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3.3 AS ESTRATÉGIAS DE REALIZAÇÃO DO OBJETO DIRETO ANAFÓRICO: UMA

3.3.1 O clítico acusativo

A variante clítico acusativo, embora considerada padrão, é pouco encontrada no vernáculo brasileiro. O estudo de Duarte (1986) sobre as estratégias de realização do objeto direto anafórico comprova que os clíticos de terceira pessoa (o/a) resistem numa posição pós- verbal em orações infinitivas e gerundivas e, também, em estruturas simples (SVO) onde ocorre tempo simples.

A análise dos fatores sociais indica que a realização dessas formas, clíticos acusativos de 3a pessoa, está condicionada, principalmente, pela escolaridade visto que os resultados de sua pesquisa apontam que o uso do clítico cresce proporcionalmente à escolaridade, e esse resultado se reflete, não necessariamente, na variável faixa etária, uma vez que a escolaridade aumenta à medida que se avançam os anos. Essa variante é preferida em situações mais formais e nos textos escritos como Duarte comprova em seu trabalho.

A pesquisa empreendida por Duarte é bastante importante, porque desencadeou uma série de trabalhos diacrônicos que buscaram explicar não só como se deu desaparecimento do clítico acusativo, mas também a emergência das demais formas de realização do objeto direto anafórico.

Muitos trabalhos (Pagotto, 1992 e 1993; Nunes, 1993 e Lobo 2001) comprovam que a sintaxe dos clíticos, no PB, possui características próprias, preferencialmente proclítica, exceto nos contextos anteriormente apontados, além de registrar a perda de algumas formas do sistema de clíticos.

A tradição gramatical, representada por puristas como Almeida (1999), que propõe que o uso do clítico deva ocorrer enclítica, mesoclítica e procliticamente a depender da

sintaxe da frase, não inclui o uso cotidiano da língua, no qual se observa a inexistência da colocação mesoclítica, que se restringe a poucas ocorrências em textos escritos, cumprindo uma imposição meramente formal. Observa-se que, com a perda dos clíticos de terceira pessoa, o uso da CV e do pronome ele na posição de objeto direto é muito comum entre os falantes, o que demonstra que o PB distanciou-se bastante do PE e que uma revisão nos padrões lingüísticos deve ser implementada levando em consideração trabalhos como os apontados acima, na fixação desses padrões.

Nunes (1993), que busca explicar as mudanças da língua encaixadas apenas no sistema lingüístico, propõe que a emergência da CV e do PL é resultado de mudanças encaixadas que se iniciaram na fonologização do sistema pronominal do PB. O português que veio para o Brasil trouxe consigo31 o uso categórico do pronome fonologicamente enclítico, independente de sua posição, pré ou pós-verbal32, como demonstrado no exemplo (03) a seguir, apresentado por Nunes (1993, p. 209) .

(03) PE a.Quem me vê? b. Não te vi

c. Já te digo

d. Vamo nos encontrar.

Inversamente, no Brasil, o processo de fonologização se dá da esquerda para a direita, como no exemplo dado por Nunes (1993, p.214) e aqui retomado em (04):

(04) PB a.Já te vi

b. João vai te ver. c. João tinha me visto.

d. Vamos nos encontrar.

31 Carvalho ,1989, apud Nunes 1993.

32 Lobo (2001) demonstra que e cliticização e colocação pronominal são fatos distintos:

i) Colocação pronominal, processo sintático,em que os pronomes podem ocupar a posição PRÉ ou PÓS- verbal;

ii) Cliticização é um processo fonológico que indica a direção da dependência do elemento clítico em relação ao elemento principal. Podem ser duas as direções: a) Proclítica – da esquerda para a direita. “Eu tinha

me-esquecido do compromisso.” e b) Enclítica – da direita para a esquerda: “Eu tinha-me esquecido do compromisso.”

Segundo Nunes, é a cliticização fonológica da esquerda para a direita, no PB, que licencia a construção de sentenças iniciadas pelo pronome átono, porém essa regra não se estende a todos os pronomes, como se pode observar nos exemplos do autor, a seguir:

(05) a. Me chame amanhã. b. Te chamo amanhã. c. Lhe telefono amanhã. d. *O chamo amanhã.

Observa-se que a sentença, em (05)d, não é licenciada. O que poderia não licenciar essa estrutura? Por que os clíticos acusativos de 3a pessoa não obedecem à distribuição dos demais clíticos? Nunes defende que o clítico de 3ª pessoa não tem o onset de sua sílaba licenciado, por isso desaparece deixando uma lacuna ou é substituído pelo pronome tônico. Esse clítico resiste apenas, segundo Duarte (1986), quando se pospõe, principalmente a um verbo no infinitivo, o que demonstra que o clítico é preservado onde pode ter o onset de sua sílaba preenchido, como em entregá-lo.

É importante salientar que uma explicação apenas estrutural deixa uma lacuna. O que teria levado o falante, no período de formação do PB a inverter a direção de fonologização do clítico, preferir a posição clítica pré-verbal e, enfim, selecionar o padrão consoante-vogal, impedindo que construções com o pronome acusativo de terceira pessoa se realizassem, acarretando a sua perda e a sua substituição pela CV e pelo PL? Uma análise da sócio-história dos séculos iniciais da formação do português brasileiro, principalmente do contato lingüístico e da demografia, pode compor o quadro geral da mudança.

Ampliando as explicações estruturais sobre a perda do clítico acusativo de 3a pessoa, pode-se citar Duarte (1986), que aponta um fator de ordem fonológica relevante nesse processo. Segundo a autora, os falantes evitam construções em que o pronome átono (o/a) segue verbos terminados por vogais, como em compre-o, a fim de não realizar um encontro entre vogais, por fugir ao padrão CVCV.

Duarte ainda chama atenção para o fato de serem recusadas formas do pronome em que o seu onset é preenchido, como no caso da forma no, seguindo sons nasais. Para ela, esses exemplos demonstram que não é apenas o padrão CVCV, como aponta Nunes (1993), que regula o uso do clítico. A esse respeito, a autora esclarece que:

A observação destes resultados leva-me a crer que o uso do clítico pré e pós- verbal limita-se a formas já cristalizadas no português, não havendo dúvida de que é a forma verbal o fator que sustenta suas esporádicas ocorrências. (Duarte, 1986, p. 23)

Nos resultados desta pesquisa, registrados no capítulo 5, verifica-se que nem mesmo esses fatores, apontados por Duarte como condicionadores dessa variante e apresentados no início desta seção, levam à sua realização no dialeto analisado.