• Nenhum resultado encontrado

FAMÍLIA 10 – FELIPE MIGUEL PEREIRA – 1ª GERAÇÃO

I. ESTUDOS SOBRE NEGRO E EDUCAÇÃO

4.2. Depoimentos de famílias negras residentes na cidade de São Paulo

4.2.10. FAMÍLIA 10 – FELIPE MIGUEL PEREIRA – 1ª GERAÇÃO

Os avós eram africanos e foram escravos na região de Taubaté, um município da região metropolitana do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. A mãe, escrava nascida no Brasil, chamava-se Maria Teodora, e seu pai (segundo o depoente) era o próprio proprietário da fazenda onde a mãe fora escravizada.

O sr. Felipe não soube informar a sua naturalidade, pois nasceu e foi criado em várias fazendas nos municípios de Areia Branca, bairro localizado a noroeste da cidade de Santos (SP) e Espírito Santo do Pinhal (SP), cidade localizada a oeste do estado de São Paulo.

O entrevistado era analfabeto, trabalhou desde cedo nas plantações de café e relatou as perseguições sofridas pelos feitores das fazendas, as andanças em busca de trabalho, as relações com os imigrantes e o trabalho árduo desenvolvido nas fazendas.

Na década de 1920 casou-se e mudou-se para São Paulo, pois acreditava que aqui encontrariam melhores condições de trabalho. Aposentado, residia no município de Itapevi (SP) no período da entrevista.

Glória Pereira Paraná – 2ª geração (filha de Felipe Miguel Pereira)

Nasceu em 04/02/1923 na cidade de Espirito Santo do Pinhal (SP). Tinha 63 anos no período da entrevista.

O pai ficou viúvo quando a entrevistada tinha três anos de idade e após o segundo casamento, nasceram outros filhos – possui nove irmãos. A sra.Glória declarou que estudou até o 3º ano primário, e explicou porque não prosseguiu os estudos:

A gente teve uma vida muito sacrificada, tinha bastante filho, meu pai tinha, nós éramos em ... nove filhos ... e nós tivemos uma infância muito difícil. Até, eu estudei pouco, né, não pude estudar muito, a gente trabalhava ... desde os cinco anos eu trabalho, comecei a trabalhar com cinco anos de idade! (1988, caixa 33, p.01)

(...) A gente estudava longe, a gente tinha que andar muito longe pra poder ir pra escola, né, que a escola era longe ... A escola era num bairro. Nós morávamos numa fazenda, do Alberto Florence, e a escola era na Areia Branca. Então, a gente aquele tempo, a gente precisava ... precisava cantar o Hino Nacional antes de começar a aula ... Então a gente ia pra escola, depois voltava da escola e tinha que trabalhar de novo, né? Fazia a lição ... com luz de querosene ... Não deu pra estudar muito, mas o pouco que a gente sabe foi com sacrifício. (1988, caixa 33, p.21-22)

Moravam na fazenda da família Florence135, e a depoente afirmou trabalhar desde os cinco anos “tomando conta de outra criança”:

Eu tomava conta de outra criança ... (risos)... para poder, porque a gente era pobre, então a gente precisava pra ganhar um sapatinho, um vestidinho, então a gente tinha que trabalhar, né. E assim eu fiquei um tempo fora de casa, morando com essa família. Com quatorze anos eu era ... trabalhava como cozinheira na casa de uns fazendeiros ... eu e minha irmã ... ela

135 A família Florence é descendente de Hércules Florence, francês, pintor e inventor que participou da

expedição Langsdorff entre os anos de 1824 e 1829 A expedição, organizada pelo barão Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, percorreu dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil para registrar aspectos da natureza e sociedade. Os descendentes de Hércules Florence foram cidadãos influentes nas cidades de Espírito Santo de Pinhal (SP): Alberto Florence, capitão, membro da primeira câmara republicana de Pinhal, empossada em 1892, e Francisco Álvares Florence, médico, presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Ver: HISTÓRIA DE ESPIRITO SANTO DO PINHAL. Disponível em: http://www.proerdpinhal.com.br. Acesso em 20/12/2012.

também começou a trabalhar com sete anos ... coitada! Precisava subir num banquinho pra poder arrumar a cozinha. Sabe, na fazenda, aqueles fogões grandes, e eu já torrava café, fazia pão ... presunto defumado ... sabão ... (1988, caixa 33, p.01)

A família mudou para São Paulo, na década de 1950, após um acidente que vitimou os srs. Alberto Florence e Francisco Álvares Florence. Trabalhou como doméstica e cozinheira. Casou-se e teve quatro filhos.

A sra. Glória relatou que em São Paulo obteve melhores condições de vida e escolaridade:

Gosto mais da vida de São Paulo, eu não sei, eu gosto daqui ... parece que eu nasci aqui, e não tem outro lugar igual para mim (risos). Foi aqui que eu aprendi muita coisa, foi aqui que eu comecei a botar roupas melhores ... guardava um dinheirinho ... depois eu fui na escola, tinha essa escola Santa Zita, é das empregadas domésticas ... era na Avenida Angélica ... Tinha uma senhora ... que fez essa casa pras empregadas domésticas ... aquelas que não sabiam ler ... iam aprender ler ... aquela que não sabia costurar, bordar ... então lá eles ensinavam. A gente ia lá e depois, quando chegava na missa, a gente cantava no coro ... na Igreja de Santa Terezinha. Então ... tudo que a gente aprendeu, que teve uma experiência de vida melhor foi aqui! (1988, caixa 33, p.01)

A escola para empregadas domésticas, mencionada pela sra. Glória, é a Congregação das Irmãs de Santa Zita136. A Congregação foi iniciada em 1946 pela Madre Maria Amélia de Andrade Reis; localizada no bairro de Higienópolis, na Paróquia de Santa Terezinha, promoveu cursos de alfabetização, corte e costura, catequese e atividades de lazer, com o apostolado destinado às domésticas. A entrevistada relatou, nesse trecho, que sua preferência pela vida em São Paulo não é só pelo bem estar material, mas também pela sensação acolhimento que sentiu aqui. Afirmou que “os patrões (do interior) se pareciam com os patrões do tempo da escravidão”.

A sra.Glória também empenhou-se na educação dos filhos João Batista, Oswaldo José, Maria Tereza e Cristiana (3ª geração):

136 Ver: CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SANTA ZITA. Disponível em:

Meus filhos nasceram no Ipiranga, lá na Rua do Manifesto, estudaram no Visconde de Itaúna, os meninos, e a Maria Tereza e a Cristiana estudaram no Seminário da Glória. (1988, caixa 33, pg. 04)

A entrevistada estava aposentada, residindo com a família no bairro Ipiranga (região sudeste da capital paulista), no período da entrevista.