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O Clarim / O Clarim da Alvorada (1924)

I. ESTUDOS SOBRE NEGRO E EDUCAÇÃO

3.2. O discurso educativo dos jornais da imprensa negra

3.2.4. O Clarim / O Clarim da Alvorada (1924)

O jornal “O Clarim” circulou nos anos de 1924 a 1935. Teve, como fundadores, José Correia Leite e Jayme de Aguiar. Intitulado “Orgam Literário, Scientifico e Humoristico” da mocidade negra, o jornal publicava textos críticos, notas sociais (casamentos, aniversários, batizados, etc.), concurso de simpatia feminina, formaturas, notícias de eventos esportivos e informações das atividades realizadas pelo “Clube Negro de Cultura Social”.

Esse periódico circulou com o nome de “O Clarim” até meados de 1924. Após um período de interrupção, foi republicado com o nome de “O Clarim da Alvorada”.

Sua tiragem variava de 1.000 a 2.000 exemplares; sua publicação era mensal, e o jornal era vendido por assinatura anual, semestral e por números avulsos nas ruas e nos bailes. Para os articulistas deste jornal, a educação é apresentada como o caminho para o aprendizado das profissões, conquistas materiais e ascensão social:

INSTRUCÇÃO

A instrução é a cultura do nosso espírito, tanto intelectual e material quando procuramos aprender uma disciplina que nos auxilie, materialmente como sejam as várias profissões.

A cultura da nossa inteligência é a instrução intelectualmente falada. O mestre é o seu apregoeiro por excelência, incumbe-se de ensinar as crianças. Mas nem sempre, principalmente em nossos dias!

Também o adulto vai a escola. A escola é o recinto sagrado (...) é na escola que encontramos os meios precisos para nos fazer entendidos pelos novos irmãos.

Somos seus fiéis discípulos e os mestres sacerdócios amáveis que nos dão a luz do saber. Para eles devemos a nossa educação em geral. (...) A perfeição da educação é a instrução combatida com polidez e o bem viver e a ciência unida a virtude. Oh, Paes! Mande vossos filhos no templo da instrução intelectual “a escola” não os deixeis analfabetos como dantes! Hoje temos tudo, aproveitai as horas noturnas si os trabalhos vos impedem. Ides à escola! Aproveitai o precioso tempo para engrandecer a nossa raça e o nosso querido Brasil. (O Clarim, 03/02/1924, p.01).

Esse pequeno trecho parece traduzir a atmosfera de expectativas dos autores com a chegada de um novo grupo no poder político central, o que pode ser apreendido pela frase “hoje temos tudo, aproveitai...”. A possibilidade da incorporação da raça negra na identidade nacional, e as oportunidades de trabalho mediante as “várias profissões”, a expectativa de integração social do negro via educação e as perspectivas democráticas da nova escola parecem ser elementos que motivavam à busca da educação escolar, a ponto do articulista determinar “Mande vossos filhos no templo da instrução intelectual a escola, não os deixeis analfabetos como dantes”.

Em nota sobre o analfabetismo, uma das maiores preocupações da época, tendo em vista o crescimento econômico e industrial da cidade de São Paulo e a exigência de conhecimentos técnicos mais específicos, o jornal declama:

ANALPHABETISMO

A verdadeira liberdade do elemento negro começara a raiar do combate decisivo e leal, illuminando o analphabetismo preparando uma geração nova para os novos embates que se ão de ferir nos recessos amplos da democracia futura! (O Clarim da Alvorada, 27/12/1925, p.01).

A valorização do trabalho também foi retratada pelo jornal:

O TRABALHO

É a semente que germina, brota e fructifica em toda a terra. Forma as cidades, fertilisa os campos e crea as maravilhas que enaltecem o valor e reflectem o adiantamento das nações. Ninguém póde viver sem o trabalho, desde o isecto mais insignificante; dos animaes aos homens, todos tem as suas occupações, misteres estes impugnados pela natureza, desde a época mais remota até aos nossos últimos tempos. Dizia notável escriptor patrício: “Envelhece-se mais pela inactividade do que pelo trabalho. O trabalho é a funcção mais nobre da vida. O trabalho é a lei da natureza. Quem não trabalha, não é digno de viver. Quem não trabalha, está fora da lei porque é inimigo da sociedade”. (Barbosa, O Clarim da Alvorada, 20/06/1926, p.03).

O “O Clarim da Alvorada” publicava artigos condenando a ociosidade. O indivíduo considerado preguiçoso era marginalizado e a ociosidade era combatida. As críticas realizadas pela imprensa negra à preguiça e a outros comportamentos considerados inadequados não podem ser entendidas como uma visão negativa de si próprios. Tampouco deve ser adotada uma visão generalista de que o alcoolismo, a prostituição, o abandono, o desemprego, a mendicância e a criminalidade eram comportamentos “imperantes” no meio negro. Deve-se problematizar a crítica, também, pela necessidade de motivar e desenvolver novos hábitos de comportamento, considerando que esta população estava inserida em uma sociedade preconceituosa que a todo o momento associava aos negros características negativas.

Havia um intercâmbio de ideias entre “O Clarim da Alvorada” e jornais americanos “Chicago Defender” e “Negro World”. A comparação entre os padrões das relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos não foi exclusividade deste jornal, porém, a partir de 1925, tornaram-se mais frequentes nesse veículo. O jornal “O Clarim da Alvorada” tratava do preconceito de cor no Brasil e nos Estados Unidos, afirmando que o negro brasileiro, devido a sua participação fundamental na história econômica do país, era o elemento representativo da nacionalidade e não concordava com relações baseadas na violência e na segregação. O jornal chegou a declarar que nos grupos escolares no Brasil, ao contrário das escolas americanas, estudavam brancos e negros:

O dia que grupos escolares não aceitarem mais os nossos filhos, se as academias não receberem mais a nossa mocidade, para maior gloria da raça que descendemos, então os homens pretos do Brasil se unirão para a formação de tudo quanto necessitamos. Lá na América do Norte, onde o preconceito é um fato, o que é do preto é do preto, o que é do branco é do branco. Aqui não, tudo quanto é do Brasil, é nosso com exceção de qualquer coisinha que se não pode qualificar como preconceito (“Quem somos”. O Clarim da Alvorada, 14/11/1926, p.3).

Em um de seus artigos, publicado em 1926, o periódico afirmou que não havia justificativa para os negros não estudarem. Para o redator, “escolas há em todos os bairros, nocturnas, diurnas, gratuitas, mantidas pelo nosso governo, por associações diversas”. Só que nessas escolas encontram-se alunos de todas as nacionalidades, “mas de côr, não sei qual a razão de se contar as dezenas” (O Clarim d’Alvorada, 24/10/1926, p. 2).

Esse artigo indica que os negros tinham conhecimento da escola pública e gratuita, porém, nestas escolas as crianças negras representavam apenas algumas dezenas... A instrução é conceituada como um complemento do civismo e do patriotismo brasileiro, portanto todos os chefes de família deveriam estimular a educação de seus filhos. Várias recomendações são feitas às famílias para que eduquem os seus filhos, como apresentado no extrato abaixo:

EDUCAÇÃO

Educação corresponde a um conjunto de princípios de ordem social em que impera a delicadeza, a gentileza e a civilidade. Educação é pois, o conhecimento e prática dos usos da bôa sociedade. Posto isso julgamos que o maior trabalho a fazer-se é inspirar as mães uma educação muito particular aos filhos. Que ellas lhe incutam desde a tenra idade o respeito aos superiores, a cortesia aos iguaes e a civilidade aos inferiores. (O Clarim da Alvorada, 12/11/1928, p.04).

A citação seguinte, assinada por Alcides Costa, igualmente defendeu um conceito de educação relacionada à civilidade e à moralidade. Esta concepção de educação aproximou-se muito do modelo defendido pelos intelectuais brasileiros que, na década de 1920, defendiam a escola como meio de difusão de um modo de vida civilizado:

Esta mais que provada a theoria de que é a infância a época em que se formam os caracteres. É na infância que se estabelecem as directrizes condutoras da vida futura os caminhos rectos ou verêdas menos dignas! Assim saibam as mães dirigir seus filhos, ensinem-lhes o caminho do bem e da justiça; dêm-lhes exemplos salutares e, estamos certos amanhan tereis ó homens de côr, a nova geração de que necessitaes! (Costa, O Clarim da Alvorada, 12/11/1928, p.04).

Nessa concepção, Alcides Costa ressalta que a infância seria o momento ideal para tal educação. Em síntese, as ideias das lideranças negras e dos articulistas do jornal “O Clarim da Alvorada” sobre a importância da educação estavam em sintonia com aquelas concebidas nos debates da imprensa geral. De uma determinada forma, os articulistas defendiam uma concepção de que somente a escola, como modelo formal “dos usos da boa sociedade” e da “civilidade”, poderia inserir o negro em práticas culturais superiores, à altura da modernidade da cidade de São Paulo.