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Conforme analisado no capítulo um deste trabalho, por força do Ato Adicional de 1834, o clima reformista no âmbito educacional transcendeu o Município da Corte, invadindo a maioria das províncias brasileiras. No caso da Parahyba do Norte, em conformidade com suas especificidades locais – base econômica algodoeira sob controle das oligarquias, clientelismo e a formação do poder de base familiar – também passou a ensejar mudanças no seu processo de educação escolarizada.

Entre essas mudanças, estava pontuada a necessidade de implantar uma instituição que promovesse a formação de professores com vistas a equacionar os já conhecidos problemas na instrução pública, sob o discurso da civilização e do progresso sócio-econômico da província. Como vimos no capítulo antecedente, os primeiros sinais dessa necessidade através de escolas normais surgiram em 1837, a partir do discurso do gestor provincial Bazilio Quaresma Torreão ao reclamar tanto do funcionamento precário das escolas primárias quanto da prática dos professores da época.

A partir de então, constatamos a predominância de vários discursos, reclamações e denúncias por partes dos gestores públicos acerca do despreparo na prática dos professores no cotidiano das escolas primárias. Contudo, apenas em 1861 surgiu a primeira iniciativa e/ou tentativa de implantação de um ensino específico voltado para a formação de professores. O argumento primordial para sua criação, recaiu sobre o ideal de ser um instrumento decisivo, imprescindível na melhoria e modernização do ensino público na Parahyba do Norte, conforme vinha sendo efetivado em outras províncias brasileiras e nos países europeus, principalmente na França, ao instituir a sua Escola Normal destinada a preparação de professores públicos.

Em seu relatório dirigido ao presidente da província, o diretor Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque fez questão de mostrar que o Ato Adicional de 1834 agravou os problemas educacionais locais104. No seu entendimento para superar a decadência que

imperava na instrução pública, principalmente no ensino primário, a medida essencial era a

104 Dentre outros, foram apontados: o número reduzido de escolas, as suas inadequadas instalações físicas, falta

de professores com e sem qualificação específica, salários baixos e escassez de recursos públicos. “Ainda em 1861, o Presidente Porfírio Aranha lamentava a grande percentagem de analfabetos existentes na Província que contava uma população superior a 200.000 habitantes e apenas 54 cadeiras, cabendo assim uma escola para 4.000 almas, ou seja, segundo os seus cálculos, para 1.333 meninos em idade escolar”. (MELLO, 1956, p.45).

formação pedagógica dos professores, sob o ideário e/ou modelo da Escola Normal francesa. Assim se referiu em seu relatório:

A primeira necessidade é, pois, instituir a pedagogia – crear o professorado – acerca do que nada temos; nem escola normal, propriamente dita, nem escola modelo, conforme a pratica de alguns paizes da Europa, onde se concede essa cathegoria ás escolas mais bem regidas, e que melhores resultados dão, nem as classes normaes, systema usado a principio na Hollanda, e hoje até em algumas das nossas Proivincias, que consiste em dar aos alumnos das escolas communs, que mais aptidão e vocação manisfestão, lições especiaes sobre a pedagogia, e principalmente em empregal-os nos exercicios das classes, a principio como alumnos mestres, e depois como adjuntos, até que passão á professores effectivos, etc. (PARAHYBA DO NORTE,Relatório, 1861, p. 2, grifos nossos).

Nessa perspectiva, no final da gestão do presidente Luis Antonio da Silva Nunes, propôs o estabelecimento das chamadas classes normaes destinadas apenas ao sexo masculino, dentro das dependências do Liceu, em virtude da situação financeira da Província105. Essas classes, conforme determinava o mencionado Diretor, tinham como

finalidade primordial preparar os futuros professores primários, de que a instrução pública tanto necessitava. O imperativo categórico era o de regenerar, aprimorar com urgência o ensino primário da Parahyba do Norte.

Todavia, com exceção do programa de ensino para formar aqueles professores, não estabeleceu a sua organização, principalmente no que se referia à questão do tempo de duração do curso e quais professores iriam lecionar nas “classes normaes”.

Os saberes estabelecidos para o processo de formação de professores nas “classes normaes”, eram os mesmos que estavam organizados para serem ensinados no ensino primário, em nível de 2° grau. As denominadas “lições especiais sobre pedagogia”, ou seja,

105 Muito embora o presidente Luis Antonio da Silva Nunes, reconhecendo que a situação econômica não se

apresentava favorável, assumiu publicamente o compromisso de não fechar nenhuma cadeira. No entanto, o jornal A Regeneração publicado no dia 28/06/1861 uma reportagem intitulada “O Conservador e as rendas da província” – uma disputa entre liberais e conservadores –– na qual considera a existência de muitos desperdícios e mal uso do dinheiro público, um deles era a manutenção de algumas cadeiras do ensino. Com este entendimento e a necessidade de investimento na economia paraibana, sugere o seu fechamento. Vejamos alguns trechos da reportagem: “Existem innumeras cadeiras do ensino primario derramadas pela provincia, muitas das quaes só servem de dar direito aos respectivos professores e perceberem os 800$000 rs annuaes, ordenado que em outras partes do Imperio não se paga tão vantajoso, sem prestarem ellas vantagem alguma, visto não satisfazerem seus fins. A supressão de taes cadeiras não trará a província reconhecida conveniencia? [...] A província não pode gastar todas as rendas com o pessoal do funccionalismo; é mister, tem mesmo a mais urgente precizão de formar algum capital de reserva para cuidar de seu melhoramento material, sem o que, faça-se o que quiser, ella na progredirá jamais”. (Secção: A Regeneração do dia 28/06/1861).

os saberes inerentes à formação pedagógica para o exercício do magistério ora sugeridos, ficaram ausentes. Talvez esta ausência se justifique pelo fato de que a sociedade paraibana não dispunha de professores capacitados e/ou habilitados para tratar de assunto de caráter essencialmente pedagógico.

Contudo, consideramos que a ausência desses, negou parte da finalidade básica da proposta, sugerindo, portanto, que aos futuros professores cabiam primordialmente, dominar os conhecimentos e/ou conteúdos que deveriam ser transmitidos oportunamente nas escolas primárias. Assim sendo, as “classes normaes”, destinadas a preparar professores, com a expectativa de regeneração do ensino primário, tinham como proposta de formação o conjunto de saberes disposto no quadro 17.

Quadro 17

Programa de ensino nas classes normaes - 1961 1. Instrução religiosa

2. Instrução moral 3. Leitura e escrita

4. Elementos da língua nacional

5. Elementos práticos de cálculo até as regras de companhia 6. Noções gerais de geometria prática sem demonstrações 7. Sistema legal de pesos e medidas da província 8. Noções elementares de geografia e história pátria 9. Princípios gerais de economia política

10. Escrituração e contabilidade mercantil 11. Noções gerais de economia rural

Fonte: Quadro organizado pela autora a partir dos dados contidos na documentação: PARAHYBA DO NORTE, Relatório, 1861, p. 6.

Com efeito, é possível verificar que a tendência de formação de professores nas classes normaes tinha três grandes eixos: o primeiro de caráter utilitário caracterizado pelas seguintes disciplinas: Sistema legal de pesos e medidas da província, Princípios gerais de economia política, Escrituração e contabilidade mercantil e Noções gerais de economia rural; o segundo, de cultura geral, expresso nas disciplinas: Leitura e escrita, Elementos da língua nacional, Elementos práticos de cálculo até as regras de companhia, Noções gerais de geometria prática sem demonstrações e Noções elementares de geografia e história pátria.

O último eixo de caráter moralizante representado pelas disciplinas Instrução religiosa e Instrução moral. Assim sendo, podemos abstrair que o modelo de formação geral confirma as observações de Manrique Victor de Lima sobre a condição intelectual, cultural

dos professores em exercício nas escolas primárias, destacadas em páginas anteriores: a desescolarização dos mesmos.

A dimensão formativa expressa nos eixos destacados acima nos remete às considerações de Gramsci em torno da escola e dos seus programas de ensino. Esses, na perspectiva do autor citado geralmente revelam a tendência e/ou marca do tipo de escola tecnicamente organizada dentro de um determinado ambiente social político. Assim, enfatiza que a escola e os seus programas de ensino não passam de uma trama sócio-política que, necessariamente deve ser destruída, colocando em seu lugar um “tipo único de escola profissional”. Portanto, “A marca social é dada pelo fato de que cada grupo tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental”. (GRAMSCI, 1988, p. 136).

Desafortunadamente, aquela proposta tornou-se um discurso estéril, pois no ano seguinte, Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, ainda na condição de Diretor da Instrução Pública na Parahyba do Norte, elaborou um outro relatório bastante detalhado sobre a situação do ensino público. Nesse lamentou que as medidas práticas, tanto do ponto de vista estrutural, quanto pedagógico, que propôs com a finalidade de reorganização do mesmo, não foram levadas em considerações pelas autoridades competentes, inclusive a proposta de criação da Escola Normal.

O mencionado diretor enfatizou ainda que o fato daquelas medidas não terem sido colocadas em prática concorreu para a ampliação do estado deplorável, “desolador” e de abandono do ensino primário público. Em função da situação apresentada em seu Relatório e, com certo desencantamento, sem almejar grandes reformas para a instrução pública primária, porém vislumbrando minimizar os problemas educacionais recorrentes, insistiu na criação da Escola Normal. Com as mesmas características de formação, defendeu a tese de que a implantação desta instituição, aproveitando uma estrutura física já existente – o Liceu Provincial – e com pouco investimento, seria condição necessária para a melhoria da instrução primária.

No referido documento, enviado ao presidente da Província Francisco d’Araujo Lima em 1862, elaborou as seguintes considerações, que no seu entendimento contribuiria efetivamente para a “reorganização radical na instrução”:

A desfavoravel situação financeira da Provincia tem sido o motivo allegado para justificar a pouca attenção prestada a assumpto tão momentoso por aquelles, que por suas luzes e posição podião auxilial-o com as providências mais urgentemente reclamadas.

[...]

Entendo que meia duzia de contos de réis applicados a instrucção das classes

normaes em algumas de nossas escolas mais acreditadas, ao fornecimento dos

utensilios e moveis indispensaveis ao regimen escolar, e ao preparo material das aulas, de modo que ellas podessem funccionar com mais decencia e regularidade, nem desfalcaria o nosso budgt, nem seria uma despeza inutil, como talvez a muitos pareça, mas um capital posto a juros, que renderia grossa somma de lucros moraes. (PARAHYBA DO NORTE, Anexo G, p. 1-2).

Os dois relatórios, apresentados nos anos de 1861 e 1862 pelo Diretor da Instrução Pública, Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, sugeriram que a Parahyba do Norte tinha a necessidade de realizar uma reorganização radical no ensino público, visto que esse, de forma enviesada, improvisada vinha sendo oferecida à população. Observamos que o fundamento básico que permeava os discursos desse e como de outros gestores públicos locais acerca da educação escolar, não divergiu de outras realidades sociais tanto em nível nacional quanto internacional. Esse fundamento se alimentava no ideário da ilustração francesa que creditava na instrução pública o poder de regeneração moral e aperfeiçoamento das sociedades. Muito embora, as propostas em termos de efetivação prática, como já sinalizado, pouco ou quase nada foi realizado em benefício da educação popular em instituições específicas.

Cumpre ressaltar ainda, que nos mencionados documentos, verificamos que foi retomado o discurso em torno da necessidade imperiosa de colocar a Província paraibana na trilha do progresso social e civilização, a partir da reorganização do ensino público nos níveis primário e secundário de modalidade única para toda a Monarquia e, ao mesmo tempo, da criação de uma instituição – a Escola Normal – destinada ao preparo específico de professores para o exercício do magistério primário. Ao lado desse aspecto, reforçou a questão de priorizar o reconhecimento social desse.

Verificamos que em seu último relato, sustentou que as justificativas para o atraso na instrução pública e para o não atendimento das medidas colocadas, de modo recorrente, estiveram associadas à situação financeira da Província, sempre alegada na condição de precária. Porém sustentou o domínio da falta de vontade política dos gestores locais no trato da educação popular e/ou promover mudança nos rumos da educação escolar. Assim se expressou, ao referir-se sobre a estrutura física das escolas:

As dificuldades financeiras são sempre a causa trazida como justificativa de tão completo abandono; e a não haver vontade enérgica de alguem que, tendo

competencia para faze-lo, quizer applicar uma parte, embora pequenas, das rendas da Provincia ao objecto de que me occupo, nunca, nem mesmo na Capital haverá uma casa de escola. (PARAHYBA DO NORTE, Anexo G, 1862, p. 3, grifos nossos).

É oportuno considerar que a conjuntura de então apresentava diversos elementos conflitantes, contraditórios. De um lado, a situação econômica da Parahyba do Norte vinha ganhando força em função da valorização da cultura algodoeira. Do outro, registrava-se uma grande pobreza, além de um panorama severamente marcado por epidemias de febre amarela, sarampo, cólera-morbus e de varíola que fizeram muitas vitimas (MELO, 1994, p. 112-113).

Acreditamos que nesse contexto as medidas educacionais propostas por Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, líder do grupo conservador, não obtivera repercussão na classe política, haja vista que o partido liberal vinha ganhando espaço, força política tanto na Parahyba do Norte quanto em outras províncias do Império (MELO, 1994, p. 121-126). Situação essa na sociedade política, que na perspectiva de Gramsci, provoca um novo redirecionamento nas estruturas sócio-política.

É interessante destacar ainda, que, sem divagações políticas e sem o fervor de ideologias, típico de grupo político – provavelmente em função do prestígio que o grupo liberal vinha conquistando na sociedade paraibana – seja qual for a época histórica, o referido diretor indicou de forma simples e acanhada medidas de caráter amplamente prático com a única finalidade e/ou preocupação, digamos imediatas, de tirar a educação escolar do seu estado de inércia, do total abandono pelos poderes públicos tanto em nível local quanto central. Em síntese, a tentativa de implantação das Classes Normaes idealizada por Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, não chamou atenção das lideranças políticas de então. Mesmo com tais características, uma oportunidade de formar professores foi perdida em face dos interesses políticos que caracterizavam aquele momento.

Todavia, persistiram os discursos e reclamações tanto dos gestores da instrução pública quanto dos presidentes da Província sobre a situação de precariedade da instrução pública. Ao diagnosticar sobre a realidade da mesma, era comum pontuar, como causa primordial, a carência de um quadro de professores habilitados, bem como a forma com que esses ensinavam as crianças. Porém, poucos apontaram projetos, propostas de implantação de uma escola normal. Na sua maioria, sugeriam mecanismos que não passavam de

improvisação e arremedo de preparação de professores. Anos mais tarde, surgiu uma nova tentativa legalizada através da Lei Nº. 178 de 30 de novembro de 1864, analisada a seguir.