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5 – ARTIGO CIENTÍFICO A SER SUBMETIDO

MATERIAL E MÉTODOS

Cepas bacterianas e condições de cultivo – Foram analisadas 14 cepas de V.

cholerae O26 e uma cepa de sorogrupo não tipável, isoladas entre 1991 e 2000 de

processos entéricos humanos e do ambiente no Brasil, cedidas pelo Centro de Referência Nacional de Cólera e Enteroinfecções Bacterianas (CRNCEB – FIOCRUZ, RJ - Brasil). A cepa 569B, V. cholerae O1 biotipo Clássico, isolada em 1948 de caso clínico na Índia e a cepa 63, V. cholerae O1 biotipo El Tor, ambiental, isolada em Pernambuco - Brasil, foram utilizadas como controle. Previamente, as várias cepas foram classificadas no National Institute of Health, Tóquio – Japão, para a identificação sorológica (Tabela 1). Ao final do estudo, nova classificação das cepas, em O1/não O1, foi realizada por meio da reação de aglutinação rápida em lâmina com o antissoro polivalente O1, utilizando a suspensão em salina 0,85% do crescimento bacteriano em gelose inclinada (Brasil, 1992).

Para extração de DNA as cepas foram cultivadas em meio Água Peptonada Alcalina (APA) a 37 °C por 24 horas. Nos ensaios de expressão da CT alíquotas destas culturas foram semeadas em meio seletivo indicador TCBS e novamente incubadas a 37 °C por 24 horas. Colônias sacarose positivas isoladas foram inoculadas em meio AKI, nas condições descritas por Iwanaga et al. (1986) para expressar a CT.

Expressão de CT e Western-blot – Culturas crescidas em meio AKI, sob

condições de indução de CT, foram centrifugados a 14.000 rpm por cinco minutos e o sobrenadante incubado em gelo por duas horas com 5% de TCA (ácido tricloroacético) (Brzostek e Raczkowska, 2001). Esse material foi centrifugado sob refrigeração, a 14.000 rpm, por três minutos e o sedimento lavado por três vezes com acetona gelada. O sedimento foi ressuspendido em tampão de amostra para SDS-PAGE e os extratos protéicos fracionados em gel 20% seguido de transferência para membranas PVDF (“Polyvinylidene Difluoride Membrane” – Immobilon-P – Millipore®, Burlington, MA). Estas membranas foram bloqueadas com solução de PBS, contendo leite desnatado em pó a 1%, antes da incubação com soro policlonal de coelho específico contra a subunidade A da toxina colérica (cedido pelo Centro de Referência Nacional de Cólera e Enteroinfecções Bacterianas – CRNCEB – FIOCRUZ, RJ - Brasil), na diluição de 1: 40.000. O segundo anticorpo, anti-IgG de coelho, conjugado a peroxidase foi utilizado na diluição de 1:15.000 e o Western blot foi revelado por quimioluminescência.

Extração de DNA e PCR – O DNA total purificado foi extraído das cepas

segundo protocolo descrito por Ausubel et al. (1987), sem adição de lisozima. O fragmento do gene rfb (wbe) foi amplificado por PCR utilizando os primers descritos por Hoshino et al. (1998). A região intergênica zot – ctxA foi amplificada utilizando os

primers zotF 5’ – GCT ATC GAT ATG CTG TCT CCT CAA – 3’ (Leal et al., 2004) e

ctxAR 5’ – ACA GAG TGA GTA CTT TGA CC – 3’ (Li et al., 2002). Os produtos de PCR foram purificados com o Kit QIAquick PCR Purification (Qiagen Inc., Valencia, CA) para serem seqüenciados. Já a região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR) do RNA ribossomal foi amplificada utilizando os primers 5’ – TTT CTG CAG YGG NTG GAT CAC CTC CTT – 3’ e 5’ – ACG AAT TCT GAC TGC CMR GGC ATC CA – 3’ (Chun et al., 1999) e utilizadas nas reações de clonagem como descritas a seguir. Todas as reações de amplificação foram preparadas em volume total de 25 µL por tubo, contendo MgCl2 1,5 mM; 20 ng de DNA genômico; e 1 U de Taq DNA polimerase

recombinante (Invitrogen Corp., Carlsbad, California, USA). As amplificações foram realizadas em um termociclador Biometria TRIO-ThermoblockTM, programado para 30

ciclos térmicos: um minuto a 92°C, um minuto a 55ºC e um minuto a 72°C, terminando com uma etapa de alongamento final de sete minutos a 72°C. Em cada partida de amplificação, o DNA das cepas 569B e 63, ambas V. cholerae O1, foi utilizado como controle positivo de reação e um tubo contendo todos os componentes da mistura na ausência de DNA molde, o controle negativo. Após a amplificação cinco microlitros do produto de amplificação de PCR foi separado por eletroforese em gel de agarose 1%. O DNA foi corado com brometo de etídio e os produtos de amplificação foram visualizados em luz UV e digitalizados em câmara digital Kodak 1D Image Analysis Software, versão 3.5 para Windows.

Clonagem e seleção dos clones – Os produtos amplificados da região

espaçadora 16S-23S (ISR) foram submetidos à extração com fenol-clorofórmio e posterior precipitação em álcool etílico. O plasmídeo pGEM3zf+ (Promega Inc., Madison, WI) foi linearizado por digestão com as enzimas de restrição PstI e EcoRI. Os produtos de PCR foram digeridos com as mesmas enzimas. O plasmídeo e os insertos (produtos de PCR) foram separados por eletroforese em gel de agarose 1%, purificados com o QIAEX II Gel Extraction Kit® (Qiagen® Chatsworth, CA) e ligados utilizando a enzima T4 DNA ligase (BioLabs 400 U/µl). Células de Escherichia coli DH5α foram transformadas com o plasmídeo recombinante. Foram selecionadas 50 colônias brancas de cada cepa, crescidas em meio LB contendo 100 mg/mL ampicilina e utilizadas para extração de DNA plasmidial segundo o método de lise alcalina (adaptado de Sambrook e Russell, 2001). Posteriormente, estes plasmídeos foram digeridos com EcoRI e PstI e o tamanho dos insertos clonados foram estimados, após migração por eletroforese em gel de agarose 1%, com o auxílio do programa da câmara digital Kodak 1D Image Analysis Software®. Os clones contendo fragmentos de tamanho compreendido entre 450 – 600pb e 700 – 800pb foram selecionados para o seqüenciamento utilizando os primers universais M13 Forward e M13 reverse. Foram seqüenciados estes clones e os fragmentos amplificados da região intergênica zot – ctxA no seqüenciador automático ABI Prism 3100 Genetic Analyzer® (Applied Biosytems, Foster City, CA).

Análise in silico – As seqüências obtidas foram analisadas através dos

programas SeqManTM II e EditSeqTM (pacote de programas Lasergene, version 4.01,

DNASTAR Inc., Madison, WI), para avaliar o padrão de qualidade das seqüências e montar as seqüências contíguas. O programa Clustal X 1.83 (Thompson et al., 1997) foi utilizado para fazer o alinhamento múltiplo das seqüências. Foi analisada a similaridade das seqüências da região intergênica zot – ctxA obtidas comparando-as com as

seqüências de V. cholerae O1, depositadas no Genbank, através do programa BLAST (Altschul et al.,1997). O mesmo programa foi utilizado na identificação dos operons ribossomais (rrn) correspondentes às seqüências produzidas. Para a construção da árvore filogenética com as seqüências ISR de cada operon rrn foi utilizado o método Neighbor-Joining, com um bootstrap de 1.000 replicatas, e o programa Mega 4 (Tamura

et al., 2007).

RESULTADOS

A partir da análise de 179 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139, isoladas de casos clínicos e do ambiente, oito apresentaram os três genes de virulência do profago CTXφ (ctxA, zot e ace), sugerindo a presença deste profago intacto. Estes resultados sugerem que cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 toxigênicas podem estar passando despercebidas pelo método tradicional de diagnóstico da cólera no Brasil, o que é preocupante, visto que tais cepas são agentes etiológicos da cólera em potencial. Ao analisar a classificação antigênica das cepas selecionadas, com exceção da cepa 17155, que se apresentou como não tipável, as demais foram classificadas sorologicamente como V. cholerae O26 (Theophilo et al., 2006). Outras sete cepas também foram classificadas como O26 mas, embora em todas tenha sido detectada a presença dos genes zot ou zot e ace, confirmando a presença de parte do profago CTXφ, estas não possuíam o gene ctxA que é essencial para a toxicidade do V. cholerae. Neste trabalho se buscou uma melhor caracterização das cepas O26 identificadas, incluindo também nessa análise a cepa 17155.

Detecção do gene rfb (wbe)

Inicialmente foi questionado se as cepas selecionadas, sobretudo as que possuíam os genes do profago CTXφ, não teriam o conjunto de genes rfb (wbe) de biossíntese do antígeno O, típico do sorogrupo O1. Desta forma, as 15 cepas de V. cholerae não- O1/não-O139 foram submetidas a reação de PCR utilizando primers específicos para o sorogrupo O1. Analisando os resultados foi observado que além das cepas de V.

cholerae O1 (569B e 63) usadas como controle, apenas as cepas 4756 (sorogrupo O26)

e 17155 (não tipável) apresentaram o fragmento de 192 pb (Figura 1). De acordo com este resultado, estas duas cepas seriam genotipicamente do sorogrupo O1.

Análise da expressão da toxina colérica

Apesar de sete destas, potencialmente epidêmicas, terem sido isolados de casos humanos e apresentarem genes do profago CTXφ, restava saber se expressavam a toxina colérica (CT). Assim, em um primeiro momento, estas cepas foram cultivadas em condições de indução da produção da CT por cepas de V. cholerae O1 biotipo El Tor. A presença da CT foi investigada por Western blot nos sobrenadantes das respectivas culturas. Em apenas duas das oito cepas, 4756 e 17155, as mesmas que apresentavam o gene rfb, foi detectada a expressão da subunidade A da toxina colérica (Figura 2).

Seqüenciamento da região em tandem heptanucleotídica

A não expressão da CT por seis das oito cepas de V. cholerae não-O1/ não- O139 sugere alterações na cascata regulatória. Partiu-se então para a amplificação e seqüenciamento da região intergênica zot – ctxA destas cepas e a identificação do número de cópias do heptanucleotídeo. A ausência da produção de CT nas demais cepas de V. cholerae O26 (3340, 4010, 6958, 11159 e 13151) pode ser atribuída à presença de somente duas cópias íntegras do heptanucleotídeo (Figura 3). As cepas de

V. cholerae não-O1/ não-O139 (4756 e 17155), nas quais a toxina foi identificada,

possuem quatro cópias do heptanucleotídeo (Figura 3), o mesmo número de repetições encontrado na cepa 63, V. cholerae O1 biotipo El Tor. Já a cepa 569B, V. cholerae O1 biotipo clássico, apresentou seis cópias.

Sorologia

Diante das evidências até o momento apresentadas, as cepas 4756 (V. cholerae O26) e 17155 (V. cholerae sorogrupo não tipável) além de serem potencialmente epidêmicas, são molecularmente do sorogrupo O1. Para confirmar o diagnóstico destas cepas como não O1, de forma comparativa com as demais cepas O26, foi realizada a sorologia das cepas 6958, 4756, 17155 e 569B (V. cholerae O1 controle) testando o antissoro para o sorogrupo O1 utilizado de forma rotineira no diagnóstico laboratorial. Os resultados confirmam o não reconhecimento das cepas 4756 e 17155 pelo antissoro O1, uma vez que só a cepa 569B apresentou aglutinação com o antissoro O1 (Figura 4). A possibilidade da ocorrência de uma soroconversão é corroborada com a não aglutinação das cepas 4756 e 17155.

Amplificação da região espaçadora intergênica 16S-23S

Por perceber que a classificação sorológica é um critério taxonômico pouco robusto e sujeito a fenômenos mutacionais, como a soroconversão, que a tornam ainda mais limitada, procurou-se então utilizar uma nova alternativa que pudesse analisar de forma mais detalhada as relações de parentesco entre as cepas de V. cholerae não- O1/não-O139, comparando-as ainda com cepas O1 mais bem caracterizadas. Optou-se por analisar a região espaçadora intergênica 16S-23S ribossomal (ISR), um marcador molecular filogenético com poder de resolução infraespecífico. Em V. cholerae já foram descritos oito operons rrn contendo o conjunto completo de genes de RNA ribossomal organizados na seqüência 16S, 23S e 5S e separados por seqüências espaçadoras não codificantes que entretanto podem conter genes de tRNA. Estes operons podem ser agrupados em cinco classes baseado na presença de genes de tRNA específicos dentro das ISRs (Ghatak et al., 2005; Stewart et al., 2007).

Com base na seqüência genômica da cepa N16961, V. cholerae O1 El Tor (Heidelberg et al., 2000), disponível no Genbank, realizamos inicialmente uma análise

in silico para identificar o conjunto de fragmentos de ISRs passíveis de amplificação

com os referidos primers. Assim, uma amplificação de ISRs da cepa N16961 deve produzir fragmentos referentes às classes listadas a seguir, e mostradas esquematicamente na Figura 5A, com os respectivos genes de tRNA que permitem sua identificação: rrnA com 544pb (tRNAAla - GGC (anticódon)); rrnB e rrnE com 490pb (tRNAGlu - UUC), idênticos; rrnD com 570pb, rrnC e rrnF com 569pb (tRNAAla - UGC e tRNAIle - GAU), inclusos em uma mesma classe mas com variações mínimas de seqüência entre os três operons, fora dos genes de tRNA; rrnG com 831pb (tRNAAla - UGC, tRNAVal

- UAC

, tRNALys - UUU e tRNAGlu - UUC); e rrnH com 745pb (tRNAVal - UAC, tRNALys - UUU e tRNAGlu - UUC). Partiu-se então para a amplificação do conjunto de ISRs das 8 cepas não-O1/não-O139 objeto desse estudo e da cepa 63, V. cholerae O1 El Tor, como controle positivo. Conforme ilustrado na Figura 5B, todas apresentaram o mesmo padrão de cinco fragmentos amplificados, indicando uma maior proximidade filogenética. Os fragmentos produzidos em sua maioria possuem tamanhos equivalentes às classes de ISR preditas com base no genoma da cepa N16961 a exceção do fragmento maior, equivalente ao rrnG.

Análise das seqüências de ISRs

Uma vez que a ribotipagem-PCR não se mostrou capaz de discriminar entre as cepas estudadas, e buscando-se poder quantificar de forma mais precisa o grau de parentesco entre as mesmas, partiu-se para realizar o seqüenciamento do conjunto de ISRs das cepas em estudo. Neste sentido, para cada cepa, os fragmentos amplificados de ISRs foram purificados em conjunto e submetidos a ligação e clonagem em vetor da série pGEM. Cerca de 50 minipreparações de DNA foram realizadas em cada etapa de clonagem e a presença de insertos confirmadas por digestão com enzimas de restrição. De acordo com o tamanho do fragmento liberado, por volta de 25 clones foram submetidos ao seqüenciamento dos insertos (totalizando 210 clones seqüenciados para as nove cepas estudadas – oito cepas de V. cholerae não-O1/ não-O139 e a cepa 63). Estes clones foram selecionados de forma a maximizar o seqüenciamento das 5 classes de ISRs. As seqüências obtidas foram então analisadas para classificá-las de acordo com as classes conhecidas de V. cholerae. A exceção do rrnG, que não foi recuperado de duas das cepas (6958 e 13151) e cujo seqüenciamento para as demais não foi completo, ISRs representativas de todos as demais classes de operons foram recuperadas, a grande maioria representada por vários clones. Todas as seqüências produzidas de uma mesma classe foram então alinhadas e comparadas entre si e também com a seqüência genômica disponível.

Um primeiro resultado da análise do alinhamento das seqüências, diz respeito ao

operon rrnA. Foi observado que a cepa N16961 apresenta uma inserção de 60pb na

região intergênica do operon rrnA (Tabela 2 e Figura 5A). Quando foram comparadas as seqüências da ISR do operon rrnG, foi observado também uma inserção de 60pb (Figura 5A). O alinhamento entre essas inserções mostra que 59pb são idênticos, variando apenas uma base na extremidade da região. A ausência desta inserção foi também observada na cepa 63 (V. cholerae O1). A partir da análise de Ghatak e colaboradores (2005), foi observado que os operons rrnA e rrnG não foram bons marcadores para distinguir cepas de V. cholerae O1 e O139. Entretanto, como mostrado na Tabela 2, os resultados obtidos a partir da análise de seqüências da ISR do operon

rrnA mostram duas variações (posição 244 e 474) que foram compartilhadas pelas cepas V. cholerae O26 não produtoras de CT (2494, 3340, 4010, 6958, 11159 e 13151). Por

sua vez, as cepas de V. cholerae O1, 63 e N16961, compartilham as mesmas mutações das cepas 4756 e 17155.

No que diz respeito as demais ISRs, a seqüência da rrnG não foi utilizada em outros estudos devido a sua pouca representatividade. Com relação às demais, quando comparadas entre si e com a seqüência da cepa N16961, percebeu-se que apresentaram um tamanho uniforme e relativamente baixa freqüência de mutações. Porém, em todos os operons analisados era nítida a presença de mutações compartilhadas entre o V.

cholerae sorogrupo O1, 4756 e 17155 e outras entre as cepas de V. cholerae O26,

mostrando o quanto este marcador molecular é apropriado para a inferência filogenética de cepas de V. cholerae de diferentes sorogrupos.

Análise filogenética das seqüências da ISRs

De forma a melhor visualizar os resultados obtidos com o seqüenciamento das ISRs e também identificar como estas se comparam na elucidação de relações de parentesco entre cepas, foram construídas árvores filogenéticas utilizando as seqüências dos operons rrnB, rrnC e rrnH. Para dar robustez às árvores filogenéticas, foram utilizadas, como grupo externo, seqüências de V. mimicus, cepas RC5 (operons rrnB e

rrnH) e RC55 (operon rrnC), depositadas no NCBI (Chun et al., 1999). As espécies V. cholerae e V. mimicus apresentam um ancestral comum recente, possuindo genomas

bastante relacionados. A análise de seqüências multilocos (rRNA 16S, rpoA, recA e

pyrH) confirma esta estreita relação filogenética (Thompson et al., 2005).

Nas árvores filogenéticas dos operons rrnB (Figura 6A), rrnC (Figura 6B) e rrnH (Figura 6C), as cepas 63, 4756, 17155 e N16961 se agruparam no mesmo clado. A árvore que apresentou um maior poder discriminatório foi a do operon rrnH sendo visualizada neste operon mais mutações compartilhadas pelos dois grupos analisados. As demais cepas de V. cholerae O26, nas três árvores construídas ficaram agrupadas no mesmo clado. Entre estas a cepa 11159 se apresentou diferenciada das demais em duas das árvores produzidas, com os operon rrnC e rrnH, sugerindo um distanciamento genético real em relação às demais. A principal conclusão desta análise, e de acordo com os demais resultados obtidos, é que as duas cepas 4756 e 17155 seriam geneticamente do sorogrupo O1.

DISCUSSÃO

Foi possível evidenciar a ocorrência de soroconversão das cepas 4756 e 17155 através do estudo da região espaçadora intergênica 16S-23S (ISR) dos operons de rRNA, que se mostra uma ferramenta robusta para a análise filogenética de cepas de V.

cholerae de diferentes sorogrupos. A partir da análise de cepas de V. cholerae O1 e

O139, Ghatak e colaboradores (2005) recomendam o uso das ISRs dos operons rrnB,

rrnC e rrnH, não encontrando variações significativas nos operons rrnA e rrnG. Tais

achados são corroborados com a proximidade genética entre o V. cholerae O139 e os sorogrupos O1 (biotipo El Tor) e O22 (Li et al., 2002) e com a presença de genes conservados que flanqueiam o conjunto de genes wbe, como o gmhD e rjg (Chen et al., 2007), reforçando a hipótese de recombinação homóloga desta região, resultando na substituição do cluster gênico O1 original com o cluster gênico O139 de uma cepa de V.

cholerae ambiental (Li et al., 2002; Mooi e Bik, 1997; Faruque et al., 2003; Chatterjee e

Chaudhuri, 2004; Blokesch e Schoolnik, 2007). Neste trabalho, foi observado que todos os operons eram informativos para mostrar diferenças entre o sorogrupo O1 e O26, destacando a ISR do operon de rRNA H por apresentar mais mutações compartilhadas entre cepas de V. cholerae O26.

Dois eventos podem ter ocorridos entre as cepas de V. cholerae não-O1/não-O139 analisadas. As cepas 4756 (V. cholerae O26) e 17155 (V. cholerae sorogrupo não tipável) provavelmente sofreram uma conversão sorológica por modificação na cascata de biossíntese do antígeno O enquanto que outras cepas de V. cholerae O26 adquiriram os profagos das cepas epidêmicas por transferência horizontal. A partir da análise de Li e colaboradores (2002), ao estudar 300 cepas de V. cholerae não-O1/não-O139, encontraram quatro cepas de V. cholerae (sorogrupos O27, O37, O53 e O65) com indícios de recombinação homóloga do conjunto de genes de biossíntese do antígeno O, típico do sorogrupo O1. Ao analisar os genes de virulência destas quatro cepas foi observado que são bastante heterogêneos, incluindo as cepas O53 e O65 que apresentavam o profago CTXφ do V. cholerae O1 clássico incompleto (os genes ctxAB ausentes) e a cepa O27 que apresentou um tipo ambiental do profago, até então desconhecido. Isso mostra que a ocorrência da soroconversão em cepas de V. cholerae sorotipadas como não-O1/não-O139 é freqüente, o que as tornam importante objeto de estudo epidemiológico, por serem agentes potencialmente etiológicos da cólera (Blokesch e Schoolnik, 2007). Uma abordagem necessária seria a análise do conjunto de

genes de biossíntese do antígeno O (região wbe) das cepas de V. cholerae não-O1/não- O139 produtoras de CT (4756 e 17155). É possível que esclareça a modificação da expressão fenotípica do antígeno O, que o torna não aglutinável com o antissoro O1, elucidando quais eventos evolutivos estariam envolvidos na soroconversão destas cepas. Os profagos CTXφ com duas cópias do heptanucleotídeo presentes nas cepas de

V. cholerae O26 devem ser comparados com os profagos das cepas epidêmicas da

mesma época, para verificar se existe um tipo predominante de profago ou se são encontrados novos alelos dos genes de virulência. Tal abordagem é pertinente, sobretudo, pelo fato de não se conhecer quais são os tipos de profagos CTXφ circulantes nas cepas de V. cholerae isoladas no Brasil. A possibilidade de detecção de homólogos funcionais dos genes de virulência presentes nas cepas de V. cholerae ambientais pode contribuir para a compreensão da origem e da evolução destes genes. É recomendável ainda, que seja aprofundada a análise dos genes presentes na VPI (Ilha de Patogenicidade de Vibrio) das cepas de V. cholerae não-O1/não-O139.

O presente trabalho chama a atenção para a forma como é realizado o método tradicional de diagnóstico da cólera no Brasil, que utiliza como critério de triagem para realizar os demais testes bioquímicos apenas a reação de soroaglutinação das cepas de

V. cholerae isolodas. Caso a cepa de V. cholerae seja não-O1/não-O139, provavelmente

será descartada da triagem, desconsiderando a possibilidade destas cepas possuírem os genes de virulência ou serem uma cepa de V. cholerae O1 soroconvertida em outro sorogrupo (Li et al., 2002). Cepas de V. cholerae toxigênicas podem, assim, não ser detectadas pelo diagnóstico tradicional da cólera. Além do mais, tal método de diagnóstico depende basicamente do crescimento bacteriano em meios de culturas convencionais (Ágar TCBS e Água Peptonada Alcalina), o que demanda tempo para a conclusão do diagnóstico e está sujeito a não identificar as cepas de V. cholerae no estado viável mas não cultivável (VNC). Trata-se de uma estratégia de sobrevivência do

V. cholerae quando submetido a estresse, seja pela falta de nutrientes, pela elevação da

salinidade ou pela redução da temperatura (Aulet et al., 2007). O V. cholerae neste estado de latência não é cultivável nos meios de culturas convencionais, impossibilitando seu isolamento por técnicas microbiológicas, embora ainda possam ocasionar a infecção colérica (Colwell e Huq, 1994). A manutenção do potencial infeccioso da bactéria nessa condição, o torna de grande importância epidemiológica (Colwell, 1996; Binsztein et al., 2004).

Embora apresente limitações, a técnica de soroaglutinação é indispensável na classificação sorológica do V. cholerae. Diante da ocorrência de cepas soroconvertidas,

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