• Nenhum resultado encontrado

O antígeno “O” é um polissacarídeo termoestável integrante do lipolissacarídeo (LPS) da parede celular das bactérias Gram-negativas, sendo constituído de três frações (“A”, “B” e “C”). Por apresentar uma enorme diversidade, este antígeno é a base da identificação e da classificação sorológica da espécie V. cholerae (Yamai et al., 1997). Os determinantes antigênicos de superfície são aglutinados com antissoro para o

antígeno “O” específico, sendo identificados mais de 200 sorogrupos de V. cholerae (Sack et al., 2004). O primeiro a ser identificado foi denominado de V. cholerae sorogrupo O1.

Os diferentes sorogrupos “O” de V. cholerae não podem ser distingüidos bioquimicamente, portanto a sua identificação baseia-se no fato de que o sorogrupo O1 possui apenas um antígeno “O”, o qual reagirá especificamente aglutinando-se com o antissoro O1. Epidemiologicamente, a espécie V. cholerae tem sido dividida em cepas do sorogrupo O1 e de sorogrupos diversos, denominados não-O1, as quais se imaginou, por muito tempo, que tinham diferentes capacidades patogênicas (Colwell, 1996). Porém, em 1992, surgiu um novo clone epidêmico, o V. cholerae O139, dando origem a um novo modelo de classificação epidemiológica: V. cholerae O1, V. cholerae O139 e

V. cholerae não-O1/ não-O139 (Nair, 1994, Sack et al., 2004).

O conjunto de genes wbe de V. cholerae O1, constituído de genes de biossíntese do antígeno O (O-PS), está localizado no cromossomo maior, entre as ORFs VC0240 (gene gmhD) e VC0264 (gene rjg) (Heidelberg et al., 2000). Este conjunto de genes consiste em cinco regiões: 1 – biossíntese da perosamina, compreendendo os genes

manC, manB, gmd e wbeE (Stroeher et al., 1995); 2 – transportador do antígeno O,

compreendendo os genes wbeG, wzm e wzt (Manning et al., 1994; Manning et al., 1995); 3 – biossíntese do tetronato, compreendendo os genes wbeK, wbeL, wbeM,

wbeN e wbeO (Stroeher et al., 1998); 4 – modificador de antígeno O, compreendendo o

gene wbeT (Stroeher et al., 1992; Hisatsune et al., 1993); e 5 – genes adicionais, compreendendo o gene wbeU, wbeV e wbeW (Fallarino et al., 1997).

A possibilidade de recombinação homóloga entre o conjunto de genes de biossíntese do antígeno O foi testada em 300 cepas de V. cholerae não-O1 e não-O139 (Li et al., 2002). Destas, quatro cepas não-O1, sorogrupos O27, O37, O53 e O65, apresentaram a organização genética similar à do sorogrupo O1, sugerindo a recombinação desta região. Yamasaki e colaboradores (1999) sugerem que a emergência do sorogrupo O139 é resultado da transferência horizontal de genes do sorogrupo O1 e O22.

O estreito parentesco genético da linhagem ancestral do V. cholerae O1 El Tor com o novo serogrupo O139 (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), a existência de diferentes cassetes codificadores do antígeno O presentes no mesmo locus cromossômico (Stroeher et al., 1995; Li et al., 2002), bem como a presença de regiões similares em ambos os lados deste cluster (Stroeher et al., 1997), apoiam firmemente a

hipótese de que algum tipo de transferência horizontal de genes teria ocorrido (Li et al., 2002; Mooi e Bik, 1997; Faruque et al., 2003; Chatterjee e Chaudhuri, 2004). No entanto, nem o mecanismo de transferência genética, nem o contexto ecológico em que este ocorreu foram elucidados (Blokesch e Schoolnik, 2007).

3.2.4.2 – Vibrio cholerae O1

O V. cholerae O1 tem sido associado à cólera pandêmica. No entanto, cepas ambientais O1, de áreas não epidêmicas, usualmente não produzem a toxina colérica (CT), sendo, portanto, consideradas não patogênicas (Levine et al., 1982). Este sorogrupo, a depender da constituição antigênica, pode ser subdividido em três sorotipos: Inaba, Ogawa e Hikojima. O sorotipo Inaba possui as frações de antígeno “A” e “C”; e o Ogawa possui as frações “A” e “B”. O Hikojima é um sorotipo muito raro e instável, possuindo as três frações do antígeno “O”, sendo considerado como um sorotipo de transição (Manning et al., 1994).

Além dos sorotipos, o V. cholerae O1 pode ser dividido em dois biotipos: o Clássico e o El Tor, que são diferenciados através de características fenotípicas, como a sensibilidade ao bacteriófago IV e a polimixina B (Kay et al., 1994). As cepas de cada biotipo podem ser Inaba, Ogawa ou Hikojima, elaborando a mesma enterotoxina, de forma que o quadro clínico é bastante semelhante. Em uma epidemia, tende a predominar um único sorotipo (São Paulo, 2001).

O biotipo El Tor, isolado por Gotschlich, em 1906, que foi examinado na estação de quarentena de El Tor, no Egito, é o agente etiológico da atual pandemia de cólera. A virulência deste biotipo é atenuada apresentando um considerável aumento no número de portadores sadios. Além disso, a resistência deste biotipo é maior que o Clássico, o que lhe confere condições de sobreviver por mais tempo no meio ambiente, crescer melhor e mais rápido em meios de cultura, ser menos susceptível aos agentes químicos e ter maior tendência à endemização (Fundação Nacional de Saúde, 2002).

3.2.4.3 – Vibrio cholerae O139

O V. cholerae O139 foi o primeiro sorogrupo não-O1 identificado, em 1992, como agente etiológico de uma grande epidemia no sul da Ásia, com considerável mortalidade. Até então, acreditava-se que apenas o sorogrupo O1 era patogênico. As

enterotoxinas elaboradas pelo sorogrupo O139 são similares e ocasionam quadros clínicos muito semelhantes aos do sorogrupo O1 (Fundação Nacional de Saúde, 2002).

O V. cholerae O139, também conhecido como Bengal, é um híbrido dos sorogrupos O1 El Tor e O22, apresentando características importantes de virulência típicas do V. cholerae O1 (Rhine e Taylor, 1994), como os genes da toxina colérica (ctxAB) e do pílus corregulador da toxina (tcpA); e a capacidade de expressar um cápsula polissacarídica, típica dos sorogrupos não-O1 (Hall et al., 1993).

3.2.4.4 – Vibrio cholerae NÃO-O1/ NÃO-O139

Embora a grande maioria das cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 não seja toxigênica, algumas possuem a capacidade de produzir toxinas e outros fatores associados à virulência da espécie. Estas cepas já foram identificadas como responsáveis por ocasionar patologias extra-intestinais, diarréias com desidratação severa semelhante à cólera, estando associados a casos isolados ou surtos muito limitados (Morris Jr. et al., 1990; Sack et al., 2004). A ocorrência de tantos fatores de virulência nos diferentes sorogrupos não-O1/não-O139, sugere que a patogenicidade destas bactérias seja multifatorial, não dependendo de um único mecanismo para causar a doença. O interesse na estrutura patogênica V. cholerae não-O1/não-O139 só foi concretizado com a emergência do sorogrupo O139, cuja epidemia funcionou como um alerta para o surgimento de outros clones epidêmicos. De forma similar ao sorogrupo O1, estas cepas não obedecem a um critério rígido de classificação quanto ao seu poder toxigênico.

3.2.4.5 – Vibrio cholerae O26

Cepas de V. cholerae O26 representaram 7,8% das 179 amostras de V. cholerae não O1/ não O139, isoladas de casos clínicos e do meio ambiente, durante o surto de cólera no Brasil (1991 a 2000) (Theophilo et al., 2006). Predominantemente, nesse sorogrupo (e em outra cepa de V. cholerae de sorogrupo não tipável) foi evidenciado o cassete de virulência CTXφ intacto.

3.2.5 – MÉTODOS MOLECULARES USADOS NA CLASSIFICAÇÃO

Documentos relacionados