• Nenhum resultado encontrado

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 A VISÃO DOS ALUNOS NA CONSTRUÇÃO DO SABER EM SAÚDE

5.1.1.3 Sobrecarregados e emocionalmente afetados

A classe três (12,91%) apresentou como principais colaboradores os portfólios n°6 (aluna de Odontologia, USF E, 2009.2), n°12 (aluno de Medicina, USF E, 2009.1) e n°23 (aluna de Enfermagem, USF D, 2010.1). As palavras sobressalentes foram: professora, prov+, portfólio+, fiqu+, vou e desculp+.

Evidencia alunos relatando dificuldades em frequentar as atividades formativas e problemas de relações interpessoais.

“Queria ter ido porque gosto de estar na organização das coisas, mas estava difícil. Ou eu ia para SACI ou passaria o dia estudando bioquímica”. (sujeito 23, Enfermagem, feminino, USF D, 2010.1 Khi2=33)

O problema de faltas na SACI foi recorrente em todos os semestres pesquisados, justificadas por motivos de doença e também de estudo para outras disciplinas de caracteres tradicionais. Mostra cada disciplina trabalhando seus conteúdos desagregadamente e a fragilidade da oferta de componentes curriculares multiprofissionais, ofertados pontualmente, em diferentes cursos da área da saúde da UFRN. Na verdade, disciplinas tais como SACI e POTI deveriam contemplar todo o processo formativo, articuladas às demais, em currículos integrados, prevalecendo para os estudantes a formação em detrimento da informação. Tais componentes raramente comunicam-se, interagem entre si e também são escassas as ações colaborativas em seus planejamentos.

A UCE a seguir trata de problemas de relações interpessoais em que a tutora propôs a realização de uma atividade para o dia das crianças em uma creche

municipal. Esta ação proposta não possuía conexão com o projeto de intervenção final previsto no plano de ensino. Uma aluna do curso de Medicina discordava por acreditar que a atividade era complexa para ser realizada em pouco tempo e foi apoiada por uma colega de curso, porém, isso gerou desapontamentos no grupo tutorial:

“Para apoiá-la, uma outra aluna, agora de Psicologia, listou outras tantas dificuldades, dizendo que trabalhar com criança é muito subjetivo. Nesse momento, notei uma certa tristeza na expressão da professora. Suponho que, como eu, ela também deve pensar no quão simples é fazer uma atividade daquela”.

(sujeito 6, Odontologia, feminino, USF E, 2009.2 Khi2=31)

Adiante, outro trecho no qual a mesma aluna aborda problema de comunicação entre os alunos e os monitores do PET-Saúde da Família durante uma feira anual, a Cientec (Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN). Nesta, existia um stand que divulgava as atividades dos grupos tutoriais.

“Aliás, mandaram os idiotas da SACI pendurar bolas que ficariam dispostas de maneira ridícula. Meu Deus! Não contei as vezes que o pessoal da SACI tentou dizer aos monitores que daquele jeito não ia ficar bem”.

(sujeito 6, Odontologia, feminino, USF E, 2009.2 Khi2=28)

Segundo Silva (2011) pensar no trabalho na saúde perpassa pelas relações interpessoais, uma vez que a ação profissional da área envolve o processo comunicativo, podendo resultar em conflitos que devem ser diminuídos a fim de atingir os objetivos traçados para a solução de problemas. Assim, estes ruídos comunicativos não são vistos como negativos, pois promovem o crescimento individual dos graduandos, preparando-os para a prática profissional de convívio multiprofissional e, por tanto, de pensamentos distintos. Além disso, a partir do momento em que o indivíduo se expressa individualmente, há um crescimento de sua autonomia, com discernimento do que é melhor para si e respeitando o posicionamento do outro. O que é necessário para diminuir os conflitos é ensinar a

compreensão humana, a partir do exercício do diálogo, mediado e estimulado pelos tutores.

Em nossos tempos de incompreensão entre estranhos e mesmo entre membros de uma mesma sociedade, a compreensão humana é essencial da missão de ensinar. Tal compreensão é subjetiva e vai, portanto, além do explicar (meio objetivo de conhecer) porque compreender envolve sentir e conceber o outro como sujeito, identificando o que neste outro existe em nós, de bom ou de ruim, e abrindo espaço para a luta contra o ódio e a exclusão (MORIN, 2003).

No exercício do diálogo Bohm (2005) aponta como dificuldades o lidar com muitas opiniões; presença de pessoas dominadoras, querendo se autoafirmar, e de pessoas contidas, sobretudo quando na presença do dominador; e pessoas impulsivas, apressadas em colocar o seu ponto de vista. Acrescenta ainda que a visão de mundo é crucial em nossa comunicação, ocorrendo quando nossa percepção nos apresenta algo e, depois, o pensamento representa este algo em termos de abstração, ou seja, apenas o que é importante para o observador fica retido no seu pensamento.

Tal percepção não é fixa, por isso, pode se modificar. Na medida em que o grupo se comunica, são modificadas as apresentações e como enxergamos o todo em um relacionamento. “[...] Nossas relações dependem de como apresentamos os outros a nós mesmos e vice-versa. E tudo isso depende das representações coletivas reais” (BOHM, 2005, p. 109).

Adiante, outra estudante destaca a falta de interesse de todos os membros do grupo na leitura e discussão de um texto, incluindo tutor e preceptoras, seg uida de um “frustrante” passeio exploratório porque não foi previamente planejado e os equipamentos visitados estavam fechados. Contudo, o problema parece ter ocorrido atipicamente.

“Eu fiquei completamente sem ânimo, estava com vontade de ir embora, não consegui me concentrar em nada e acredito não ter aprendido nada de novo nesse encontro. Fiquei decepcionada com o dia porque a SACI em D é sempre tão boa, tudo corre numa perfeita harmonia, a turma se dá muito bem”.

(sujeito 23, Enfermagem, feminino, USF D, 2010.1 Khi2=26 / D: bairro em que a USF está inserida)

Todas estas dificuldades de comunicação mostram que o espírito participativo, de trabalho em equipe, discutido nas aulas iniciais, cede espaço para o problema de comunicação, prejudicando a etapa de aplicação à realidade do arco de Maguerez (metodologia adotada pela SACI). Consideramos a prática não como o fim da SACI e sim, como um modo de conduzir o aluno autonomamente, a perceber-se no mundo, contextualizado para a saúde o qual depende do relacionamento construtivo com o (s) outro (s), igual ou não a si, para transformar-se positivamente. Ressalta-se, portanto, a importância da prática do diálogo na construção coletiva do pensar para atingir metas.