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FAMÍLIA 11 JOÃO DOS SANTOS – 1ª GERAÇÃO

I. ESTUDOS SOBRE NEGRO E EDUCAÇÃO

4.2. Depoimentos de famílias negras residentes na cidade de São Paulo

4.2.11. FAMÍLIA 11 JOÃO DOS SANTOS – 1ª GERAÇÃO

Nasceu em 09/09/1916 na cidade de São Paulo. Tinha 71 anos no momento da entrevista.

Filho de mãe mineira e pai baiano, cresceu numa família de onze irmãos. Relatou uma infância no bairro do Belém, região leste da capital paulista, focada na escola e nas dificuldades em frequentá-la:

A minha infância foi toda aqui na Rua Siqueira Bueno ... esquina com o largo Ubirajara, ali foi a minha infância.

(...) Toda a minha infância, quando eu era criança, tava na escola, aquele tempo acho que tinha muito racismo, me expulsaram da escola porque eu tive uma desavença com um garoto, que era filho do diretor ... nós pegamos, brigamos, eu fui expulso da escola e não deixaram eu estudar mais, perdi diversos anos. Aí, fui estudar com meu irmão, que ele tinha um colégio, chamado “Escola Cruz e Souza”, no Ipiranga, na Rua Bom Pastor, ele tinha um colégio e ali estudei ... tinha bons professores, Arlindo Veiga dos Santos, Doutor Barretos. Ali eu fiz todo o primário em dois meses, ai eu fui embora. Aí eu fui trabalhar no comércio. (1988, caixa 34, p.01)

Apesar de não localizadas as informações sobre a Escola Cruz e Souza, o professor Arlindo Veiga dos Santos, mencionado nesse depoimento, representou uma das lideranças negras com maior destaque em São Paulo na década de 1920. Arlindo Veiga dos Santos nasceu na cidade de Itu em 1902; foi poeta, escritor e militante político; ministrou aulas de latim, inglês e português no Colégio São Luis e na Faculdade São Bento, que viria a se tornar a PUC-SP. Fundou o Centro Cívico Palmares em 1926, constituindo a sua primeira diretoria. Inaugurou e presidiu a Frente Negra Brasileira nos anos de 1931 a 1934, período no qual afastou-se da liderança da entidade para candidatar-se à Constituinte de 1933.

Foi um dos fundadores do jornal “A Voz da Raça”, juntamente com o irmão Isaltino Veiga dos Santos.

O sr. João também referiu-se à escolaridade e profissões dos irmãos:

Tem um irmão que gostava de estudar, ele chamava José Eusébio dos Santos, era diretor de escola, estudou muito, falava inglês, francês ... eu nasci com o violino dele no ouvido, viu, essas obras difíceis ele tocava mesmo! Outros irmãos, mais seis irmãs, todas elas trabalhavam.

(...) O meu irmão mais velho, que é Mario, ele era tipógrafo, trabalhou na indústria dos irmãos Spina, cada vez que eu passo ali no metrô, eu vejo e lembro do Mário ... O Epaminondas, também era um artista, trabalhava com artesanato ... Luis era pintor de paredes, cheguei a trabalhar com ele também. (1988, caixa 34, p.14)

O entrevistado refere-se com orgulho sobre a escolaridade e as profissões dos irmãos, citando, por exemplo, a trajetória do irmão Mário na empresa Grupo Spina137. O próprio sr. João trabalhou muitos anos no comércio da capital, inclusive foi funcionário da casa Ao Boticão Universal138. Depois trabalhou como motorista de táxi, durante dez anos, e motorista particular, durante quatorze anos. Em suas reminiscências, reclamou que enfrentou muito preconceito e racismo na juventude e que o negro “era posto de lado...”:

Tem mais facilidade o negro, agora, de progredir, né. Naquele tempo o negro era posto pra trás, não tinha condições, mesmo, no meu tempo de rapaz, dezoito anos, não tinha, mas hoje o negro se impondo, ele tem condições, tem apoio, o racismo não tá tão forte quanto antigamente. Graças a Deus! Os negros, agora, se eles tiverem juízo, a gente vê muitos negros aí, progredindo, estudando, aprendendo. No meu tempo de rapaz era difícil, era muito você ascender. Eu lembro que estudava no colégio do Belém. Toda vez que eu passo ali eu olho, lembro até hoje ... ali apanhei muito ... naquele

137 O Estabelecimento Graphico Irmãos Spina era uma gráfica fundada em 1924 pelos irmãos

Paschoal, Nicolino, Francisco, Miguel e Isaias Spina no bairro do Bom Retiro. O produto inicial era o caderno do tipo brochura além da confecção de impressos em geral. Ver: SPINA. 82 ANOS DE HISTORIA. Disponível em http://www.spina.com.br. Acesso em 20/12/2012.

138 Inaugurada nos anos finais do século XIX, a casa Ao Boticão Universal, localizada na rua São

Bento, importava e comercializava artigos dentários provenientes da Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos. Ver: BARBUY, H. A Cidade-exposição: Comércio e Cosmopolitismo em São Paulo,

colégio ... Até me jogaram pra fora, não deixaram eu estudar, né? (1988, caixa 34, p.12-14).

No período da entrevista o entrevistado estava aposentado, e residia no bairro da Mooca com a família.

Hilda Andreza dos Santos – 2ª geração (sobrinha do sr. João dos Santos)

Nasceu em 20/01/1937 na cidade de São Paulo. Tinha 50 anos no período da entrevista.

Teve muitas dificuldades na infância e juventude:

Eu fui criada sem mãe, assim, por uma tia, né. Que na realidade não era irmã da minha mãe, era amiga. Quando a minha mãe faleceu eu tinha três anos, mas a falta da minha mãe não foi marcante na minha infância porque essa tia, primas, elas supriram bem ... a falta né! Só fui sentir a falta mesmo da minha mãe depois que eu me casei, que tinha necessidade, quando eu tive o primeiro filho. (1988, caixa 34, p.01-04)

A sra.Hilda não deu muitas informações precisas sobre a sua escolaridade. Declarou ter estudado até a 8ª serie ginasial (1º Grau) porém não informou onde e em quais condições concluiu esta formação.

A entrevistada ressaltou que tanto o pai, como o marido, acreditavam que a mulher deveria ser “dona de casa” e não havia necessidade de estudar. Casou-se jovem, e teve três filhos. O marido concluiu o ensino superior, enquanto ela se dedicava à criação dos filhos menores de idade.

O marido completou o ensino superior, formou-se em Educação Física e trabalhou como professor em escolas públicas. Houve uma separação conjugal e a sra. Hilda ficou com toda a responsabilidade de educar os filhos. Afirma que, ao contrário do que aconteceu em sua trajetória de vida, preparou melhor os filhos “para a vida”:

Pra que eles estudem e sejam independentes financeiramente porque antigamente a mulher casava pra receber do marido um INPS (segurança financeira) ... E as minhas filhas, uma formou-se professora de Educação Física ... e outra está terminando Contabilidade ... E tenho um filho, esse não quis estudar, ficou só no ginásio ... (1988, caixa 34, p.06)

No período da entrevista a sra.Hilda trabalhava como Auxiliar de Enfermagem em hospital público, e residia no bairro da Mooca com a família.