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Uma variedade de técnicas fenotípicas e genômicas tornou-se disponível para a identificação do V. cholerae nas últimas três décadas (Thompson et al., 2004a). A Tabela 1 apresenta algumas destas técnicas que contribuem com valiosas informações sobre a classificação e estrutura populacional do V. cholerae. Diante destas técnicas, o seqüenciamento da região espaçadora intergênica de rRNA 16S-23S (ISR) se destaca por ter a capacidade discriminatória de classificar níveis taxonômicos inferiores a espécie.

3.2.6 – OS GENES DE rRNA COMO MARCADORES MOLECULARES

As bactérias apresentam variações morfológicas simples, não sendo, portanto, um caráter robusto para a sua classificação filogenética. A fisiologia bacteriana, embora limitada com alguns agrupamentos artificiais, auxilia melhor esta classificação, pois características fisiológicas são compartilhadas entre grupos próximos de espécies bacterianas (Woese, 1987). Com o advento do seqüenciamento de ácidos nucléicos, a sistemática molecular bacteriana ganhou a sua principal ferramenta. Na prática, todas as relações filogenéticas puderam ser determinadas de forma mais fácil, com maior profundidade e riqueza de detalhes (Lane et al., 1985). As moléculas mais úteis para a medida filogenética possuem uma alta estabilidade funcional compartilhada entre diversos grupos taxonômicos e são conhecidas como marcadores filogenéticos (Gevers

et al., 2004). Entre os marcadores mais promissores para a inferência filogenética

bacteriana destacam-se as proteínas de choque térmico HSP60 e HSP70, e os genes rRNAs 16S e 23S, recA, gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (gap), rpoB e gyrB (Byun et al., 1999).

Nas últimas duas décadas, o uso de seqüências codificadoras de rRNAs (5S, 16S e 23S), como marcadores para identificação taxonômica, permitiu a restruturação da filogenia bacteriana. Em muitos casos, os resultados filogenéticos obtidos pelo seqüenciamento de genes de rRNA sugeriram que os agrupamentos de bactérias feitos pelos critérios clássicos, aspectos morfológicos e bioquímicos, eram inconsistentes. Nesse aspecto, o gene do rRNA 5S, apesar de sua seqüência ter sido utilizada para reclassificar algumas espécies da família Vibrionaceae (MacDonell e Colwell, 1985), é de uso limitado para reconstruir filogenias, provavelmente devido ao seu pequeno tamanho (cerca de 120 pb) (Woese, 1987). Já o gene de rRNA 16S, que apresenta cerca

Método Princípio do método Poder discriminatório Referências

Hibridação DNA-DNA

A região específica do genoma ou o DNA genômico purificado da amostra a ser testada é hibridizado com DNA marcado da linhagem de referência.

De gênero a sorogrupo Pang et al., (2007)

RFLP

Fragmentos de genes amplificados por PCR (rRNA 16S, gyrB e

rpoD) ou o DNA genômico é digerido com uma enzima de

restrição e, posteriormente, esse material é separado por eletroforese em gel de agarose. Pode-se, hibridizar com sondas marcadas para reduzir o número de bandas.

De espécie a sorogrupo Qu et al., (2003); Nandi et al., (2003)

Amplificação de DNA (AFLP, ARDRA, ERIC-PCR, RAPD, rep-PCR e Ribotipagem- PCR)

Amplificação do DNA por PCR, produzindo diferentes perfis

associado ou não, a digestão com enzimas de restrição. De gênero a sorogrupo

Singh et al., (2001); Theophilo et al., (2006); Leal et al., (2004); Lee et al., (2006); Chun et al., (1999); Danin- Poleg et al., (2007)

MLEE Eletroforese de enzimas constitutivas. De gênero a sorogrupo Farfan et al., (2000)

MLST PCR e seqüenciamento. De gênero a sorogrupo Rivera et al., (1995)

Seqüenciamento do gene rRNA

16S e recA PCR e seqüenciamento. De família a espécie Thompson et al., (2004b)

Seqüenciamento da região

intergênica ribossomal - ISR PCR e seqüenciamento. De espécie a sorogrupo

Chun et al., (1999); Ghatak et al., (2005)

Amplificação dos genes rfb PCR com primers específicos para a região do antígeno O1 e

O139. Sorogrupo Hoshino et al., (1998)

Micro arranjo de DNA

Amplificação de 4.600 cDNA conhecidos e catalogados, posterior fixação destes numa lâmina especial e hibridação com as sondas de interesse.

De gênero a sorogrupo Pang et al., (2007)

I, F .A .M .O . C ar ac te riz aç ão M o le cu la r d e C ep as d e V ib ri o ... 4 0 I, F .A .M .O . C ar ac te riz aç ão M o le cu la r d e C ep as d e V ib ri o ... 4 0

de 1.500 pb, inclui regiões altamente conservadas, que permitem o agrupamento em categorias taxonômicas maiores, como classes e filos; e regiões variáveis, que podem discriminar espécies dentro do mesmo gênero. Esta característica fez com que as seqüências de rRNA 16S fossem amplamente utilizadas como uma ferramenta na identificação e como um marcador filogenético (Wiik et al., 1995). Para se ter idéia foi criado o projeto Banco de Dados Ribossomal II (Ribosomal Database Project II - Maidak et al., 1999) que possui mais de 75.000 seqüências de rRNA 16S disponíveis

Online, podendo ser facilmente consultadas. Apesar de toda versatilidade, o gene de

rRNA 16S, apresentando regiões conservadas e variáveis, não é indicado para inferência filogenética de categorias taxonômicas menores que espécie (Tabela 1). Para essas situações é indicado usar como marcador molecular a região espaçadora intergênica 16S-23S presente nos operons de rRNA.

3.2.7 – REGIÃO ESPAÇADORA INTERGÊNICA DO rRNA 16S-23S

A região espaçadora intergênica (ISR) entre os genes de rRNA 16S e 23S (Figura 12) é compreendida geralmente de genes de tRNA e de regiões não- codificadoras, propensas a mais variações genéticas por possuírem pressões seletivas mínimas durante a evolução (Berthier e Ehrlich, 1998; Villard et al., 2000). Estas regiões são menos conservadas quando comparadas com o gene do rRNA 16S (rDNA 16S).

Figura 12 – Esquema da região intergênica do rDNA (rrn), evidenciando a região espaçadora intergênica (ISR) composta de genes de tRNA e regiões não codificadores.

A seqüência do rDNA 16S é muito utilizada para inferências filogenéticas e identificação dos procariotos. Esta é uma ferramenta comumente usada para distinguir indivíduos em diferentes gêneros, como também, distinguir pequenas diferenças intergênicas, permitindo a análise filogenética. Já na análise baseada na ISR, os perfis encontrados podem ser distinguidos como característica individual de cada cepa

rDNA

16S

23S

5S

bacteriana (Berthier e Ehrlich, 1998; Villard et al., 2000). O tamanho das regiões espaçadoras pode ser bastante variado, assim, pode-se fazer uma análise baseada nesta região para diferenciar bactérias relacionadas, somente pela separação do tamanho de produtos de PCR na eletroforese pela técnica de Ribotipagem-PCR (Bidet et al., 1999). Nesta técnica, o polimorfismo é estabelecido pelas inserções ou deleções encontradas na ISR (Anton et al., 1998; Luz et al., 1998), sendo esta abordagem recomendada para detectar variações interespécies e interlinhagens (Gürtler e Barrie, 1995). No entanto, a Ribotipagem-PCR apresenta limitações, uma vez que os perfis idênticos vizualizados após a eletroforese podem possuir seqüências de ISRs diferentes (Gürtler, 1999).

O número de operons de rRNA (rrn) em bactérias varia de 1 a 11. Estudos demonstram que cepas epidêmicas de V. cholerae O1 e O139 possuem entre 8 e 9 operons rrn, enquanto que as não-O1/não-O139 possuem 10 operons (Nandi et al., 1997; Ghatak et al., 2005). A partir da análise de Chun e colaboradores (1999) percebeu-se que as cepas de V. cholerae e V. mimicus eram estreitamente relacionadas, apresentando seqüências de rRNA 16S quase idênticas. Assim foi utilizada a ISR para diferenciar estas duas espécies. Nas amplificações por PCR da ISR foram encontrados três fragmentos: 500pb (contendo os genes tRNAGlu ou tRNAAla); 580pb (tDNAIle e tDNAAla); e 750pb (tRNAGlu, tRNALys e tRNAVal). Foi encontrada pouca variação (0 a 0,4%) entre cepas epidêmicas de V. cholerae O1, biotipos Clássico e El Tor e V.

cholerae O139. Uma maior variação foi encontrada entre cepas de V. cholerae não-

O1/não-O139 (1%) e V. mimicus (2 a 3%). Este estudo aplicou pela primeira vez esta ferramenta molecular para a identificação da espécie V. cholerae (Chun et al., 1999). É importante destacar que este trabalho foi realizado antes da divulgação do genoma do V.

cholerae O1.

Ghatak e colaboradores (2005) analisaram cinco classes de ISR (rrnA, rrnBE,

rrnCDF, rrnG e rrnH) de cepas de V. cholerae O1 El Tor isoladas antes, durante e

depois do surto da cólera provocada pela cepa de V. cholerae O139. Não foram encontradas variações nas classes da ISR do rrnA e rrnG, a classe do rrnB apresentou pouca variação e enquanto que a do rrnC e rrnH revelou a variação máxima. Os resultados obtidos sugerem que as cepas pré-O139 e pós-O139 são dois clones independentes.

As diferenças intra-cromossomais entre os espaçadores foram encontradas no tamanho e na composição do gene do tRNA, bem como na seqüência das regiões não- codificadoras. O uso das regiões espaçadoras pode ser muito útil na elucidação da dinâmica de patogenicidade das cepas de V. cholerae O26 e na elucidação da linha evolutiva de cada operon de RNA ribosomal (operon rrn).

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