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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 A VISÃO DOS ALUNOS NA CONSTRUÇÃO DO SABER EM SAÚDE

5.1.2 Corpus 2 – avaliações de desempenho da SACI

5.1.2.1 Classe 1: Trabalho em equipe no enfrentamento de problemas

Com UCE produzidas na sua maior parte pelos sujeitos 14 (aluno de Nutrição, USF H, 2011.2), 39 (aluna de Nutrição, USF F, 2011.2), 43 (aluna de Fisioterapia, USF F, 2011.2) e presença significativa das palavras equipe, área+,

realiz+, passeios exploratórios, teor+, conhec+ e intervenção, nesta classe os alunos

reconhecem a importância dos conteúdos teorizados, dos passeios exploratórios na área adstrita das USF em que estão inseridos e da intervenção que realizam em equipe, visando transformar uma realidade observada. Enxergam ainda que as ações vivenciadas pela observação e prática ocorrem no sentido de identificar e resolver problemas existentes na USF e em sua área de abrangência. Aqui pode ser vista a expressão dos objetivos um e dois da SACI (quadro 1), mediante aplicação de conteúdos que envolvem conhecimentos e habilidades para atividades em grupo, após o conhecimento da comunidade, possibilitando a ação nos problemas identificados como prioritários. Aproxima-se, portanto da competência pedagógica que segundo Perrenoud (2000) consiste em relacionar os conteúdos a objetivos e a situações de aprendizagem, em que o aluno não se limita a provar que assimilou o conteúdo mediante avaliações.

Na resposta a seguir a aluna mostra que a disciplina extrapolou o aprendizado técnico-profissional, contribuindo para a sua formação pessoal, enxergando-se como membro de uma equipe:

“Totalmente, pois a equipe interdisciplinar estará presente, ou melhor, farei parte desta. Os passeios exploratórios e as aulas teóricas foram de extrema importância para a realização do projeto para o aprendizado pessoal e profissional.”

(sujeito 50, Fonoaudiologia, feminino, USF F, 2011.2, Khi2=13)

Na pesquisa avaliativa de Silva, Scapin eBatista (2011) com estudantes de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia, Farmácia e Odontologia da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde/Juiz de Fora, dos 135 que responderam as questões estruturadas, 71,85% deles acreditava que trabalhar com colegas de cursos diferentes favorece o aprendizado de habilidades e atitudes e 60% que a

aprendizagem compartilhada irá ajudá-los a pensar positivamente sobre os outros profissionais. Entre os 10 participantes do grupo focal todos apontaram a importância da colaboração entre diferentes profissões e do trabalho em equipe, destacando que este é permeado por dificuldades.

No depoimento abaixo, temos um discente vendo a importância da SACI para o conhecer o trabalho em saúde pública, geralmente permeado por limitações que extrapolam o controle dos gestores das USF, mas possível a partir dos esforços dos membros que compõem as equipes de saúde. Ao elaborarem projetos de intervenção e pô-los em prática, os alunos também se sentem como profissionais atuantes de uma equipe que consegue superar limitações e alcançar objetivos comuns, o que é observado nas classes dois e três.

“as atividades propostas pela disciplina são bastante importantes no processo do conhecimento do sistema de saúde pública, que é uma das áreas que o profissional da Odontologia pode seguir futuramente.”

(sujeito 48, Odontologia, masculino, USF F, 2011.2, Khi2=8)

Na experiência de Palmier et al. (2012), numa disciplina da Faculdade de Odontologia - Universidade Federal de Minas Gerais, intercalando atividades em sala de aula com atividades em UBS, a maioria dos alunos dos estágios iniciais do curso de Odontologia não se projetavam preferencialmente como profissionais atuando no serviço público. Os autores atribuíram isso aos discentes possuírem uma visão do SUS formada a partir do que a mídia divulga. As impressões a respeito do sistema se modificaram positivamente após o reconhecimento dos cenários de prática.

“principalmente a respeito do trabalho em equipe, tudo o que fazíamos partia da opinião e do trabalho que realizávamos em conjunto. Pelos passeios exploratórios pude perceber a vontade dos profissionais em ajudar as pessoas, cada um fazendo o que podia para ajudar.”

Há ainda alunos relatando que gostariam de estar mais tempo em contato com os usuários das unidades, sugerindo aulas menos teóricas, como o trecho a seguir, o que foi considerado importante, uma vez que ao inserir graduandos nos serviços de saúde, é esperado que haja aprendizado pela interação com a comunidade e os profissionais. De certo modo, este achado se contrapõe à análise dos portfólios SACI, uma vez que lá, uma das coisas valorizadas foi o conteúdo teórico contextualizado a uma realidade, como visto na classe 1 (vide item 5.1.1.1) para os textos discutidos nos primeiros encontros dos grupos tutoriais.

Tal dissonância pode ter ocorrido a partir da leitura de textos em aulas subsequentes, mas não foi possível identificar se as aulas teóricas ocorreram pela mera leitura de textos sem uma contextualização ou pela imaturidade dos alunos quanto à importância do teorizar. Se assim o for, este não foi considerado um ponto frágil, considerando que os alunos estão nos estágios iniciais de seus cursos e, muitas vezes, não vislumbram a importância dos textos trabalhados em aula para a execução das atividades da SACI. Além disso, a leitura de textos auxilia nas etapas da teoria da problematização, proposta no Arco de Maguerez e utilizada na disciplina.

Conforme Bordenave e Pereira (1991) a educação problematizadora compreende: observação da realidade; pontos-chave; teorização; hipóteses de solução e aplicação à realidade. Os autores afirmam que no processo da transformação de uma realidade, o sujeito também se transforma e para tal, é preciso o diálogo entre alunos e professores para solucionar o problema, proporcionando nos primeiros uma visão “analítica (teorização)”, seguida de uma “síntese” provisória (compreensão) de onde nascem as hipóteses a serem aplicadas. Parece então que o impacto de um texto lido extramuros universitários é mais significativo para os discentes da SACI que a leitura em sala de aula. Por outro lado, os estudantes, ao mesmo tempo em que valorizam atividades de teorização a partir da observação da realidade, desejam o contato com sujeitos desconhecidos (usuários das USF), mas que fazem parte do contexto observado. Como visto no corpus anterior, isto não significa o agir propriamente numa intervenção. O que a classe “Trabalho em equipe no enfrentamento de problemas” pode elucidar é que este contato com os usuários, mediante passeios exploratórios, por exemplo, está mais relacionado ao dialogar com a comunidade, construindo novos significados, ou

seja, novas representações e habilidades que poderão auxiliá-los numa prática profissional futura.

“a disciplina SACI enfoca principalmente a discussão de textos e atividades teóricas. Acredito que deveria haver investimentos nos passeios exploratórios, já que com eles podemos conhecer a realidade que iremos nos deparar quando futuros profissionais”.

(sujeito 01, Fisioterapia, feminino, USF H, 2011.2, Khi2=6)

Menciona-se neste ponto que os passeios exploratórios são realizados sempre com mais de um membro do grupo tutorial onde a importância do “trabalho em equipe” passa a ser mais fortemente percebida pelos estudantes. Esses passeios são ricos porque possibilitam as interações sociais e dialógicas nas comunidades, caminhando para a identificação de problemas e reflexão acerca da realidade analisada conjuntamente, delineando-se aos poucos o desenho de uma rede de explicações causais, articulando a teoria-prática e a necessidade de conexão intersetorial, indispensáveis para a organização do processo de trabalho e enfrentamento das contradições inerentes aos problemas de saúde.