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PARTE II – O “DESCORTINAR” DOS SUJEITOS

Capítulo 3 NARRATIVAS DE PROFESSORAS: RECONSTRUINDO PROCESSOS

4.2. Saberes necessários à docência

4.2.3 Clarice: o professor precisa saber ser ético e honesto

A ética é uma exigência do trabalho do professor por lidar com seres humanos, embora não seja dada a devida relevância nos dias de hoje, no ofício docente. Como o ofício é de relações entre seres humanos e, portanto, significam relações de poder, pois são capazes de emitir valor e juízo, e possuem direitos e privilégios; a ética é um elemento central na base do trabalho docente (TARDIF, 2010).

Clarice aponta as demandas do trabalho docente, salientando inicialmente alguns aspectos que dizem respeito à honestidade e ao compromisso. O professor neste sentido é percebido como alguém que deve possuir ética em relação ao seu trabalho. Também

há uma dimensão moral que é exposta quando a professora coloca que “deve ser espelho para outras pessoas”. Para ela o professor tem o dever de desenvolver um trabalho honesto, de qualidade, seguindo metas e objetivos propostos. Comenta que o professor precisa saber de seu compromisso e sua responsabilidade com a missão que lhe foi confiada.

Inferimos que o fato de Clarice estar cumprindo há 10 anos a função de diretora transfigura sua percepção com relação aos professores. Suas afirmações surgem a partir de uma visão diferenciada. A honestidade, qualidade, compromisso, responsabilidade são virtudes não só igualmente atribuídas ao diretor, mas que se referem com especificidade para tal cargo. A honestidade e a transparência devem ser compromissos de todos, mas especialmente de quem representa a escola. O professor tem compromisso com seus alunos, com sua função de ensinar, não de representar a escola como maior peso de sua função.

É possível perceber a ética como destaque do discurso de Clarice. “Ser espelho para os outros” demanda transparência nas ações e compromisso. Esses são valores que Clarice manifesta como relevantes. Perrenoud (2000) aponta em uma das competências necessárias a ensinar justamente “Enfrentar os dilemas e deveres éticos da profissão” e explica que isso se traduz em prevenir a violência e preconceitos de qualquer espécie dentro e fora da escola; além de se referir à criação de regras de convívio na escola e de analisar a relação pedagógica com ética. As dimensões apontadas pelo autor em relação à competência descrita é específica para as atribuições do professor; se comparadas às questões colocadas por Clarice, observamos que a percepção da professora se dá enviesada pelo fato de ser diretora, como referíamos a pouco.

Ademais, Clarice acrescenta ser necessário conhecer o que precisa ser trabalhado com aquela clientela específica; também é preciso ter uma teoria sobre o trabalho em si sobre o nível de ensino que trabalha; é preciso ainda conhecer as competências e habilidades que deseja alcançar e desenvolver no seu aluno até o final de um ano letivo; e diz que é necessário ter conhecimento de matriz curricular, dos cadernos do CEALE39 que contém todos os conteúdos.

Assim, Clarice coloca o conhecimento do conteúdo como um saber relevante para o professor. Também existe em sua narrativa que o conhecimento sobre os alunos e

39

CEALE significa Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita que pertence à UFMG e que formulou uma coletânea de cadernos em parceria com o governo de Minas Gerais, para orientar os professores do estado no ensino de 1º ao 9º ano. Para saber mais, acesse: www.ceale.fae.ufmg.br.

saber discernir uma teoria, um viés que oriente o trabalho são necessários para o professor. Além disso, opina sobre a necessidade de se conhecer as competências e habilidades que o aluno pretende alcançar até o fim de um ano, juntamente com o conhecimento sobre a matriz curricular do nível de ensino que o professor irá trabalhar.

García (2009, p. 119) aponta que:

o conhecimento didático do conteúdo aparece como um elemento central dos saberes do docente. Representa a combinação adequada entre o conhecimento da matéria a ser ensinada e o conhecimento pedagógico e didático relativo a como ensiná-la. Nos últimos anos vem-se trabalhando nos diferentes contextos educativos para elucidar quais são os componentes desse tipo de conhecimento profissional do ensino.

O autor também afirma a necessidade do docente adquirir ao longo do tempo na profissão “um conhecimento experiente do conteúdo” para que sua relação com os alunos e com o conteúdo se dê de forma segura para que o processo de aprendizagem seja facilitado para o aluno.

Nesse sentido, a narrativa da professora revela que os saberes pedagógicos, saberes disciplinares e curriculares constituem a prática docente. A professora localiza esses saberes e as exigências da profissão, delimitando saberes que dizem respeito à prática pedagógica (conhecer o conteúdo e currículo), a relação com o aluno (conhecer o aluno, saber quais habilidades se pretende alcançar com aluno ao fim de uma etapa), e ainda com relação à moral e a ética da profissão (compromisso, responsabilidade, cumprir metas etc).

Por fim, com relação ao caso de ensino, Clarice localiza a necessidade que o professor tem de se preocupar em planejar aulas interessantes, desafiadoras, principalmente diante do novo perfil de alunos que a escola tem recebido.

4.2.4 Eva: é necessário estar aberto a aprender

A profissão docente possui como característica a afetividade do objeto de trabalho que são os alunos, diferentemente de outras profissões cujo objeto de trabalho é material, conforme sugere Tardif (2010). O autor argumenta que o “componente emocional manifesta-se inevitavelmente, quando se trata de seres humanos. Quando se ensina, certos alunos parecem simpáticos, outros não” (TARDIF, 2010, p. 130). Nesse

sentido, o fator afetivo faz parte também da constituição dos saberes das professoras e trazem significado para os saberes que são necessários na prática educativa.

Diante disso, Eva expõe suas percepções acerca dos seus saberes que foram desenvolvidos ao longo do tempo. Relata sobre suas aprendizagens destacando que os professores nunca sabem tudo. E para ela, mesmo que o professor tenha uma forma de trabalhar consolidada, a partir do momento que compartilha experiências com outras pessoas, colegas de profissão, e descentraliza sua forma de fazer as coisas, amplia suas possibilidades e aprende novas formas de trabalhar. Assim, outro saber necessário ao professor é saber aprender constantemente.

Na perspectiva de analisar a formação de professores, de maneira a potencializar a aprendizagem da profissão, Mizukami et al. (2002, p. 44 – grifos da autora) afirma que “aprender a ensinar é desenvolvimental e requer tempo e recursos para que os professores modifiquem suas práticas”. Ao trazer tal afirmação, a autora analisa que as necessárias mudanças na prática dos professores devem ultrapassar a aprendizagem de novidades técnicas, alcançando uma revisão conceitual de sua prática educativa.

Ainda sobre a aprendizagem do professor, Eva argumenta que o professor precisa ser humilde para aprender, e saber buscar a informação de que precisa, seja perguntando outra pessoa ou buscando em materiais etc. Analisa que às vezes o aluno não entende um conteúdo e se o professor o colocar para trabalhar em grupo, ele aprende. Ou seja, o professor precisa sempre mudar suas estratégias e estar pronto para que o aluno aprenda através de outras formas.

Eva analisa a maneira que os professores percebem a profissão docente como forma de justificar alguns limites que possuem. Diferencia o estar na profissão “por opção” e “por vocação”. Em sua opinião, o magistério deveria ser encarado como qualquer profissão, e não como vocação, pois considera a docência como profissão em que é preciso desenvolver determinadas habilidades para garantir a qualidade do trabalho, por isso valoriza o constante aprendizado sobre a profissão.

Ao avaliar as demandas da profissão através dos casos de ensino explicitados, Eva comenta que os desafios na sala de aula em turmas consideradas “difíceis” exigem que o professor imponha regras de convívio e limites. Também que o professor saiba lidar com os conhecimentos que os alunos trazem sobre informática, computador e busque trazer isso para as aulas de maneira a espertar o interesse do aluno.