o Mistério do Ser e a Exigência Ontológica e, por outro lado, articular a vivência formativa do homem ao processo de ressignificação das relações humanas e das experiências socioeducativas do Ser. Pretendemos não apenas tomar estas categorias como princípios dialógicos e unidade da abordagem filosófica marceliana, mas, equacioná-las como pressupostos possibilitadores de construção de uma ontologia existencial da educação e da formação espiritual de educandos e educadores. Pensamos, ainda, em oportunizar a construção de uma proposta de pesquisa em torno da Filosofia de Gabriel Marcel, em suas significativas e não muito conhecidas contribuições para o Campo da Educação9.

9 A experiência do estágio doutoral, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, na cidade de Vila Real, Portugal, no período de fevereiro a agosto de 2013, trouxe inúmeras contribuições e/ou implicações para a produção, qualidade e visibilidade da pesquisa proposta. Sobretudo, no momento em que a pesquisa estava caminhando para o processo de qualificação e definição de seus principais rumos e objetivos. Em virtude da escassez e limitação de material do próprio Gabriel Marcel e sobre ele, tanto no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE como no Brasil, em geral, consideramos que a imersão neste contexto e o contato com outros pesquisadores e agências que estudam e se debruçam sobre o pensamento filosófico marceliano constituiu-se como algo de fundamental importância para nosso desenvolvimento e imprescindível para nosso aprofundamento e qualidade epistêmico-filosófica desta pesquisa, sobretudo, por tratar-se de um espaço onde, ao longo dos anos, dezenas de trabalhos nos níveis de Graduação, Mestrado e Doutorado têm sido dedicados à busca pela compreensão e contribuição do Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel para as áreas da Filosofia, Metafísica, Dramaturgia e Educação. Como aluno-pesquisador, pude perceber o grande potencial e as múltiplas possibilidades que o contato com este espaço acadêmico proporcionou aos estudos, reflexões e discussões que venho fazendo desde a elaboração do projeto de pesquisa proposto. O acesso, ainda que restrito, às obras raras deste importante pensador, impulsionou-me e impulsiona-me ao aprofundaimpulsiona-mento dos estudos e ao desejo de socializar suas ideias em impulsiona-meu país. Esta foi uma consolidação que se deu através da publicação de trabalhos científicos e participação em eventos; mais ainda, por meio do levantamento do estado da arte da pesquisa e do contato direto com as produções, anteriormente realizadas, em torno da filosofia marceliana. No nível de Graduação, as primeiras obras foram realizadas por TAVARES, Maria Salette (1948): Aproximação ao pensamento concreto de Gabriel Marcel (Trabalho de Licenciatura apresentado na Faculdade de Letras de Lisboa). Este foi um trabalho que recebeu do próprio Marcel uma carta-prefácio, onde ele expressa sua gratidão pelo interesse demonstrado em torno do estudo do seu pensamento. Encontramos, ainda: PORTO, Maria de Loudes Lopes (1956), que produziu O mistério do mal em Gabriel Marcel. (Trabalho de Licenciatura apresentado a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); NAZARÉ, Maria Tereza da Paiva (1962), que escreveu o Ensaio sobre a antropologia de Gabriel Marcel (Trabalho de Licenciatura apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra). No nível da Pós-Graduação, realizaram-se as seguintes pesquisas: POMBO, Maria de Fátima (1992), Corporeidade e transcendência: ensaio sobre Maurice Merleau-Ponty e Gabriel Marcel (Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); ESCOLA, Joaquim José Jacinto (1993), A intersubjetividade em Gabriel Marcel (Dissertação de Mestrado de Coimbra); PINELA, António Alfredo Baptista (1995), A fundamentação metafísica da esperança em Gabriel Marcel (Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Lisboa); PISSARRA, Mário do Espírito Santo (1988), Perspectivas antropológicas no pensamento de Gabriel Marcel (Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra); AZEITEIRO, Fernando Manuel Domingues (1992), Gabriel Marcel: da

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Gabriel Marcel traz, assim, significativas contribuições para a reflexão das relações horizontais e verticais que estão presentes e atravessam o modo como o homem concebe a si mesmo, sua educação e forma de ser no mundo. As análises deste autor são originais e representativas de um tempo histórico que retratava uma dimensão de ciência; abordam a condição do Ser e sua itinerância a partir dos aspectos científicos, epistemológicos, filosóficos, dramatúrgicos, musicais, pedagógicos, sociais, políticos e humanos. Sua perspectiva, a respeito do homem e sua formação, tem influenciado filósofos, estadistas, profissionais, professores, religiosos e estudiosos de várias áreas10 e gerações11 no Ocidente e

angústia à esperança (Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); RAINHO, António Ângelo Leite (1955), L’existentialisme de Gabriel Marcel (Tese de Doutorado apresentada à Universidade de Toulouse); TRI, Lêthành (1959), L’Idée de participation chez Gabriel Marcel: superphénoménologia d’une intersubjectivité existentielle (Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Letras da Universidade de Friburgo); LE VAN, Ran (1976), Autrui dans la pensée de Gabriel Marcel (Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Friburgo); VICENTE, Jesus Rios (1992), Tiempo y consciencia em la filosofia contemporanea: análisis y compreensión em la filosofia de Gabriel Marcel (Tese de Doutorado apresentada na Universidade da Coruña); CARMONA, Feliciano Blázques (1998), La filosofia de Gabriel Marcel: de la dialética à la invocacion (Tese de Doutorado apresentada à Universidade Complutense de Madrid); ESCOLA, Joaquim José Jacinto (2011), Gabriel Marcel: comunicação e educação (Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto). Na análise e estudo destes trabalhos, é importante ressaltar que nenhuma das temáticas apresentadas acima põe em confronto o Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel com as perspectivas interdimensionais da Educação, da Espiritualidade e da Formação Humana do Ser.

10 A amplitude das áreas de influência da abordagem filosófica de Gabriel Marcel pode ser percebida não só pela quantidade de pesquisas que, ainda hoje, são suscitas no contexto acadêmico europeu. Sua contribuição também alcançou outros continentes, o que se comprova, por exemplo, através da interface que seu pensamento mantém com os matizes filosóficos africanos. Sobre a relação entre “Philophophie marceliene et philosophie africaine” Pére Pontier Biajila Ifumba, directeur du Centre Spirituel Monseigneur Grison, afirma que: “Le néo-socratisme marcelien pourrait intéresser au plus haut la philosophie africaine. Une telle rencontre serait fructueuse pour la recherche philosophique en Afrique. Nous nous contentouns d’en quelques pistes. Dans une Afrique en profonde mutation, Marcel rapelle au philosophie africain sa veritable mission: il devra incarner l’instance critique de la vie sociale; il a le devoir de penser les demarches de l’Africain en quête du mieux-être; c’est lui qui éclair le quotidian par une réappropriation de la réflexion secunde. Ice, Marcel redone du tonus à la demarche philosophique” (IFUMBA, 2011, p. 111-112).

11 A obra “Revolução da Esperança: rearmamento moral em ação” (MARCEL, 1961) representa uma carta-resposta, enviada a Roger, filósofo francês, a Paul, pastor protestante e ao padre católico, Thierry. Nesta correspondência Gabriel Marcel procura explicitar as bases de sua compreensão sobre o homem e suas relações no e com o mundo. O livro-experiência demonstra por que, para Marcel, a Esperança e a Fé no humano podem transbordar, da existência individual e das relações entre os homens, para influenciar a esfera política e os rumos de suas determinações político-sociais. Ao discutir sobre a condição do homem moderno, Marcel procura, através do contato pessoal com um chefe de uma tribo africana, um portuário brasileiro, uma francesa socialista, um industrial canadense, um piloto japonês, um monge budista, um anarquista nigeriano e dois políticos do alto escalão do Japão e das Filipinas, mostrar de que modo os seres humanos, independente de suas culturas, crenças, posições e lugares onde vivem, podem se unir e contribuir para a construção de uma cultura de paz. O teórico procura mostrar, ainda, a maneira como cada homem e mulher deve engajar-se a favor da luta pela dignidade humana e contra toda forma de expropriação, alienação, opressão, segregação, discriminação, injustiça e desigualdades políticas, sociais, religiosas, educacionais e espirituais; e, também, a forma como a soma de todas as experiências e expressões de ‘esperanças’ pode colocar-se como caminho de uma cooperação possível e, verdadeiramente, pacífica entre as nações e os povos de todos os continentes.

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no Oriente12.

Provocado por este senso da vivência itinerante do Ser, entre o não-ser e o vir-a-ser, reconhecemos que as contribuições de Marcel são indeléveis, à medida que buscam a tematização da dimensão do homem como ser-para-si, que se desvela enquanto

ser-com-os-outros, a partir de sua realidade e em conexão com o mundo, com suas nuanças, desafios,

possibilidades e transformações paradigmáticas.

É diante desta configuração histórico-contextual que pretendemos explicitar as bases sobre as quais se assenta o Pensamento Filosófico de Gabriel Marcel. Nossa intenção é demonstrar como sua análise hermenêutico-fenomenológica, a respeito do existir humano, pode contribuir para o alastramento das concepções educacionais que pretendem a educação e a formação humano-espiritual do Ser. Recorremos a estas reflexões, no âmbito de uma sociedade marcada pelo primado do progresso tecnocientífico sobre o humano, do ter sobre o ser, do político sobre a educação e da reprodução de saberes sobre o desvelamento do que é o homem e suas possibilidades.

Assim, consideramos pertinente, de início, trazer um breve histórico da vida pessoal e acadêmica deste pensador francês, num contexto de adversidades espirituais, políticas, econômicas, sociais e educacionais, por compreendermos que o estudo não apenas servirá para nos aproximar do seu pensamento, como poderá ampliar o diálogo, que implica na forma como nos vemos e participamos das transformações que envolvem o humano, a educação, a sociedade e sua forma de ser no e diante do mundo.

Gabriel Marcel nasceu em 7 de dezembro de 1889 e faleceu em 8 de outubro de 1973, na cidade de Paris, na França. Como filho de Henry Marcel e Laura Meyer, Marcel provém de uma família de tradição alemã e ascendência judia, por parte de sua mãe. Seu pai, “[...] é um dos homens mais cultos de sua geração, como se diz, um herdeiro da melhor tradição [...]” (PARAJÓN apud MARCEL, 2002a, p. XI). Foi um estadista, embaixador na Suécia e atuou no serviço diplomático, tanto como Conselheiro de Estado, quanto na condição de Embaixador da França, em Estocolmo. Autor de livros importantes, um deles sobre pintura francesa no século XIX, destacou-se, principalmente, como Diretor da Escola de Belas-Artes,

12 Um estudo sobre a presença do pensamento de Gabriel Marcel no Oriente foi apresentado por Machico Wada, com o título “Gabriel Marcel au Japon”, no Colloque organisé par la Bilbliothèque Nationale et l’Association Présence de Gabriel Marcel, em setembro de 1988, em Paris - França. O texto procura descrever as experiências vividas por Marcel nas duas visitas que fez ao Japão, em 1957 e 1966. Além disso, o artigo também apresenta o caráter das conferências que Marcel proferiu aos universitários de Tokyo e Kyoto, especificamente, sobre o modo como o Japão, enquanto um dos países mais industrializados do mundo, enfrenta os desafios provocados pelas incidências das técnicas sobre o humano, suas relações interpessoais e seus respectivos processos educacionais e formativos.

Referências

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